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Minha formação intelectual. Ou: Por que não devemos ter gurus
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“É impossível para um homem aprender aquilo que ele acha que já sabe.” (Epiteto)

Tinha prometido a mim mesmo que não mais perderia tempo com certos ataques chulos, e que deixaria as ofensas raivosas de Olavo de Carvalho e sua turma de lado, ignoradas, como devem ser. Mas a postura de alguns de seus seguidores mais fanáticos preocupa, pois falam em nome da direita e dos conservadores, e em meio a essa chuva de intolerância com quem ousa discordar do “mestre”, há uma coisa que não pretendo deixar passar batida: a alegação de que eu mesmo sou, de alguma forma, cria intelectual dele, ou seja, que seria uma espécie de discípulo que se rebela agora contra seu mestre. Uma imagem que até os detratores de esquerda alimentam. Mas nada mais falso.

Os esclarecimentos, acredito, são úteis para muitos dos meus leitores. Em primeiro lugar, eu jamais fiz o curso de Olavo. Há milênios atrás fui a uma aula sua com meu irmão, ainda na Faculdade da Cidade, na Lagoa, e foi só. Não me interessei a ponto de voltar. Ele chegou a me oferecer publicamente uma inscrição gratuita numa fase daquelas discussões, mas rejeitei, por falta de tempo e de interesse. Dos seus livros, li somente Jardim das Aflições, com o qual sequer concordei muito, chegando a escrever um texto badalado na época em que tentava resgatar Epicuro de certos epicuristas (hedonistas modernos).

Logo, nunca fui aluno de Olavo, e nem mesmo li seus livros. O que fiz foi ler vários de seus artigos nos tempos do Mídia Sem Máscara, site que cheguei a colaborar até ser expulso por divergências. É essa a influência intelectual de Olavo em mim: um tanto limitada se levarmos em conta que leio cerca de cinco livros por mês, fora centenas de artigos. Não nego que apreciava bastante seus textos quando era mais jovem, e que nessa época seus alertas sobre o Foro de SP exerceram profundo impacto em mim. Mas foi apenas isso, e desde os tempos do Orkut que não acompanho direito o que o filósofo diz ou pensa.

É importante frisar isso, pois ele mesmo, em sua egolatria ilimitada, parece alimentar a mentira, dizendo ora que não resta nada em mim além da economia, ora que “tudo” que sei veio dele, só que mal absorvido. A menos que Olavo queira alegar o monopólio intelectual de pensadores como Milton Friedman, Mises, Hayek, que foram dicas de meu ex-chefe Paulo Guedes, ou de Ayn Rand, que ele detesta, ou ainda de Thomas Sowell, Karl Popper, Roberto Campos, Isaiah Berlin e Mario Vargas Llosa, então seria bom parar de me tratar como seu discípulo “ingrato” ou “incapaz”.

Mesmo do meu viés mais conservador recente, autores como Roger Scruton, Russell Kirk e Edmund Burke não foram indicações que peguei com ele, menos ainda Theodore Dalrymple, que agradeço a Luiz Felipe Pondé pela sugestão imperdível de leitura. Quem leu os livros de Dalrymple – e eu li mais de dez – não pode colocá-lo no mesmo saco de Olavo, nem em forma, nem em conteúdo.

Aliás, meu curso online mais recente pela Kátedra, sobre a trajetória das ideias liberais, passa por alguns desses pensadores e tantos outros, nenhum deles mérito de Olavo em minha humilde formação intelectual, ainda em curso (sempre, para os que não se julgam detentores da razão plena e sabem que jamais vão parar de aprender).

Alguns amigos que, ao contrário de mim, são alunos de Olavo me juram que ele é uma pessoa completamente diferente com seus alunos, bem distante daquela figura um tanto patética do Facebook, obcecada com o orifício anal de todo mundo. Eu acredito, mas isso não o exime de responsabilidade pelo mal que essa outra persona, talvez um alterego (ou um irmão gêmeo, quem sabe?), faz ao crescente movimento liberal/conservador no Brasil. A impressão que se tem é que Olavo e esses “olavetes” detestariam se o PT saísse do poder, pois assim sua narrativa de profecia cujo único a enxergar foi o mestre se enfraqueceria.

Um Mauricio Macri no Brasil traria alguma dificuldade para o discurso dialético de que tudo feito pelos opositores do PT que não são da turma de Olavo é parte de uma mirabolante estratégia das tesouras para preservar o socialismo no Brasil. A mentalidade binária não apreende as nuanças da luta ideológica, quiçá política, tendo de ver tudo em preto ou branco. Um desses seguidores chegou a dizer que o jovem guerreiro liberal Kim Kataguiri era um “inimigo do povo brasileiro”, pois ousou criticar Bolsonaro, e só um inimigo do povo, claro, teria críticas a fazer ao deputado…

É esse tipo de postura que, como liberal cético com viés conservador, lamento e critico. A reação de alguns seguidores de Olavo, sem falar a dele mesmo, é assustadora: se você ousa discordar de alguma coisa, então você só pode ser do lado de lá, um inimigo mortal, praticamente um petista! Eles param de te seguir, passam a te atacar, da noite pro dia! No meu caso, assim como os petralhas, eles resgatam vídeos antigos do Ciro Gomes como se isso me humilhasse de alguma forma.

