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A História se move novamente… Ou: A UE era um projeto socialista francês que foi abortado pelos ingleses
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Por Charles Gave *

Lá em setembro de 1989, quando ficou claro que grandes forças estavam agitando o status quo da Guerra Fria, escrevi uma análise que teve como objetivo colocar essas convulsões em um contexto mais amplo. Tomava emprestada uma ideia central do grande historiador Arnold J. Toynbee de que uma força motriz da história é o que ele apelidou de “ideias missionárias”, que tendem a encontrar a sua inspiração na religião. Na era pós-iluminista houve três dessas ideias missionárias principais, duas das quais foram geradas pelo cristianismo e uma terceira pelo Islã. Sua interação tem sido a chave para a compreensão do arco de eventos, políticas, guerras, e com eles o progresso humano.

A Grã-Bretanha e os Estados Unidos tiraram a ideia da liberdade individual dos evangelhos do Novo Testamento e tentaram construir sociedades em torno do objetivo da liberdade; sua ferramenta política foi a democracia e sua abordagem econômica dependia do livre mercado sustentado pelos direitos de propriedade. Em contrapartida, a contribuição francesa para a idade da razão foi, como nos primeiros dias do cristianismo, construir uma sociedade enraizada na “igualdade”. A ferramenta política para alcançar este fim era a tecnocracia sustentada por um modelo econômico dependente do dirigismo do governo, cujas elites não eram verificadas pelas classes proprietárias.

O Islã, pelo contrário, criou como seu principal objetivo chegar a um estado em que a sociedade estivesse em “submissão” à vontade de Deus expressa no Corão – Islã literalmente se traduz como submissão. A ferramenta política para alcançar este fim tinha que ser a teocracia (nenhuma separação entre o Estado, direito e religião). O efeito desta abordagem, exigindo a proibição de juros cobrados sobre o capital próprio, foram séculos de estagnação econômica e cultural.

No outono de 1989, quando se tornou claro que a União Soviética, verdadeira herdeira intelectual e organizacional da Revolução Francesa, estava em declínio terminal, eu cheguei a duas conclusões principais:

1) Que a morte das ideias francesas criaria um vácuo e que algum tipo de guerra religiosa surgiria para preencher o vazio.

2) Tal luta teria lugar entre os EUA e o mundo islâmico já que a liberdade, ao contrário das ideias francesas de igualdade sustentada pela tecnocracia, é fundamentalmente incompatível com a submissão.

O que eu não esperava, no entanto, eram dois acontecimentos que se desenrolaram depois de 1990. O primeiro foi que uma série de governos dos EUA seriam suficientemente incompetentes a ponto de perder a guerra a que foram tragados. O segundo foi que os defensores das ideias francesas tentariam recriar uma União Soviética “nova e melhorada”, usando o “projeto” da União Europeia como sua ferramenta. Nos 20 anos seguintes, isso foi apenas o que os tipos como Jean-Claude Trichet, François Mitterrand, Jacques Delors, Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy se esforçaram para alcançar. Estes “visionários” iriam recriar uma União Soviética melhorada, que se tornaria o adversário filosófico genuíno dos EUA, só que desta vez isso seria feito corretamente.

Tornou-se óbvio que esta era a sua grande ideia quando se criou o euro, e desde então estou convencido de falha final do projeto pela razão lógica simples de que deve-se assumir que as mesmas causas produzem os mesmos efeitos.

Curiosamente, esta tentativa de recriar a União Soviética “soft” foi recebida com entusiasmo por uma nova “classe dominante” dos capitalistas de compadrio nos EUA, que encontraram uma causa comum a dos tecnocratas da Europa, uma vez que assumiram os bancos centrais a fim de ganhar o controle de suas economias locais. Juntos, esse grupo de “homens de Davos” tentou tocar nossos negócios por meio de um governo mundial “informal”. Em seu livro de memórias, Margaret Thatcher argumentou que esta nova elite representava, de longe, o maior risco para as democracias. Assim, desde 1998, pelo menos, temos vivido sob o jugo de uma aliança profana de tecnocratas europeus e plutocratas americanos.

No entanto, o resultado do referendo britânico muda tudo, já que essas ideias são, em última análise , incompatíveis com o “ethos” do Reino Unido e provavelmente em breve se mostrarão incompatíveis com aqueles da Holanda, Polônia e Suécia, para citar alguns. A resistência está aumentando em toda a UE e até agora a resposta principal, vividamente em exibição no verão passado em Atenas, tem sido a de suprimir o descontentamento com ameaças e coerção.

Mas, como eu esperava, a nação britânica escolheu abandonar suas algemas e recuperar sua liberdade perdida. Ao fazê-lo pode, mais uma vez, salvar o resto da Europa. O referendo da última quinta-feira entregou a melhor notícia europeia desde que Margaret Thatcher tornou-se primeira-ministra da Grã-Bretanha em 1979, já que ela, sozinha, derrotou os marxistas que estavam mantendo o Reino Unido refém. A eleição de Thatcher e logo depois a de Ronald Reagan nos EUA marcaram o momento em que o “império do mal” começou a recuar.

A luta contra a sua encarnação sucessora continua, mas eu não tenho nenhuma dúvida de que o povo britânico está no caminho certo. Como meu pai, um soldado francês, costumava dizer: “O inglês perde todas as batalhas e ganha todas as guerras”.

* Sócio-fundador do GaveKal Research. Tradução livre.

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