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Mandela: o outro lado
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Mandela e Fidel

Morre Nelson Mandela e muitos tiram da gaveta aquele obituário escrito há anos e quase mofado (ok, sei que estamos na era da informática, mas a ideia é clara). O homem era praticamente um santo, um grande estadista, uma unanimidade! Mas, tal como Nelson Rodrigues, tenho receios com unanimidade…

Quem quiser textos glorificando o homem, esse não é o local (tem muitos outros por aí). Quem quiser um texto maniqueísta demonizando o homem, tampouco esse é o local (e haverá bem menos fonte, mas nas redes sociais você encontra). Mandela era, afinal, humano, com defeitos e virtudes, um tanto ambíguo.

Para começo de conversa, não é possível elogiar seu passado. Não foi preso do nada. O Congresso Nacional Africano (CNA) que ajudou a criar foi, sim, um grupo com viés terrorista, como Thatcher acusou, e por isso ele foi parar na cadeia. Claro que tem o contexto do apartheid e tudo. Mas é preciso cautela antes de aplaudir métodos injustos para combater injustiças.

Lênin combatia o regime condenável dos czares, Fidel combatia a ditadura condenável de Fulgêncio Batista, Robespierre combatia o regime condenável dos Bourbons, mas todos, quando venceram, trouxeram regimes ainda piores, mais sangrentos, mais opressores. Seria diferente se Mandela fosse vitorioso naquela época? Provavelmente não.

Seu grande valor, portanto, veio após a saída da prisão, quando resolveu deixar de lado o rancor e a amargura, e lutar por um país mais unido (ainda que não tenha sido como romanceado em “Invictus”). Ou seja, a maior virtude de Mandela foi ter evitado uma guerra civil. Mas vale notar que seus velhos amigos, mesmo o braço armado, não foram rechaçados ou afastados do poder.

Se a África do Sul evitou o derramamento de sangue em uma guerra contra os brancos, por um lado, não foi capaz de avançar muito rumo a um país mais civilizado com império das leis e respeito às liberdades individuais, por outro. O coletivismo racial, de ambos os lados (e isso inclui o CNA), ainda impede o foco liberal nos indivíduos.

Como colocou meu vizinho virtual Reinaldo Azevedo, será que negros não divergem de negros? Não é possível termos um negro e um branco concordando com algo importante ou mesmo essencial, e ambos discordando de outro negro ou outro branco? Claro que é! Mas tal realidade não faz parte ainda do cotidiano da África do Sul, e isso pode ser colocado na cota de fracassos de Mandela. Sem falar dos índices de violência no país, um dos mais altos do mundo.

Outro aspecto negativo em sua biografia: nunca deixou de ser amigo, até próximo, dos piores ditadores do mundo. Mandela se dava bem com todo mundo! Mas opa, isso não é um pouco como o Zelig, de Woody Allen? Então é louvável ser camarada de gente como Fidel Castro, Qaddafi, Saddam Hussein e Yasser Arafat? Mandela foi amigo de todos eles.

Seus discursos públicos atacavam com freqüência os países ocidentais, mas nunca tinham coisas muito desagradáveis para dizer sobre as ditaduras comunistas. Em 1990, Mandela chegou a afirmar que Cuba se sobressaía perante os demais países por seu amor aos direitos humanos e liberdade. Pergunto ao leitor: pode alguém que considerava Cuba um exemplo de liberdade ser visto como “herói da liberdade”? Pois é…

Alguém que escreveu um texto chamado “Como ser um bom comunista” não pode merecer minha estima. Reconheço as virtudes de Mandela, principalmente quando saiu da prisão e quis deixar para trás a visão de guerra total de “nós contra eles”. Tentou, dentro do possível, alinhar alguns interesses. Evitou uma guerra civil. Mas foi basicamente isso.

Não é o suficiente para tanta reverência, para tanto louvor, para tanta devoção. Não foi um demônio como Robert Mugabe, mas tampouco foi o santo que pintam por aí, agora que está morto.

Nota do autor: sobre a reação de muitos leitores a esse texto, vejam aqui o que tenho a dizer.

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