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Desobediência civil: o romantismo libertário de Thoreau
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“Qualquer liberal autêntico é um anarquista frustrado.” (Og Francisco Leme)

Henry David Thoreau escreveu um livro chamado Desobediência Civil para protestar contra a guerra que os Estados Unidos realizavam contra o México em 1846. Thoreau influenciou bastante o pensamento americano, e era um forte defensor da idéia de que o melhor governo é aquele que governa menos, ou seja, que mais respeita as liberdades individuais. Para ele, seria ainda melhor o governo que não tivesse que governar de fato nada!

Durante a guerra, Thoreau preferiu ser preso a pagar seus impostos, já que entendia que estaria contribuindo para a guerra caso transferisse recursos para o governo. Ele tomou esta decisão de forma consciente, e se sentiu muito mais livre na cadeia que seus concidadãos soltos, que eram, na verdade, escravos e cúmplices de um governo injusto.

Seria o mesmo que perguntarem se é preferível ir preso ou matar uma criança. Nesse caso extremo, a resposta parece óbvia, e a grande maioria optaria pela primeira alternativa. É muito parecido, apenas fica mais sutil perceber que seu dinheiro está contribuindo diretamente para todas as atrocidades que o governo comete, já que dinheiro não possui carimbo. Eis a mensagem que Thoreau pretendia passar com seu protesto. Ele afirmou que não é tão desejável cultivar um respeito pela lei como é pela justiça, pelo correto.

Tal idéia ainda é merecedora de muita reflexão, já que não são poucos os que confundem legalidade com justiça. O governo não estava armado com maior sabedoria ou honestidade, mas com maior força física. E Thoreau alegava não ter nascido para ser forçado. Seria contra sua natureza. Ele preferiu a prisão. Essa postura de resistência pacífica às injustiças do governo iria influenciar depois nomes como Gandhi e Martin Luther King Jr.

Thoreau defendeu como poucos a liberdade individual, beirando o anarquismo até. Ele entendia que um governo onde a maioria manda em todos os casos não pode ser calcado na justiça. Para ele, o caráter inerente ao povo americano que permitiu todas as conquistas realizadas, e mais ainda poderia ter sido feito não fosse o governo ter atrapalhado o caminho algumas vezes. Da monarquia absoluta para uma limitada, houve progresso em relação ao respeito ao indivíduo. O mesmo vale de uma monarquia limitada para uma democracia, tal conhecida então.

Thoreau questiona, portanto, se nenhum avanço mais é possível em relação a esta democracia. Ele diz: “Nunca irá existir um Estado realmente livre e esclarecido, até que o Estado chegue a reconhecer o indivíduo como uma força mais elevada e independente, da qual toda a sua própria força e autoridade são derivadas”. Uma lição que sem dúvida merece mais atenção atualmente.

O livro mais famoso de Thoreau é Walden, onde ele conta sua experiência ascética quando viveu dois anos e dois meses nas florestas, se sustentando com o próprio trabalho e com as próprias mãos. Sua atitude ousada de Robinson Crusoé voluntário mexeu com o romantismo dos americanos. Ele alegou que aprendeu uma importante lição durante sua experiência: que se alguém avança com confiança em direção aos seus sonhos, e resolve viver a vida com a qual imaginou para si, ele irá encontrar o sucesso inesperadamente rápido.

Não deixa de ser um apelo nobre ao individualismo, que vai totalmente contra a idéia coletivista de que cada indivíduo é apenas um meio para algo maior, para o “bem-geral”, podendo assim ser sacrificado para tal fim. Cada um deve se ocupar dos seus próprios negócios, dos seus próprios interesses. Não é por acaso que Thoreau começa o livro justificando o uso da primeira pessoa durante a narrativa. Ele afirma que na maioria dos livros o termo “eu” é omitido, mas que, em respeito ao egotismo, fará diferente. Afinal de contas, é sempre a primeira pessoa que está falando. Não há ninguém que cada um conheça melhor que si próprio.

O individualismo exacerbado de Thoreau serve para despertar uma reflexão sobre os motivos para a existência do governo. Como diz Og Leme na frase da epígrafe, o liberal verdadeiro acaba sendo um anarquista frustrado. O ideal seria nem mesmo precisar da existência de um governo, que será sempre coerção, força. Mas essa visão acaba sendo ingênua e inocente. A pergunta que John Locke fez mostra o motivo: “Quem poderia ser livre se estivesse à mercê do capricho de outra pessoa”? Por isso o governo das leis impessoais, que garantem as trocas voluntárias. Mas como Og Leme afirma em seu livro A Ordem Econômica, “o liberal é consciente do mal que advém do governo – a concentração de poder – mas não vê como viver sem ele”. O problema passa a ser então como estabelecer os limites da ação governamental, contê-lo dentro do absolutamente necessário.

Os homens são diferentes, possuem valores distintos, e são egoístas, no sentido de buscar os próprios interesses. A fim de evitar a rota de colisão entre esses diferentes indivíduos, cria-se um governo com leis básicas e igualmente válidas para todos. Evita-se assim que os mais fortes dominem os mais fracos. As trocas entre todos deverão ser estritamente livres, sem o uso de coerção ou ameaça de uso da coerção. Isso garante que as individualidades sejam mantidas. Isso garante a justiça. Se tal fosse o tipo de governo nos tempos de Thoreau, provavelmente ele não sentiria a necessidade de apelar para uma desobediência civil.

Afinal, ele não estaria sendo forçado a fazer algo contra sua vontade e seus valores. Ele não estaria, sob a mira da arma estatal, tendo que financiar uma guerra que considerava injusta. Talvez esta visão libertária seja praticamente utópica. Mas sem dúvida deveria ser ao menos uma meta, um objetivo que norteasse as ações políticas. Não devemos esquecer que “o melhor governo é aquele que governa menos”.

Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.

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