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Estrela cadente: a bandeira ética do PT sempre foi furada
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Agora virou moda repetir que o PT traiu sua base, que os escândalos de corrupção deixaram transparecer outra face do partido. O discurso é conveniente para quem quer debandar agora e lavar as mãos, fingindo que não tem nada a ver com os últimos 12 anos de trapalhadas e corrupção, mas não é correto. Desde o começo o PT já havia dado todos os sinais do que era, e quem o defendeu até recentemente não tem argumentos para simular uma repentina mudança, que pode ter mais ligação com a crise econômica e a reação do povo do que com um despertar moral.

Resolvi reler trechos do meu livro Estrela Cadente, de 2005, lançado antes de estourar o escândalo do mensalão. Havia apenas uma denúncia envolvendo Roberto Jefferson, nada mais. Não obstante, já criticava a falsa bandeira ética do partido, que servia apenas como manto hipócrita para encobrir suas falcatruas e sua ambição desmedida pelo poder. Claro que o próprio mensalão e depois o petrolão fizeram tudo relatado no livro parecer “malfeito” de adolescente, mas mesmo assim fica evidente que enaltecer a ética petista já era uma piada de mau gosto. Seguem alguns trechos:

São tantos casos de suspeita de corrupção ou falta de ética que mal sei por onde começar. O caso Waldomiro Diniz talvez seja interessante, por ser sintomático e mexer com uma das figuras mais poderosas do PT, o senhor José Dirceu. Homem de extrema confiança de Dirceu, inclusive com fortes laços pessoais por uma ligação de 12 anos, Waldomiro foi pego numa gravação de vídeo cobrando propina do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Waldomiro era subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência da República, e pelas evidências apresentadas, extorquia dinheiro dos contraventores para engordar o caixa do partido. O esquema contava com a estrutura dos bingos. O PT se mobilizou para evitar a “CPI dos Bingos”, e em vez de estimular o avanço das investigações, decidiu simplesmente fechar as casas de jogo, que geram vários empregos. Não custa lembrar que enquanto oposição o PT foi líder de pedidos de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), muitas vezes com o claro objetivo de simplesmente atrapalhar a governabilidade.

O ex-diretor da Caixa Econômica Federal, Mário Haag, uma das principais testemunhas do caso envolvendo um contrato suspeito entre a Caixa e a GTech, teve sua fazenda invadida, e foi espancado pelos bandidos. O crime levantou suspeitas de que poderia não se tratar apenas de um assalto comum. Haag foi quem denunciou que a Caixa não precisava ter renovado o contrato por 25 meses com a GTech, posto que a estatal já teria condições de assumir a gerência da lotérica. Waldomiro ajudou o empresário Carlos Cachoeira a negociar com a GTech a concessão de loterias estaduais para empresas de sua propriedade. Em troca, o ex-assessor ajudaria a GTech a renovar o contrato com a Caixa, segundo informações obtidas pelo Ministério Público Federal. A GTech confirmou em nota oficial o encontro de seus diretores com Waldomiro e Cachoeira. As declarações de Haag poderiam, portanto, causar prejuízos para a multinacional, o que contrariava os interesses de Waldomiro. O PT não estimulou uma investigação mais séria sobre o caso. No primeiro grande escândalo onde alguém muito próximo do PT esteve envolvido num esquema podre de corrupção, com provas contundentes, o partido adotou a estratégia de “jogar fora o sofá”, e não averiguar de fato a “traição” do seu homem de confiança. E Waldomiro hoje anda livre, leve e solto por aí. Uma enorme mancha em uma suposta bandeira que prega a ética acima de tudo.