Ou se está 100% com ele, ou se está contra ele. Não há espaço para o contraditório, para dúvidas ou críticas. É por isso que chamo de “seita fechada” esse grupo dos mais aguerridos, em boa parte estimulado pelo próprio “mestre”. A filósofa Ayn Rand, sobre quem tenho até um livro, também adotava postura semelhante, o que não considero nada saudável para um intelectual. Nesse texto explico melhor meus motivos, com destaque para esse trecho:

O que parece comum a estas seitas é uma sensação de superioridade moral que desperta em seus membros. Somente eles compreenderam o sentido da vida, conhecem o destino da história, e encontraram as respostas para os complexos temas que afligem os homens desde sempre. Somente eles lutam pela liberdade! Cria-se um sentimento de que tudo é compreensível e explicável. Milosz explica: “É como um sistema de pontes construídas sobre precipícios. É proibido olhar para baixo, mas isso, oh, meus Deus, não muda o fato de que existem”.

Além desta típica arrogância, as seitas fechadas costumam apelar para um extremo simplismo também: “Séculos de história humana, com suas milhares e milhares de questões minuciosas, são reduzidos a algumas, a maior parte termos generalizados. Sem dúvida, o indivíduo aproxima-se mais da verdade ao ver a história como a expressão da luta de classes em vez de uma série de questões privadas entre reis e nobres. Contudo, precisamente porque tal análise da história se aproxima mais da verdade, ela é mais perigosa. Dá a ilusão do conhecimento pleno; fornece respostas a todas as perguntas, perguntas que meramente andavam em círculos repetindo poucas fórmulas”.

Outro fator presente será o fanatismo. Qualquer desvio em algumas premissas pode alterar substancialmente os resultados, criando-se uma nova seita. Como diz Milosz: “O inimigo, de forma potencial, sempre estará presente; o único aliado será o homem que aceitar a doutrina 100%. Se ele aceitá-la apenas 99%, necessariamente deverá ser considerado um inimigo, pois do 1% remanescente pode surgir uma nova Igreja”. Isso explica porque Stalin criou a brilhante tática de rotular todas as idéias inconvenientes aos seus objetivos de “fascismo”. Socialistas alinhados a Moscou eram socialistas, enquanto qualquer outro grupo desleal era chamado de “fascista”. Basta lembrar que Leon Trotsky foi marcado para morrer como inimigo do povo, supostamente por organizar um “golpe fascista”.

Quem lê essas palavras e acompanha, mesmo que de longe, a página de Olavo no Facebook, pode não fazer o elo? Ele tem razão sempre. Ele enxergou o que aconteceria com o Brasil muito antes de todos. Ele lutou quase sozinho para impedir esse destino. Ele, e mais ninguém, conhece a fundo tudo que essa turma do Foro de SP planeja. E ai de quem discordar de alguma coisa: só pode ser um agente do inimigo infiltrado, um vendido, ou um idiota útil transformado em massa de manobra pelos comunistas. Leiam essa minha coluna do GLOBO, resenha de um ótimo livro contra a patrulha da esquerda, e digam se não parece a postura de alguns “olavetes”, só que com o sinal trocado.

Essa narrativa, essa crença de que só ele viu a Luz, pode até ser útil para vender cursos aos alunos em busca de um guru, mas não parece postura adequada para um verdadeiro professor ou mestre, menos ainda a de quem está realmente interessado na derrota dos petistas e na superação da ameaça socialista. O duplo padrão, o mesmo que condenamos nos petistas, está lá também, presente nesses seguidores mais fanáticos. Alguns, pasmem!, chegaram a me acusar de imaturidade por ter respondido às ofensas que recebi, como se o “guru” tivesse um salvo-conduto para agir como um adolescente de 14 anos e todos devessem simplesmente assentir calados, humildes e insignificantes diante da sapiência ímpar do mestre.

É uma baboseira isso, claro. Qualquer pensador que se preza, que pensa por conta própria, vai questionar seus mestres, e uso no plural pois pobre daquele que possui somente uma fonte de inspiração ou formação. Como vocês viram, eu tenho várias, e estou sempre questionando todas elas, assim como absorvendo o que há de mais interessante. Esse “pensamento” binário não é comigo. Nem mesmo agora: não preciso jogar tudo que Olavo diz no lixo, como querem seus detratores, tampouco abaixar a cabeça e dizer “amém” ao que ele pensa. Prefiro aproveitar o que há de interessante, pois sem dúvida se trata de uma pessoa culta com ampla bagagem intelectual, e rejeitar o resto, lamentando essa típica postura de fanatismo dos que desejam um guru para pensar em seu lugar.

Mas não tinha como não colocar certos pingos nos is, nem mesmo em nome da “união da direita”, que o próprio Olavo trata como algo estúpido (logo, seus seguidores não deveriam condenar quem o critica com base nesse argumento, sem falar que detonar um jovem liberal com mais espaço na imprensa para atacar o governo é algo que vai contra a união dos antipetistas). Em nome da verdade e da minha reputação, queria deixar bem claro que não sou nem nunca fui aluno de Olavo, seu discípulo ou algo parecido. Ele foi uma das minhas influências, bem no começo de minha vida intelectual, e nem de perto uma das maiores.

Acho que tem contribuições interessantes, que infelizmente se perdem num mar de palavrões, ataques chulos, teorias conspiratórias e arrogância alimentada pela vaidade ou pelo oportunismo. Uma pena que tantos não consigam enxergar isso e lidar com o fenômeno “Olavo de Carvalho” com mais ceticismo e moderação…

PS: Alguns desses seguidores, como que para comprovar meu ponto, já correm para postar na página do “guru” meu texto e me atacar, aguardando o mestre me “trucidar”, ou seja, vir com pencas de xingamentos. Os mesmos alegam que, se não li a obra de Olavo, não deveria criticá-lo, sendo que critico justamente o que li e vejo, o Olavo “pop”, o mesmo que influencia milhares de jovens (e alguns nem tão jovens assim). Será que os mesmos cobram do próprio Olavo se leu todos os meus livros antes de afirmar que não sei nada além de economia? Pois é. Olha o duplo padrão novamente aí…

Rodrigo Constantino

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