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Domingo é dia de descanso? Ou: O socialismo sindical ainda quebra a França…
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Paulo é um sujeito desempregado, vivendo de esmolas estatais. João é um pequeno comerciante, que gostaria de incrementar seu faturamento operando também aos domingos. Paulo adoraria trabalhar para João, mesmo aos domingos. Afinal, o emprego lhe daria dignidade, algo que esmolas estatais não dão, além de um salário razoável para sustentar melhor a família. João aceita as condições de Paulo e está disposto a lhe pagar um pouco mais por se tratar de domingo, um dia “extra”. Mas o acordo não sai. Não por falta de vontade de ambas as partes envolvidas, mas porque o governo não deixa.

Assim é na França e em tantos outros países com mentalidade anticapitalista, antiliberal e coletivista, dominados por fortes sindicatos. “O poder sindical é essencialmente o poder de privar alguém de trabalhar aos salários que estaria disposto a aceitar”, escreveu o Prêmio Nobel de Economia, Hayek. Por trás desse tipo de afronta ao direito de escolha individual, jaz a premissa de que, sem a “proteção” sindical ou estatal, o empresário irá explorar como um escravo o trabalhador. Mas essa premissa é falsa.

Quem faz uso dela apela para um passado distante, como no advento da Revolução Industrial, ignorando não só o contexto como a alternativa. Sim, o trabalho era duro, até desumano em muitos casos. Só que sem essas mudanças, que tiveram mais peso na Inglaterra, a situação era muito pior. Não era um sindicato forte que garantia a melhor qualidade de vida dos trabalhadores, mas o próprio avanço capitalista. Onde esse não deu o ar de sua graça, o resultado foi muito mais miséria.

Na visão paternalista de esquerda, o empresário é um ganancioso insensível disposto a transformar seus trabalhadores em escravos, e os sindicalistas e políticos são almas abnegadas dispostas ao autossacrifício para defender os pobres trabalhadores. Como alguém ainda consegue preservar tal visão caricatural em pleno século XXI é, para mim, um mistério! Mas é exatamente essa mentalidade que possibilita a manutenção desse modelo autoritário e ineficiente, que cria privilégios para alguns à custa do direito dos demais.

Na China, milhões trabalham duro para acumular algum e sair da miséria, imposta por décadas de socialismo. Não é agradável imaginar que pessoas precisem passar por isso ainda hoje para sobreviver, mas o realista deveria se perguntar: qual a alternativa? Voltar ao socialismo de Mao, que matou milhões de inanição? Criar várias “conquistas trabalhistas” impondo restrições aos trabalhadores chineses e, com isso, matando não só seu direito de escolha como seu diferencial de competitividade? Por que uma empresa contrataria um chinês menos produtivo que um americano pelo mesmo custo?

Na Coreia do Sul, como na Ásia em geral, é comum trabalhar seis dias por semana. Cultura, necessidade, o que for, mas será que o governo deve impedir isso em nome da proteção ao trabalhador? O que muitos não querem enxergar é que várias dessas “conquistas trabalhistas” são um luxo que o capitalismo permite, e que muitas vezes é possível somente à custa de outros. O empregado adora privilégios, mas o que está procurando emprego aceitaria menos regalias, e é punido pelos sindicatos. É “aquilo que não se vê”, para usar a expressão de Bastiat.

Tudo isso foi para chegar ao atual debate na França, sobre permitir mais sete domingos no ano de comércio, para tentar aumentar a criação de empregos no país. Quem tenta fazer essa mudança, uma singela concessão ao liberalismo, é ironicamente o governo socialista de Hollande. É que até socialistas precisam se deparar com a realidade de vez em quando. A França é um dos maiores destinos de turismo do mundo, mas perde o domingo como possibilidade de girar a economia e aumentar as receitas. Faz sentido?

A França também limita as horas trabalhadas sem qualquer elo com a produtividade do trabalhador, como se o salário não dependesse, em última instância, dela. É a crença de que o estado, em conluio com sindicatos, pode simplesmente decretar vantagens impunemente. A “República Sindical” cobra seu preço: mais desemprego, menos criação de riqueza, perda de competitividade vis-à-vis os outros países. É bom mesmo para o trabalhador a longo prazo? E para o desempregado?

Carlos Alberto Sardenberg, com sua tradicional abordagem didática, explica em sua coluna de hoje como isso vem afetando negativamente o país. Comparando a França com a Alemanha, Sardenberg toca no xis da questão:

Não se pode dizer, portanto, que os problemas franceses decorram do excesso de austeridade ou de liberalismo. Há anos que a França não cumpre a meta de equilibrar as contas públicas. É um círculo vicioso: o governo aumenta os gastos, cria benefícios que custam caro (como jornada de trabalho de 34 horas e aposentadorias aos 50 anos) e depois aumenta impostos e impõe regras para obrigar as empresas a um comportamento “mais social”.

Verdadeiras reformas liberalizantes foram feitas na Alemanha, isso há mais de dez anos, no governo do social-democrata Gerhard Schroder. Angela Merkel, da Democracia Cristã, que governa desde 2005, beneficiou-se do impulso econômico afinal providenciado pelas reformas que, ao contrário, haviam derrubado Schroder. Não é curioso que Merkel tenha sido eleita com um programa que, na ocasião, poderia ser chamado de antiliberal e antiausteridade?

Não é curioso que um socialista francês possa cair acusado de liberalismo e austeridade? Não é curioso que a proposta antiliberal e antiausteridade reúna as extremas esquerda e direita? Tudo isso para dizer o seguinte: em toda parte e toda vez que os políticos procuram maneiras de fugir de algumas verdades, o resultado é a confusão do debate e a trapaça com os eleitores.

A fuga da verdade é a maior inimiga não só do bom debate, como dos interesses dos próprios trabalhadores. O maior aliado deles, por outro lado, é o aumento de produtividade, que puxa os salários para cima de forma sustentável, assim como um ambiente de maior concorrência, o que força o empregador a atender da melhor forma possível as demandas dos seus trabalhadores. Ninguém precisa de sindicatos poderosos no Vale do Silício para “proteger” os trabalhadores. E se conquistas legais fossem sinônimo de benefícios concretos, os trabalhadores brasileiros e franceses estariam em situação bem melhor do que os californianos do setor de tecnologia. Estão?

Domingo é dia de descanso para muitos. Para outros, é apenas uma chance de incrementar o ganho, melhorar a qualidade de vida da família, ou quiçá ter um emprego e um ganha-pão. Questão de escolha. Eu, por exemplo, trabalho aos domingos, escrevendo textos no blog, e detestaria que um sindicato ou o governo me impedissem de fazer isso, ainda mais em nome dos meus interesses.

Que tal deixar o preconceito ideológico de lado e dar uma chance à liberdade de escolha de patrões e empregados? O resultado não será o retorno da escravidão, como pensam os esquerdistas. A escravidão existe em Cuba, onde não há capitalismo e o governo “protege” todos dos “exploradores” capitalistas.

Rodrigo Constantino

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