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A diferença entre o projeto de mudança do Partido Novo e o personalismo salvacionista de Bolsonaro
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Quando comentei sobre o pronunciamento de Jair Bolsonaro em evento de lançamento do Patriota, novo nome que o PEN deverá adotar para endossar sua candidatura, abordei como um dos principais pontos de fraqueza o fato de se tratar do “exército de um homem só”. Ou seja, as questões chatas permanecem: como exatamente um herói honesto vai chegar ao poder e fazer toda a diferença?

Para quem quer ficar apenas na primeira etapa do “raciocínio”, entendo que essa seja uma pergunta incômoda. Muitos não chegaram tão longe assim. Bolsonaro é tido como íntegro e honesto, enfrenta com coragem os comunistas, e nada mais importa. Será a solução para nossos problemas, a salvação do Brasil (e é fácil perceber o tom messiânico de muitos dos seguidores ali, que trocaram Deus por um político).

Mas alguns levantaram uma questão legítima: essa dificuldade que apontei vale apenas para Bolsonaro? E o Partido Novo, que, como muitos sabem, eu apoiei desde o começo? Não seria também um caso de um partido pequeno, sem base, que não teria condições de governar sem acordos ou parcerias? Esse texto é uma resposta a essa pergunta.

De cara, a resposta é “sim”, o Novo também teria a mesma dificuldade, assim como qualquer outro partido pequeno. Foi o caso de Collor, lembram? Na verdade, pode-se até argumentar que não se governa sem o PMDB nesse nosso querido e vasto Brasil, ao menos não por enquanto. É o centrão fisiológico que está sempre no poder, e que todos precisam de certa forma engolir.

Serve quase sempre para o mal, para impedir reformas estruturais contra o “deep state” (do qual é o representante) que possibilitariam um avanço maior de nossa economia. Mas de vez em quando serve como poder moderador, para impedir golpes totalitários, como foi o caso com o PT. Se o PMDB nos impede de virar o Chile, também nos livrou de virar a Venezuela, justiça seja feita.

E aqui começa a resposta para valer: os seguidores aguerridos de Bolsonaro querem eliminar o PMDB, o PSDB, certamente o PT, querem destruir “tudo e todos” de forma um tanto jacobina, num passe de mágica, por decreto. Querem detonar o “sistema”, acabar com os “socialistas”. Nesse sentido, são revolucionários também. O discurso é todo antipolítica e personalista: Bolsonaro não precisará desses “conchavos” pois terá ao seu lado o povo!

Basta ler inúmeros comentários no meu texto para ver como não são poucos os que pensam assim. Percebe-se que não se debruçaram sobre as questões delicadas e práticas de um governo efetivo. Ou então são mesmo autoritários e antidemocráticos, não ligam para a democracia representativa e desejam um “déspota esclarecido” (ou, no caso, um “déspota íntegro”, já que esclarecido seria forçar demais a barra). Isso é um perigo!

Por que eu defendi o projeto do Novo desde o começo? Porque o Novo deixa claro que não pretende depender de algumas pessoas, mas sim defender ideias e princípios. Ou seja, trata-se mais de um movimento de mudança da mentalidade do que um projeto de poder político. Até aceito que pode ser meio ingênuo mesmo, que “fazer política” não é trivial, não é coisa para amadores, para engenheiros com boas intenções.

O Novo também tem essa pegada antipolítica, quer trazer os “outsiders”, já que a classe política não goza de credibilidade alguma. Quer evitar carreiristas políticos, o que pode ser romântico, já que uma vez acumulado o capital político, dificilmente ele será jogado no lixo (Bolsonaro está em seu sétimo mandato, não custa lembrar, e com três filhos também na política).

Mas ao menos o Novo tem um projeto de longo prazo calcado mais em ideias do que pessoas, e isso me atraiu (apesar de minhas críticas eventuais). Não é do meu perfil, menos ainda das minhas conclusões de anos de estudo, bajular um político, endeusar uma pessoa, concentrar minhas esperanças num governante. Ao contrário: sou cético com o poder, com a política, e por isso mesmo quero descentralizar o poder, retirá-lo dos políticos em geral e devolvê-lo para a sociedade.

