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As lições de um pé de feijão
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Por Leonardo Glass, publicado pelo Instituto Liberal

As histórias infantis, mais do que entreter crianças (e adultos, também, por que não?), tem o objetivo claro de ensinar lições para a vida cotidiana. Lições como: honestidade, obediência, perseverança… Curiosamente, uma das mais famosas histórias infantis, “João e o pé de feijão”, não tem uma lição de moral direta. Para aqueles que não se lembram deste clássico publicado pela primeira vez, por Benjamin Tarbat, em 1804. De forma extremamente resumida, eis a história:

João era um menino pobre que vivia com a sua mãe. A única fonte de renda da família era uma vaquinha velha e debilitada que a cada dia dava menos leite. Quando finalmente cessou de dar leite, a mãe decidiu vender a vaca no mercado da cidade, mas como não podia ir até a cidade, pediu que João fosse e vendesse a vaca. 

No caminho, João encontra um vendedor que também estava indo ao mercado. Ele estava indo vender alguns feijões mágicos que encontrara. João, querendo evitar a fadiga de ir até o mercado, troca ali mesmo a velha vaquinha por um punhado de feijões. Ao voltar pra casa e contar à mãe a sua troca, ela fica furiosa e joga os feijões pela janela. 

No dia seguinte, um pé de feijão gigante nasceu no quintal de João. O pé ia até o céu, por entre algumas nuvens. Curioso, João sobe pelo pé de feijão e lá em cima descobre um castelo. No castelo, mora um gigante. Enquanto explora o castelo, João ouve o gigante se aproximando e se esconde. Após jantar, o gigante cochila e João aproveita para fugir, não sem antes levar algumas moedas de ouro que o gigante deixara sobre a mesa. João volta pra casa e conta para a mãe e sucedido. Ambos se alegram pela boa sorte e vivem bem por um tempo com as moedas roubadas por João. 

Tempo depois as moedas acabam e, para evitar nova penúria, João sobre novamente no pé de feijão e novamente vai ao castelo com o fito de roubar algumas moedas. Porém dessa vez João descobre uma ganso que colocava ovos de ouro (algumas versões dizem uma harpa de ouro que tocava sozinha). E mais uma vez, enquanto tentar fugir, o gigante chega, janta e acaba cochilando. Desta vez, ao tentar sair do castelo com o ganso, este grasna e acorda o gigante. Vendo que está sendo roubado ele persegue João. 

João desce pelo pé de feijão, e enquanto o gigante descia, ele corta o pé de feijão que cai, derrubando o gigante, matando-o. João então vive feliz para sempre com seu ganso que coloca ovos de ouro.

São inúmeras as variações desta história, em algumas João invade o castelo três vezes, em outras há uma galinha ao invés de um ganso; algumas dão conta que João rouba, além do dinheiro e de uma galinha, uma harpa que toca sozinha. Porém, o ponto em comum em todas estas histórias é que, ao contrário das fábulas tradicionais, não há uma lição de moral direta. Porém, podemos traçar inúmeras as analogias aqui, que ilustram a realidade do pensamento de esquerda no Brasil e no mundo: desde a falácia keynesiana de que imprimir dinheiro é a solução para todos os males econômicos, passando pelo conceito de propriedade privada e até mesmo a noção historiográfica de que a história oficial é escrita pelos vencedores.

Antes, contudo, duas importantes observações: 1) Obviamente que o autor da história não a escreveu pensando em tais lições. Mas aqui cabe o conceito de parábola, onde uma história simples tem a capacidade de ilustrar uma realidade mais complexa. 2) “Ah, mas é só uma história, e nas histórias coisas incoerentes acontecem e…” OK, mas repito o que escrevi antes, histórias, ainda que simples, podem nos fazer refletir sobre situações complexas. E este será o exercício aqui.

A história começa com uma perfeita ilustração do conceito de nacionalismo barato uma ideia tola que só atrasa ao invés de desenvolver. João e sua mãe eram pobres e se contentavam em vender o leite de sua única vaca. Não havia um planejamento maior! Não havia uma poupança, um excedente que lhes permitisse adquirir novas vacas. Não havia trocas nem busca por novas alternativas de renda. Eles se contentavam com uma única vaca e eram reféns de uma mentalidade arcaica (e isso ficará ainda mais claro mais adiante na história). Ao ver que a produção de leite diminuía dia após dia não houve nenhum projeto pensado a longo prazo. Por que não agregar valor ao leite, vendendo-o na forma de manteiga, por exemplo?

Mas ignoremos esse pano de fundo e nos concentremos nas atitudes de João e de sua mãe. Quando finalmente decidem mudar – após uma crise, e não por vislumbrar novas oportunidades – João e sua mãe bolam um plano; um bem ruim, é verdade, mas ainda assim, um plano: vender a vaca. E o plano só piora quando a mãe manda que o garoto, uma pessoa inexperiente, venda a vaca. João, além de parvo é preguiçoso e decide tomar o caminho mais fácil: iludido com uma promessa mágica, troca a vaca por um punhado de feijões. A analogia aqui com a questão da indústria nacional fala por si só.

