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Greenspan e o capitalismo
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“Pouco mais é necessário para erguer um Estado, da mais primitiva barbárie até o mais alto grau de opulência, além de paz, de baixos impostos e de boa administração da justiça: todo o resto corre por conta do curso natural das coisas.” (Adam Smith)

Em seu livro A Era da Turbulência, Alan Greenspan dedica dois capítulos a uma defesa direta do modelo capitalista de mercado. Ele afirma que desde cedo, em sua carreira profissional, se deu conta da importância da competição nos negócios, “como indutor básico do crescimento econômico e da melhoria do padrão de vida”. Para Greenspan, os dados geralmente apontam para três importantes características gerais que influenciam o crescimento global: a extensão da competição interna e da abertura do país para o comércio; a qualidade das instituições do país, que contribuem para o funcionamento da economia; e o sucesso de seus formuladores de políticas na implementação das medidas necessárias à estabilidade macroeconômica.

A garantia do direito de propriedade pelo Estado é considerada por Greenspan “a principal instituição promotora do crescimento”, pois, “sem essa certeza, de pouco adiantariam o livre comércio, os enormes benefícios da competição e as vantagens comparativas”. A explicação é óbvia: “As pessoas, em geral, não se esforçarão para acumular o capital necessário ao desenvolvimento econômico se não tiverem certeza de sua propriedade”. Se o governo pode, de maneira arbitrária, confiscar os bens, o valor do direito de propriedade é muito baixo. Sob o medo constante de expropriação, o esforço despendido para melhorar a propriedade é bem menor. A importância do direito de propriedade privada bem definido fica bem clara quando analisamos o que ocorreu na URSS: “Estigma extremamente comprometedor para o planejamento central da União Soviética era o fato de grande parte de suas colheitas ser oriunda de terras privadas que representavam apenas pequena fração das terras cultiváveis”.

Ainda que isso tudo seja evidente para muitos, reside, especialmente nos países mais atrasados, forte resquício da mentalidade contrária ao direito de propriedade privada. “Infelizmente”, diz Greenspan, “a noção de direito de propriedade ainda é fonte de conflitos, sobretudo em sociedades que questionam a moralidade da busca de lucro”. O direito de propriedade “não é defensável em sociedades que ainda mantenham qualquer resíduo significativo do conceito marxista de que propriedade é ‘roubo’”. Greenspan conclui de forma objetiva: “A premissa do direito de propriedade e da legalidade de sua transferência deve estar profundamente imbuída na cultura da sociedade para o funcionamento eficaz das economias de livre mercado”.

O império da lei e o direito de propriedade são, portanto, os pilares institucionais mais importantes do crescimento econômico e da prosperidade, segundo Greenspan. No entanto, não são os únicos. Sociedades que buscam resultados “mágicos” instantâneos acabam hipotecando o futuro, e não raro padecem de inflação e de estagflação. “As economias dessas sociedades tendem a gerar grandes déficits orçamentários públicos, financiados com a moeda fiduciária das impressoras”, alerta Greenspan. “Muitos países da América Latina são sobremodo propensos a essa ‘doença’ populista”.

A flexibilidade econômica é outro item de extrema relevância. A flexibilidade da economia a torna mais resiliente a choques, sendo um importante fator macroeconômico do sucesso dos países. Greenspan diz: “Para desenvolver flexibilidade, os mercados competitivos devem ser livres para promover seus próprios ajustes, ou seja, os participantes do mercado devem ter liberdade para alocar a propriedade da maneira que lhes parecer mais adequada”.

A confiança é outra característica indispensável para o desenvolvimento. Greenspan lembra que “se mais do que pequena fração dos contratos em aberto fossem submetidos à apreciação do Judiciário, os tribunais ficariam abarrotados de processos, comprometendo o próprio império da lei”. A vasta maioria das transações ocorre de forma voluntária, o que pressupõe, por necessidade, “confiança na palavra das pessoas com que se fazem negócios, que, na maioria das vezes, são estranhas”. O capitalismo é impessoal, abrange todos os participantes que desejam participar dessas trocas voluntárias, e por isso a confiança mútua é tão fundamental.

Essa confiança nasce do interesse próprio, pois as transações comerciais seriam praticamente impossíveis sem essa cultura nos negócios. “Nos sistemas de mercado baseados na confiança”, diz Greenspan, “a reputação terá valor econômico significativo”. As leis podem regular uma pequena fração das atividades cotidianas realizadas nos mercados, mas a reputação e a confiança dela decorrente são os “atributos essenciais do capitalismo de mercado”. A regulamentação do governo não pode substituir a integridade individual, e essa conclusão veio de alguém que foi regulador das atividades bancárias durante mais de 18 anos. A vigilância das partes envolvidas é a “mais eficaz linha de defesa contra a fraude e a insolvência”.

Greenspan derruba o mito da riqueza como conseqüência dos recursos naturais. “A riqueza fácil, não porfiada, tende a comprometer a produtividade”, explica. A “destruição criativa”, ou seja, “o sucateamento das velhas tecnologias e das velhas maneiras de fazer as coisas para ceder espaço ao novo”, é a “única maneira de aumentar a produtividade e, portanto, de elevar o padrão de vida de maneira duradoura”. Greenspan diz: “A descoberta de ouro, de petróleo ou de outros recursos naturais, a história nos ensina, não produz o mesmo efeito”. Na tentativa do governo de “proteger” parcelas de suas populações contra essas pressões competitivas, “a conseqüência é padrão de vida material mais baixo para o povo”. Para Greenspan, não há dúvida de que “as restrições à liberdade de ação, essência da regulamentação das atividades de negócios pelo governo, ou a alta tributação de empreendimentos bem sucedidos inibe a disposição para o empreendedorismo por parte dos participantes do mercado”.

Além disso, o excesso de regulamentação é uma causa importante da corrupção: “Em geral, a corrupção se torna provável sempre que o governo tem favores a conceder ou algo a vender”. Por outro lado, “quanto maior for a liberdade econômica, maior será o escopo para o risco do negócio e sua recompensa, o lucro, e, portanto, maior também será a propensão para assumir riscos”. O mercado de trabalho deve ser bem flexível também, facilitando contratações e demissões, sem monopólios sindicais obtendo privilégios na marra, aliados ao governo.

Em resumo, Greenspan explica de forma sucinta os pilares do capitalismo de livre mercado, que tanto progresso material trouxe à humanidade, tirando milhões da miséria. Muitos dos pontos levantados por ele já são conhecidos desde Adam Smith, com seu A Riqueza das Nações, de 1776. Infelizmente, não são poucos aqueles que preferem ignorar estas fundamentais lições econômicas e abraçar o marxismo. O resultado, como não poderia deixar de ser, é muita miséria.

Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.

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