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Como a agenda de classe foi usurpada pela das “minorias” na esquerda
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Quer ver o cérebro de um típico “progressista” moderno dar bug? Então basta perguntar a uma feminista se ela prefere a liberdade das mulheres no Ocidente capitalista ou no Oriente islâmico. Ou então fazer a mesma pergunta a um homossexual. Ou questionar um negro se, por acaso, há mais liberdades e vantagens aos negros na África em vez de nos Estados Unidos, um país “racista”. É bug na certa!

Isso acontece pois os movimentos de “minorias” são totalmente incoerentes na largada. Seu denominador comum é pintar o “homem branco ocidental” como o grande vilão da humanidade, mesmo que o mundo criado por esse “cabra da peste” seja o mais tolerante, o mais plural, o mais livre e o mais próspero para as tais “minorias”.

No fundo, as bandeiras das “minorias” foram uma adaptação da esquerda após o fracasso do marxismo. Era preciso continuar atando o “sistema”, e nada melhor, para tanto, do que se voltar contra seu símbolo maior: o “homem branco ocidental”. O conceito de luta de classes seria transportado para as demais áreas, para a família, para as “raças”, para o sexo.

Mas isso não satisfez completamente as viúvas do socialismo. Na prática, ocorre uma disputa entre chorões, para ver quem vai se apropriar dos recursos escassos pilhados pelo estado, dos privilégios às “minorias”. E quando fica claro que as cotas raciais, por exemplo, beneficiam as elites negras à custa dos pobres brancos, isso não pode deixar um típico marxista feliz. A briga interna na esquerda era inevitável.

Já comentei numa resenha crítica o livro The Myth of Meritocracy, do britânico James Bloodworth. Deixei de fora, porém, uma parte que considero mais interessante, mas que desviava um pouco daquele tema central, e que tem ligação justamente com esse aqui debatido. Bloodworth afirma que a análise baseada nas classes, outrora a raison d’être dos movimentos socialistas, foi usurpada na esquerda pelo mimimi das mulheres, dos gays, dos negros e demais minorias étnicas. Diz ele:

Na realidade, a política de identidade era uma resposta compreensível às injustiças do século XX e às derrotas sofridas pela esquerda. Apesar da retórica de esquerda, o sexismo, o racismo e a homofobia nunca foram eliminados completamente da política socialista porque estes movimentos têm invariavelmente refletido as sociedades em que foram concebidos. […] Seria errado sugerir que hoje esta dinâmica virou de ponta cabeça. Ainda é possível encontrar o sexismo, o racismo e a homofobia na esquerda tão facilmente como se pode encontrá-los na sociedade em geral.

Como “prova” disso, o autor cita o salário médio menor das mulheres, que ignora a produtividade e o perfil dos trabalhos escolhidos, e também a taxa maior de negros na população carcerária, ignorando a taxa maior de negros praticando crimes. Não importa: essas seriam evidências de que há, ainda, sexismo e racismo, mesmo na esquerda.

Só que eis o problema, para ele: essas políticas de identidade são compatíveis com a economia neoliberal. Elas podem coexistir com o chefe que ganha mais numa semana do que um funcionário num ano, desde que as chances de ser esse chefe sejam igualmente distribuídas entre os diferentes gêneros, “raças” ou inclinações sexuais.

Tal como acontece com a ideia de meritocracia, o objetivo final da política de identidade é “sintonizar-se” à elite, em vez de aboli-la, conclui Bloodworth. Ao buscar constantemente dividir as pessoas em grupos cada vez menores, a política de identidade previne a criação de um sentido de unidade em torno de questões como a “justiça econômica”, diz ele.

Em outras palavras, as mulheres, os gays e os negros querem fazer parte da elite, e a velha luta de classes que precisava atacar a elite como um todo se enfraquece. O proletário acaba esquecido pelas elites dessas ditas “minorias”. O autor lamenta:

E porque [a política de identidade] está obcecada com a diferença, as divisões são potencialmente infinitas. Desta forma, ela funciona como um fio leve de nacionalismo. A tribo sempre vem antes da classe, mesmo que abaixo da superfície os interesses da tribo sejam extremamente díspares.

Peguemos o caso da imprensa, área de atuação do autor. Para a esquerda moderna, uma mídia “diversificada” será aquela que contar com muitos negros, gays e mulheres, ou seja, membros das “minorias”. Mas não importa que ninguém de destaque nela seja de uma classe inferior, ou seja, um “proletário”. Os pobres brancos seriam ignorados na análise.