Não se sabe como, mas incrivelmente os feijões eram mágicos e nascem. João acertou – pelo motivo errado, mas acertou. As commodities valorizaram apesar de tudo, abrindo caminho para aquela família a um novo reino, com novas possibilidades. João resolve explorar o reino e qual a primeira coisa que ela faz? ROUBA (voltarei a este verbo mais à frente) algumas moedas e as traz para casa. Como sai incólume desse crime, João pensa que está tudo bem, aplacando a sua consciência, e pensando que, se tudo der errado, ele pode voltar a subir no pé de feijão.

A sorte sorriu para João. João tem uma quantidade incrível de ouro. E o que ele faz? Investe? Compra mais vacas, já que pelo menos entende de leite? Explora o pé de feijão como atração turística? Usa o dinheiro para comprar mais casas e viver de aluguel? Ao menos especula no mercado futuro do leite? Nenhuma dessas alternativas. João e sua mãe simplesmente gastam o dinheiro sem se preocupar com o dia de amanhã. Afinal, basta subir no pé de feijão de novo, não é? Isso mostra que a mentalidade de João e de sua mãe era atrasada. Não buscavam  melhorar de vida, senão apenas enriquecer. E esse era o maior pecado de João e sua família e, provavelmente, a verdadeira causa de sua pobreza.

A realidade não é diferente da história. Gastar, consumir, não são sinônimos de riqueza. Nunca foram (antes são sinônimos de mera ostentação). Diversos países, e o exemplo mais latente é a Venezuela, acharam muito ouro (ou petróleo) e ao invés de usar esse dinheiro de forma inteligente,  ostentaram medidas populistas. Crédito à rodo, subsídio fácil… Nenhum incremento na poupança, nenhuma fonte de renda. Apena só consumo de crédito.

Quando o dinheiro acaba (e ele SEMPRE acaba), João, tranquilo, sobe de novo no pé. Dessa vez, o inteligentão do João tem uma ideia melhor: E se ao invés de roubar as moedas, eu roubar a impressora de moedas (no caso, o ganso dos ovos de ouro). João adentrará de vez no keynesianismo.

O plano de João funciona, e ele consegue roubar a impressora de dinheiro do gigante. Como a história acaba no “felizes para sempre” tem-se a impressão que o segredo do sucesso é imprimir dinheiro. Ledo engano.

Basta um pouco de imaginação e concluiremos, sem muitas dificuldades, que com o passar dos dias, o ouro se tornaria tão comum na aldeia de João, que logo as pessoas teriam uma percepção errada de valor. Coisas simples, como pães e leite, passariam a ser valorados em gramas de ouro, não mais em moedas de cobre ou prata.

Assim, se no curto prazo, imprimir dinheiro (ou botar ovos de ouro, você escolhe) parece uma boa ideia, no médio e, principalmente no longo prazo, o desastre é inevitável. João logo se tornaria como um Zimbábue com suas notas de 100.000.000.000.000 (cem trilhões, caso você tenha se perdido nos zeros) de dólares Zimbábues – e que não valem nada.

Mas as lições da não acabam aí. João invade o castelo do gigante, rouba e mata o gigante. No final, é pintado como herói da história. Ainda se casa com uma princesa. Recompensa justa para alguém que praticou roubo e homicídio? Até tentaram tornar o gigante em alguém malvado que comia carne humana (embora comesse outras coisas também). Porém, em momento algum o Gigante ameaça João ou sua família, ou sua aldeia, sequer o seu mundo. É João quem sobe no pé de feijão, não o contrário; é ele quem primeiro invade a propriedade do Gigante, que acaba perseguindo João com fito unicamente de recuperar seus bens e repelir uma injusta agressão.

O ponto é, o gigante estava lá “de boas” em seu castelo. João é quem invade o reino e agride o modo de vida do gigante com o intuito de manter intacto o seu modo de vida (que lembremos, era preguiçoso e perdulário). Mais uma vez, a analogia aqui fala por si só. Como será que os outros gigantes do reino contaram para seus filhos e netos o que sucedeu com o dono do castelo? E mais, será que houve imensas marchas entre os gigantes pedindo a integração entre gigantes e os humanos, dizendo que os humanos são uma raça de paz e que só uma minoria extremista é que faz mal; que não se deve julgar toda uma raça, por causa da atitude de alguns? Jamais saberemos.

Nunca um pé de feijão pode nos ensinar tantas e tão atuais lições de vida. Obrigado, Benjamin Tarbat. Embora a história original não traga nenhuma lição de moral, ainda assim ela é capaz de nos ensinar muito.

Sobre o autor: Leonardo Glass é escritor e analista político. 

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