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A ditadura na Venezuela e as armadilhas da democracia
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Por João Luiz Mauad, publicado pelo Instituto Liberal

Democracia deve ser mais do que dois lobos e uma ovelha votando sobre o que terão para o jantar.  James Bovard

A oposição não irá registrar um candidato para a eleição presidencial marcada para 22 de abril, na Venezuela, disse o prefeito de Caracas, atualmente no exílio, classificando a votação como uma “armadilha” preparada pelo presidente Nicolás Maduro. “Não é um boicote. Nós estamos, na verdade, ignorando uma armadilha. Não podemos chamar de uma eleição, porque sabemos que será uma fraude”, disse Ledezma.

Enquanto isso, centenas de milhares de venezuelanos têm cruzado as fronteiras dos países vizinhos, num verdadeiro êxodo, em busca de segurança, liberdade e um prato de comida.

As notícias vindas da Venezuela nos mostram, em cores vivas, como os tiranos podem aproveitar-se de democracias institucionalmente frágeis para estabelecer ditaduras muitas vezes mais cruéis do que as existentes nas antigas monarquias absolutistas.

Diversos filósofos e políticos já foram confrontados por este difícil dilema: os homens, sendo o que são, necessitam de um governo, uma força maior e mais poderosa que qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos, capaz de evitar o que Hobbes chamava de “estado natural de guerra”.  Por outro lado, os homens também precisam de proteção contra os abusos desta mesma força e, especialmente, contra a sua inerente propensão à corrupção e ao despotismo.

O conflito social fundamental, portanto, não é – e nunca foi – a famosa luta de classes descrita por Marx, mas o combate quase sempre desigual entre os indivíduos e o poder político, personificado pelo governo. Os ingleses propuseram amenizar esse inevitável confronto de forças assimétricas através do parlamento, destinado a controlar os excessos e abusos do poder real. Outra receita foram as normas constitucionais, cujo principal objetivo é deixar claros os limites de ação dos governos e dar garantias de que certos direitos individuais básicos sejam respeitados.

De todas, a Constituição americana foi a que produziu os melhores efeitos e, não por acaso, é a mais antiga. Calcada na Filosofia de John Locke, ela consagrou a ideia dos direitos naturais do ser humano e colocou, de forma clara e precisa, controles e limitações aos poderes do governo. Embora tenham dado partida ao regime democrático mais longevo da história moderna, a preocupação primeira dos fundadores do Estado americano não foi com a democracia – tanto que tal palavra não consta uma só vez do texto original daquela Constituição.

A Declaração de Independência dos Estados Unidos observa que os governos são instituídos “para garantir os direitos” do cidadão. Os Founding Fathers acreditavam que os indivíduos naturalmente possuem esses direitos, que não são criados pelo governo, mas apenas protegidos por ele. Os Fathers entendiam que mesmo os governos democraticamente eleitos representam uma ameaça constante à liberdade individual. Isso os levou a elaborar a Constituição a fim de capacitar o governo nacional para a realização de apenas relativamente poucas tarefas, que eles acreditavam ser melhor realizadas a nível nacional, e reservar explicitamente outros poderes aos governos estaduais ou ao povo – uma maneira de garantir o federalismo.

A Constituição americana é clara sobre os poderes que o governo nunca pode exercer, como por exemplo fechar os jornais porque desaprova o que eles escrevem, proibir cultos religiosos ou desarmar a população civil. Finalmente, aquela Constituição traça uma separação formal e indelével dos poderes, criando “checks and balances” em todo o seu texto.

Esta, infelizmente, é uma lição histórica constantemente esquecida por muitos falsos democratas. Eles falam e escrevem – e às vezes gritam – como se fosse criminoso mesmo sugerir que a vontade da maioria não pode justificar a invasão aos direitos individuais das minorias. Para esses falsos democratas, a democracia não é um meio de alcançarmos os ideais de liberdade e a busca da felicidade. Em vez disso, a democracia transformou-se num fim em si mesma.

Nos regimes meramente democráticos, que não valorizam e protegem os direitos individuais fundamentais, quaisquer direitos passam a ter conotação de privilégios, de permissões que são outorgadas e podem ser retiradas a qualquer tempo, pelo arbítrio da maioria ou de seus representantes eleitos.

Atualmente, nossa vizinha Venezuela é um exemplo típico de como a democracia pode ser utilizada para justificar grotescos espetáculos de autoritarismo, em que as mais comezinhas regras universais de justiça e proteção dos direitos das minorias são postas de lado, em nome de abstrações como “interesse do povo” ou “bem comum”.

Um homem é livre não quando elege os seus representantes pelo voto direto, mas quando seus direitos individuais elementares – vida, liberdade e propriedade – estão devidamente resguardados. Nesse sentido, a democracia não é, ela mesma, um valor social ou moral inquestionável, um fim a ser alcançado. É somente um meio, “a pior forma de governo, exceto todas as outras”, nas famosas palavras de Churchill.

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