Mas não será com um “déspota do bem” que isso vai acontecer, com uma pessoa, um político, concentrando todo o poder para consertar tudo e depois devolvê-lo para a sociedade. Sim, alguns seguidores de Bolsonaro chegaram a pregar exatamente isso. Eu desconfio de todo candidato a Robespierre. Eu desconfio de quem quer executar uma “limpeza geral” no sistema. Eu certamente desconfio de quem quer acumular poderes tirânicos em nome do povo para depois entregar-nos a liberdade. Era o papinho da “ditadura do proletário” de Marx, que depois aboliria voluntariamente o estado para se chegar ao comunismo, lembram?

Logo, eis aí a diferença básica entre ambos, do ponto de vista da governabilidade. O Novo não depende de uma pessoa, de um político, e não promete salvação milagrosa, não foca apenas nas próximas eleições, não deposita tudo ou nada em 2018. Não é esse seu jogo, sua meta, sua razão de existir. Se o Novo emplacasse algum candidato vitorioso nas próximas eleições, teria o mesmo problema de governabilidade de um Bolsonaro eleito. E teria que fechar com o PMDB também, eis a realidade.

Se alguém de um partido nanico chegar ao poder nesse atual sistema, e antes de uma completa renovação do Congresso (o que só será possível com a mudança da mentalidade do povo e do próprio sistema político, com a adoção do voto distrital, por exemplo), não será capaz de governar sem acordo com os grandes partidos. Isso é óbvio! A alternativa é fechar o Congresso, decretar-se ditador e governar em nome do “povo”. Mas isso nunca acaba bem.

Isso não quer dizer, por certo, que alguém com um perfil melhor, mais honesto e mais liberal ou conservador, não possa realizar mudanças importantes no governo. Pode sim. Mas é preciso ser realista quanto aos limites dessas mudanças. Até porque a expectativa elevada demais produz apenas decepção igualmente alta, o que pode ser um perigo. A frustração excessiva leva justamente à perda de confiança no sistema, na democracia, e é um prato cheio para revoluções sangrentas que costumam acabar mal.

Não descarto uma situação limite em que até essa “saída” seja menos pior do que manter o “sistema”. Basta pensar no caso venezuelano, em que a democracia já foi para o espaço faz tempo, e que pegar em armas contra a ditadura é uma atitude legítima. Mas isso significa que as instituições já faliram por completo, e não creio que o Brasil tenha chegado lá (ainda).

Esse é o discurso, aliás, dos próprios comunistas: acham que o “sistema” é capitalista opressor, dominado pelas elites, uma ditadura disfarçada, e que isso justifica a violência redentora. Daí MST, MTST, black blocs e tutti quanti. Não me agrada o mesmo tipo de pensamento “do lado de cá”, à direita. Por isso defendo o projeto do Novo: por entender que é um projeto realista, de longo prazo, uma maratona em vez de uma corrida de cem metros rasos.

E que depende mais de suas boas ideias do que de estrelas, salvadores de Pátria. Eu definitivamente não sou político-afetivo, não tenho nada de idólatra, e não gosto de ver o tom religioso sendo adotado na política. Políticos não são deuses! Desconfiar deles é sempre saudável. Assim como lutar para que tenham menos, não mais poderes. É o paradoxo de todo liberal, eu sei: defendem menos estado, mas para colocarem em prática isso, precisam também chegar ao poder estatal.

É por isso que os liberais sempre focaram mais no poder das ideias, ainda que não devamos menosprezar a via política. Ela é necessária. Mas sem uma mudança no arcabouço cultural, ficaremos dependendo do tal “déspota esclarecido”. E à exceção da pequena Cingapura, desconheço casos de sucesso. Alguém pode citar Pinochet, mas o custo foi alto demais, em vidas e com a morte da democracia por duas décadas. Não acho que a democracia seja um novo Deus, mas ainda é, como disse Churchill, o pior modelo, exceto todos os outros. É o meio menos sangrento de trocar o comando na política…

Rodrigo Constantino

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