O inimigo, claro, continua o mesmo: o homem branco. Mas não todo homem branco, e sim aquele da elite. O homem branco da classe baixa não pode ser abandonado nas demandas por “justiça” em troca das “minorias”, argumenta Bloodworth. “A igualdade de oportunidades ao longo das linhas previstas por proponentes da política de identidade seria uma melhoria inquestionável sobre o status quo”, reconhece. Mas isso não deveria ofuscar o debate de classes, segundo ele.

A invisibilidade da classe nos debates recentes, para Bloodworth, está acontecendo num momento em que as crianças brancas de camadas mais pobres, especialmente os meninos, estão ficando para trás de todos os outros grupos étnicos na escola. A igualdade de gênero, por exemplo, já foi atingida nas universidades, e em muitos casos há até mais mulheres que homens. Mas o mais relevante, sob sua ótica, continua de fora: a classe. Mulheres da classe baixa seguem prejudicadas. Homens também.

Não é possível achar que essas “minorias” formam blocos homogêneos. Os temos “comunidade negra” e “comunidade gay” denotam essa visão monolítica, que não corresponde à realidade. Para Bloodworth, eles deixam de fora as diferenças de classes. Há os negros ricos e os negros pobres, os gays ricos e os gays pobres, e por aí vai. Os autoproclamados líderes dessas “comunidades” falam em nome de todos, mas é pura demagogia. O autor conclui:

A luta por uma sociedade mais justa, mais igualitária deve finalmente unir grupos díspares – brancos e não-brancos; homens e mulheres; gays e heterossexuais – com base em uma compartilhada falta de oportunidade econômica. No entanto, a política de identidade da esquerda é cada vez mais um jogo de soma zero – um jogo em que ‘homens brancos’ devem invariavelmente perder para que as mulheres, as minorias étnicas e pessoas LGBT possam prosperar. Sem levar em consideração o impacto da classe, isso irá simplesmente dar origem a outra injustiça; ou, mais precisamente, vai agravar uma já existente.

Não deixa de ser interessante ver as críticas de um esquerdista a essa esquerda “progressista” moderna, voltada para a política de identidade. Mas claro que ele quer apenas substituir um coletivismo por outro, igualmente perverso. Onde os movimentos raciais só enxergam raça, onde as feministas só enxergam gênero, onde os movimentos LGBT só enxergam inclinação sexual, ele só quer enxergar classe. Cada um com sua obsessão limitada.

A menor minoria de todas, o indivíduo, segue ignorada por todos eles! É o que mostro em maior profundidade na quarta aula do meu curso online “Civilização em Declínio”. Se o negro é contra cotas, ele é um “traidor”, como acontece com um gay que não quer saber dos movimentos LGBT, por considerá-los socialista. Da mesma forma, o “proletário” que é contra os meios propostos pelo socialista só pode ser um “traidor”. Bloodworth acha que os líderes dessas “minorias” são hipócritas por falarem em nome do grupo todo, que não é homogêneo; mas ele acha que fala em nome de todos da classe baixa!

Não passa por sua cabeça que alguém pobre pode ser um capitalista liberal, justamente por compreender que o intervencionismo estatal não melhora suas chances de prosperar e ter uma qualidade de vida melhor. É verdade que as políticas de identidade deixaram de lado os mais pobres, para focar nas elites dessas “minorias”. Mas também é verdade que ambos – movimentos de “minorias” das esquerdas modernas e socialismo marxista das esquerdas antigas – erram o alvo, ao atacar o capitalismo liberal meritocrático.

Economia não é jogo de soma zero, em que alguém, para ganhar, precisa tirar do outro. Todos podem se beneficiar do sistema, independentemente do gênero, da “raça”, da inclinação sexual e da classe. O problema está mesmo no esquerdismo, no próprio conceito de luta de classes, ou de raças, ou de gêneros. O capitalismo não é análogo a uma luta por fatias de um bolo fixo.

É essa premissa que precisa ser abandonada o quanto antes, sob o risco de mais antagonismo ser gerado onde deveria existir um amplo modelo de cooperação com ganhos gerais. Basta entrar num supermercado para ver o “milagre” do capitalismo, não importa se você é de uma “minoria” ou não, se é da classe A, B ou C. Economia não é jogo de soma zero: a esquerda precisa aprender isso!

Rodrigo Constantino

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