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Homens buscam “amor” – e uma fuga da realidade – em bonecas de silicone
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Por Ricardo Bordin, publicado pelo Instituto Liberal

“Quando o fogo da paixão se apagou definitivamente entre ele e sua esposa, Masayuki Ozaki tomou uma decisão curiosa para preencher seu vazio: comprou uma boneca de silicone que se tornou – ele garante – o amor de sua vida.

Com tamanho natural e aparência muito realista, apesar do olhar perdido, Mayu divide sua cama na casa da família em Tóquio, onde também moram sua mulher e a filha adolescente do casal.”

(…)

“Meu coração bate a mil por hora quando volto para casa com Saori”, garante Senji Nakajima, de 62 anos, enquanto vai fazer piquenique com sua companheira de silicone.

“Nunca me passaria pela cabeça enganá-la, nem com uma prostituta, porque para mim ela é humana”, explica este empresário, casado e pai de dois filhos.

(…)

Estes episódios insólitos recentemente noticiados dizem muito mais sobre o atual estágio que atravessa a humanidade do que possa parecer à primeira vista, na medida em que evidenciam o despreparo emocional de parcelas crescentes da população para lidar com a imperfeição daqueles que nos rodeiam, para aceitar as falhas dos arranjos sociais que firmamos, e a decorrente necessidade de buscar alternativas fora do mundo real.

Primeiramente, faz-se necessário enfatizar que tal fenômeno não é uma exclusividade do povo nipônico – que consome em torno de 2000 bonecas ao ano. A produção destes objetos inanimados na Europa também vem se tornando muito significativa, muito embora os modelos de maior sucesso no mercado ainda sejam produzidos artesanalmente.

Quando conta a novidade para sua ex-namorada, ela reage dizendo-lhe o óbvio: que ele não é capaz de envolver-se com pessoas de carne e osso e seus defeitos inerentes, e acabou por “encontrar a felicidade” em um programa desenvolvido para ser “perfeito” – ou seja, totalmente adequado aos desejos do consumidor (o software varre a Internet em busca de informações sobre o usuário, traça seu perfil e passa a agradá-lo, dizendo sempre o que ele quer ouvir).

A ironia é que, ao final do enredo, o personagem é traído pela máquina, que se apaixona por outro sistema operacional, deixando claro que, não importa o que façamos para contornar as vicissitudes dos relacionamentos afetuosos, não há como evitar os conflitos afetivos, éticos e morais que uma história de amor pode suscitar. Esta é uma “compra casada” da qual não há como fugir nem apelar ao Procon: ou adquiri-se o pacote completo, com tristezas e alegrias sortidas dentro da caixa, ou passar bem (mal).

Tal forma de encarar a existência e suas facetas menos agradáveis como parte da natureza na qual estamos imersos e da qual não temos como nos esquivar assemelha-se, em muito, ao que Thomas Sowell denominou, em sua obra Os Intelectuais e a Sociedade, como visão trágica, a qual teria poucas soluções a oferecer, mas sobrar-lhe-iam negociações dolorosas a realizar:

“Soluções não são esperadas pelos que consideram muitas das frustrações, doenças e anomalias da vida – o aspecto trágico da condição humana – algo que está diretamente relacionado às inerentes restrições dos seres humanos, tanto individual quanto coletivamente, espiritual ou fisicamente.”

Buscar a perfeição, notadamente em outros seres humanos, seja no convívio social ou nos relacionamentos amorosos, costuma conduzir à solidão, a tentativas patéticas de reconhecer características humanas em corpos inertes ou em qualquer coisa que responda a estímulos, ou pior ainda: a endossar experiências que visam moldar pessoas a teorias que intentam atingir o paraíso na terra.

Há forte correlação, pois, entre as ideias que pregam ser possível edificar civilizações utópicas com este sentimento de rejeitar as idiossincrasias da personalidade daqueles com quem convivemos. Regimes de governo totalitários costumam alçar-se ao poder apostando, justamente, nesta vã esperança dos cidadãos de viver sem problemas, sorrindo de manhã à noite.

Impossível não lembrar, neste contexto, o que se passa em Admirável Mundo Novo– clássico da literatura que mostra como seria uma sociedade totalitária e utópica, onde não existem crimes, guerras e doenças, a comunidade é perpetuada através de seres humanos geneticamente criados, bebês nascem com seu destino preparado por um Estado que tudo sabe, que tudo vê e que está presente em todas as instâncias da vida dos indivíduos.

O fatídico desenlace da narrativa não deixa dúvidas: a morte, nesta conjuntura, seria a única forma possível de afirmar a liberdade e a individualidade diante do mundo padronizado, de recusar-se a participar de uma sociedade massificada em que nem mesmo o desejo de isolar-se seria respeitado pelos engenheiros sociais.

