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Fonte: Gazeta do Povo
Fonte: Gazeta do Povo| Foto:

A procuradora do Ministério Público Federal (MPF) Isabel Vieira protagonizou diversos embates com o ex-presidente Lula. Na segunda metade da audiência desta quarta-feira (13/9), demonstrou irritação por ser chamada de “querida” pelo petista e pede para ser chamada de “forma protocolar”. O juiz Sergio Moro intercede a favor dela e Lula acata o pedido. Veja o vídeo.

A cena pode parecer insignificante para muitos, ainda mais em meio a tantas coisas maiores, como os próprios crimes do ex-presidente e sua cara de pau ao negá-los, jogando a culpa até na falecida esposa. Mas o caso expõe um traço da cultura nacional que ilustra bem nosso atraso, nosso afastamento de um modelo mais civilizado e desenvolvido.

Em Brasileiro é otário? – O alto custo da nossa malandragem, faço uma análise do jeitinho brasileiro, e falo justamente de como essa excessiva informalidade prejudica o funcionamento da coisa pública. A impessoalidade no tratamento com autoridades do governo é a marca de um país mais avançado. Seguem alguns trechos que explicam melhor o fenômeno:

O jeitinho é, em essência, apelar para um elo pessoal ou emocional para burlar alguma norma formal e obter algum privilégio qualquer. É o oposto da igualdade plena sob as mesmas regras e leis. […] “Por favor, não é possível dar um jeitinho e resolver isso de outra maneira?”, eis uma das perguntas mais freqüentes em nosso país. Raros são os casos de quem nunca adotou essa estratégia para conseguir as coisas. Normalmente, vem acompanhada de uma fala macia, um ar simpático e olhar suplicante. Espera-se que o outro possa ver a pessoa do lado de cá, não apenas mais um qualquer obrigado a respeitar regras isonômicas.

[…]

Uma das grandes vantagens de uma economia de mercado é justamente a confiança no império das leis, não dos homens. Se as instituições são confiáveis, se sei que há punição para malfeitos, então posso lidar com os outros de forma mais simples, mesmo sem saber quem ele é. O diplomata francês Alain Peyrefitte, em A Sociedade de Confiança, mostra justamente como a crença nas instituições impessoais foi fundamental para o progresso dos países mais desenvolvidos.

Nos Estados Unidos, ninguém precisa apelar para um “meu chapa” para trocar um produto com defeito; a loja assume automaticamente que o cliente fala a verdade e substitui o produto por um novo. Não é preciso simular familiaridade com o vendedor para obter algum tipo de favor pessoal. Isso só é possível quando a grande maioria acredita no funcionamento das regras impessoais, e não nas vantagens obtidas pelas amizades com o “rei”.

É possível que um brasileiro use isso que chamará de “ingenuidade” do americano para extrair vantagem, realizar algum golpe. Se o fizer, vai se achar o ser mais malandro do universo: “viu só como tapeei aquele americano otário?” Agora vamos afastar a vista da árvore e visualizar a floresta: que tipo de país malandros assim vão criar? Com o tempo, claro que os vendedores aprenderão a lição, conhecerão a manha dos “malandros”, e o processo de trocas será infinitamente mais burocrático, para oferecer maior segurança contra fraudes. Resultado: todos saem perdendo. O jeitinho custa muito caro!

E esse foco foi mais econômico, mas no âmbito legal é ainda pior. Essa “camaradagem” é o convite à impunidade. “Poxa, querida, não vai aplicar a lei em mim como se eu fosse um outro qualquer, né?” Eis o que o uso do termo parece dizer, e diz. Lula, não vamos esquecer, já afirmou que Sarney não era um “homem comum”, e que, portanto, não deveria ser julgado como um “homem comum”.

Adotar uma linguagem protocolar e formal é, assim, uma maneira de lembrar que estamos lidando com leis isonômicas, válidas igualmente para todos. É o oposto da “privatização” do estado, de tratar a coisa pública como cosa nostra, digna de uma máfia ou tribo. O “querida” de Lula simula uma aproximação que não existe, ou não pode existir, entre o cidadão e a autoridade.

O que deve ser julgado é o crime em si, os atos, não quem está do outro lado. Esse império das leis é crucial para se criar uma sociedade civilizada. É uma bandeira claramente liberal. E é tudo aquilo que a esquerda mais abomina. Afinal, os esquerdistas se julgam sempre acima das leis, e acham que a “amizade com o rei” é um salvo-conduto para praticar todo tipo de crime e sair impune.

Mas o Brasil está mudando. Essa nova geração de juízes e procuradores parece ter um senso de dever público mais elevado. Assim se espera. E é por isso que tanto a procuradora como o juiz Moro estão absolutamente certos em exigir um tratamento formal por parte do réu. Não importa que ele seja um ex-presidente. Ele deve o mesmo tipo de respeito que o seu José deveria se estivesse ali. Entendeu, “querido”?

Rodrigo Constantino

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