O relacionamento do PT com os contraventores do bicho parece vir de longa data. O ex-governador Olívio Dutra, que comandava o Rio Grande do Sul, considerado vitrine nacional para o PT, esteve sob a égide de investigações por parte do Ministério Público Federal e da Justiça depois de uma CPI sobre a segurança pública, por denunciadas ligações com o jogo do bicho e contribuições irregulares para o partido quando das eleições para governador. Uma fita gravada pelo ex-tesoureiro do partido, Jairo Carneiro, relatava o financiamento da campanha do PT pelo jogo do bicho. Em uma segunda fita, Diógenes de Oliveira, coordenador financeiro do PT gaúcho, afirma ter ido a Cuba com 30 oficiais da Polícia Militar para um curso completo de formação policial. Diógenes integrou no passado os quadros da Vanguarda Popular Revolucionária, de Carlos Marighella, grupo responsável pela execução do americano Charles Chandler em 1968, assim como o atentado ao Quartel General do II Exército, acarretando a morte do soldado Mário Kozel Filho, de 18 anos. A tática do partido para abafar o caso das fitas foi incriminar e expulsar Diógenes de Oliveira. A postura do PT na época foi a de nada investigar, criando um bode expiatório e atribuindo tudo a um mero acidente de percurso. A vitrine nacional do PT mais parece uma vidraça estilhaçada.

Após o caso gravíssimo de Waldomiro, diversos outros escândalos envolvendo o Planalto foram surgindo. O companheiro de pescarias e arrecadador da campanha do presidente Lula, o empresário Mauro Dutra, dono da Novodata, uma empresa fornecedora de computadores para o governo que já faturou 200 milhões de reais desde a posse de Lula, e também da Ágora, uma ONG voltada para a luta contra a pobreza, apareceu em um novo escândalo. O empresário Mauro conhece Lula há quase 20 anos, e já emprestou para o atual presidente sua casa de praia e o avião. Sua ONG foi acusada pelo Ministério Público de desviar dinheiro, de forma fraudulenta, do Fundo de Amparo ao Trabalhador, o FAT. Uma forma estranha de se combater a pobreza! São pelo menos 54 notas frias e 33 empresas-fantasma envolvidas no esquema. O dirigente e sócio da ONG até 2003 era Swedenberger Barbosa, secretário-executivo da Casa Civil e também homem de confiança de José Dirceu.

Um dos casos mais importantes e repleto de sigilos é o que trata do assassinato do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel. Ele foi sequestrado ao sair de um restaurante na zona sul de São Paulo, e seu corpo foi encontrado dois dias depois. Existem denúncias de que havia um esquema para a cobrança de propina na Prefeitura de Santo André. O irmão do prefeito petista assassinado, João Francisco Daniel, garante ter ouvido por duas vezes de Gilberto Carvalho, secretário particular do Presidente da República, a afirmação de que ele próprio entregava dinheiro das propinas da prefeitura de Santo André ao senhor José Dirceu, atual chefe da Casa Civil do governo Lula. A família do prefeito não aceita a versão de crime comum, considerando a morte de Celso Daniel como uma execução para “queima de arquivo”. Ela pediu para a polícia retomar as investigações. Entre os problemas levantados pela família está o fato de os anexos da necropsia não terem sido divulgados pelas autoridades policiais, e tal documento poderia apontar se o prefeito foi ou não torturado. Com acusações tão graves e preocupantes sobre um partido que defende a bandeira da ética, o mínimo que poderíamos esperar era uma forte dedicação do PT em esclarecer esse crime medonho. Mas o partido trata o assunto como resolvido, pedras passadas, e não cobra uma apuração mais detalhada. No mínimo estranho…

O atual presidente da Câmara, Severino, tem sido vítima de muitas acusações e críticas. Mas resta procurar saber quem era a alternativa que o PT oferecia na eleição, para entender o seu resultado. Luís Eduardo Greenhalgh foi advogado dos tempos do Lula sindicalista, e possui relacionamento bastante estreito com o Movimento dos Sem-Terra, grupo responsável por repetidos atentados ao Estado de Direito. Seu radicalismo ideológico fica evidente quando lembramos que, numa conferência em 1989, ele anunciou um programa para a neutralização das Forças Armadas, caso o PT chegasse ao poder. Seu lema é “a luta faz a lei”. Greenhalgh, apesar de entusiasta do desarmamento civil, não dispensa a presença de um guarda-costas armado com metralhadora, Pedro Lobo de Oliveira, ex-revolucionário envolvido na execução do capitão americano Charles Chandler, que se deu na frente de sua mulher e filhos. Greenhalgh esteve envolvido ainda, quando Secretário de Assuntos Jurídicos na gestão da prefeita petista Luiza Erundina, no grave “Escândalo Lubeca”. Ele foi acusado por um funcionário da empresa, o senhor Paulo Albanaze, de ter recebido propina da empreiteira Lubeca na faixa dos US$ 200 mil. Erundina o demitiu na hora, alegando quebra de confiança. E este era o homem que o PT escolheu, em um processo obscuro, como candidato à presidência da Câmara. Parece-me que os conceitos de ética do PT precisam ser urgentemente revistos.