Pois foi o que ocorreu, por exemplo, no Camboja destroçado pelo Khmer Vermelho do “intelectual” formado na Sorbonne Saloth Sar (Pol Pot), o qual, ao ser responsabilizado pelo genocídio de 1/3 da população do país, alegou em sua defesa que “sempre quis apenas a justiça social” para seu povo – motivação comum entre tantas outras carnificinas provocadas por utopias coletivistas no século XX.

Ou seja, estimular a falta de empatia entre os membros da sociedade é o estopim ideal para que instituições governamentais ofereçam-se como “mediadoras de divergências”, dispostas a harmonizar esta coexistência, ditando normas e interferindo em todo e qualquer aspecto da vida das pessoas. Segundo o escritor John T. Flynn, os adeptos do socialismo fabiano (vertente do comunismo avessa a revoluções violentas):

Perceberam prematuramente o imenso valor das reformas sociais em acostumar os cidadãos a ver o estado como a ferramenta para curar todas as suas doenças e inquietudes. Eles viram que uma agitação em prol de um estado assistencialista poderia se tornar o veículo ideal para incutir idéias socialistas nas mentes do cidadão comum.

Nesta empreitada em prol da concentração de poder nas mãos de um Estado dirigista,  a patrulha politicamente correta exerce papel crucial, na medida que gera múltiplas  desavenças por onde passa, criando animosidades entre supostos opressores e oprimidos em todo lugar, jogando negros contra brancos (buscando justificar cotas raciais em processos seletivos), patrões contra operários (buscando justificar a manutenção de leis trabalhistas obsoletas), e, dentre tantos outros casos, forjando intrigas dentro do seio familiar – tanto jogando filhos contra pais como esposas contra maridos.

Após décadas com estes movimentos semeando ódio entre homens e mulheres e convencendo ambos os sexos da impossibilidade de uma vida conjunta, não é de se estranhar que, eventualmente, alguém comece a desistir de vez de estabelecer relações com pessoas reais e comece a apelar para bonecas de silicone ou a tratar animais de estimação como se filhos fossem.


E tal qual o cachorro que ingere um comprimido em meio a um pedaço de pão oferecido por seu dono sem nem perceber, também esta sensação de que as imperfeições daqueles com quem compartilhamos ambientes e momentos seriam insuportáveis é transmitida via mídia.

O seriado da rede Netflix intitulado Bloodline (linhagem, em tradução livre) faz sua parte neste esforço ao apontar que os laços sanguíneos de uma família de uma pequena cidade litorânea seriam os responsáveis por motivar crimes da mais alta monta.

Há também uma grande influência, neste processo, exercida pela escola e pela academia, as quais, especialmente por meio da propagação da “ideologia do oprimido”, torna os estudantes, desde a mais tenra idade, pessoas mimadas e despreparadas para ouvir “não” e para serem contrariados.

O ser humano adulto (mas infantilizado), destarte, torna-se hipersensível às diferenças que precisam ser ajustadas de comum acordo quando da decisão de namorar, morar juntos, casar. Torna-se, outrossim, emocionalmente incapaz de absorver experiências ruins eventualmente vivenciadas, com elas aprender a lidar e a partir delas amadurecer.

Soubessem estas pessoas que, na média, homens casados geralmente ganham mais do que solteiros, ou que pesquisas comprovam que as mulheres representam em torno de 80% das decisões de compras realizadas por consumidores casados, talvez este interesse na separação diminuísse – mas tais informações, por óbvio, precisam ser sonegadas, sob o risco de atrapalhar os planos da agenda igualitarista.

A evolução da tecnologia (a preços acessíveis), a seu turno, trouxe para os indivíduos a sensação de que a perfeição também como pessoas seria possível ou desejável de ser atingida, mas a despeito da incrível capacidade de todas as máquinas que nos cercam atualmente, seguimos sendo os mesmos seres falíveis de outrora, cujos tropeços devem ser compreendidos e perdoados, sob pena de todas as vantagens do convívio social serem jogadas fora por questões de puro capricho.

É como comparar a saga O Senhor Dos Anéis com As Crônicas de Gelo e Fogo: os personagens da primeira não transam, escarram, defecam ou mesmo morrem se forem “mocinhos” da história; os da segunda fazem tudo isso. E é justamente esta identificação com nossas imperfeições humanas um dos fatores que fazem “Game of Thrones” quebrar recordes sucessivos de audiência.

A lição é que a realidade, ainda que nojenta ou dolorida, deve ser sempre encarada e enfrentada. A alternativa é fugir dela, ao estilo dos japoneses lá do início ou enchendo as fuças de crack ou heroína. Não, né?

Nas palavras de Roger Scruton, “Todos são impacientes com as imperfeições da Civilização Ocidental. Todos procuram uma ideologia mais eficiente. Todos se preparam para uma guerra civil, adotando a categorização de classes por seus efeitos explosivos em uma sociedade coesa”.

E os frutos desta impaciência são, invariavelmente, a perda da liberdade e da dignidade.

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