O Ministério da Saúde afirmou que investigará como lotes de remédios para o tratamento de leishmaniose foram desviados e pararam nas mãos das FARC, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. O ministro Humberto Costa diz não ter suspeitas sobre envolvimento de algum funcionário do ministério. Esse ministério foi citado por Lula como exemplo de boa gestão, sob o comando do mesmo petista Humberto Costa. Entretanto, sua gestão conviveu com escândalos de corrupção, uso político da máquina e falhas administrativas, nos últimos anos. Em maio de 2004, foi preso pela Polícia Federal um assessor de inteira confiança de Costa, o cordenador de recursos logísticos, Luíz Cláudio Gomes da Silva, responsável pelo setor de compras. A “Operação Vampiro” desbaratou uma rede de lobistas e servidores que superfaturavam compras de hemoderivados no ministério. A Controladoria Geral da União (CGU) realizou uma auditoria no Ministério da Saúde e constatou uma série de irregularidades nas compras de hemoderivados e de medicamentos para controle de diebates e para o programa contra Aids. Os auditores encontraram problemas graves como ausência de pesquisa de preços e de valores de referência nos processos de compras dos produtos, descumprimento da Lei de Licitações, rateio das concorrências entre um restrito grupo de fornecedores, superfaturamento etc. A insulina, por exemplo, teria sido comprada a um preço 81,8% superior ao de mercado. Foi descoberto também que 3,2 milhões de cápsulas de Saquinavir, utilizado no combate à AIDS, perderam a validade no almoxarifado do Ministário da Saúde entre 2003 e 2004. O Inca, Instituto Nacional do Câncer, sofreu denúncias de nomeações políticas em 2003, levando ao pedido de demissão de diretores revoltados com o escândalo. Eram altas as apostas de que na “reforma ministerial” Lula iria demitir Humberto Costa. Entretanto, este não só permaneceu no cargo, como recebeu fortes elogios.

Surgiu um novo escândalo envolvendo os Correios e Roberto Jefferson, do PTB, partido da base governista. Este foi acusado por um funcionário dos Correios, em gravação de vídeo, de controlar um esquema de corrupção dentro da estatal. Foi aprovada a instalação de uma CPI, mesmo contra a vontade do PT. Até surgirem provas finais, parece injusto condenar definitivamente este importante aliado do PT. Mas as suspeitas existem, e talvez o presidente Lula tenha sido muito confiante ao afirmar que daria um “cheque em branco” para Jefferson. Espera-se ao menos que o cheque possa ser sustado, caso comprovem-se as denúncias.

Como podemos ver, antes mesmo de vir à tona o mensalão já estava claro que o PT não dava a mínima para a ética, transformada apenas em uma bandeira política, nada mais. Os escândalos se amontoavam, e isso, vale notar, com apenas dois anos no poder!

Em nome da honestidade, precisamos constatar um fato incômodo aqui: o PT já emitia todos os sinais de corrupção para quem os quisesse perceber. O problema é que muitos não queriam, pois estavam ou encantados com o ex-metalúrgico pobre que chegara ao poder para emplacar a “justiça social”, ou com a bonança produzida pela alta das commodities demandadas pela China.

Antes tarde do que nunca. Não vou condenar aquele que finalmente enxergou o que é o PT, mesmo que só agora, após mensalão, petrolão e crise econômica aguda. Mas não venham dizer que o PT traiu suas bases e que fez isso apenas recentemente. Isso não dá para engolir. O PT flertava com o crime desde o começo, pois adotava a máxima de que seus “nobres fins” justificavam quaisquer meios. Os sinais estavam claros. Bastava não estar cego pela ideologia ou pelo bolso…

Rodrigo Constantino

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