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Não é só pelos franceses: é o pranto de uma civilização inteira
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Por Lucas Berlanza, publicado no Instituto Liberal

As atenções do mundo, aterrorizadas, voltaram-se, no último 13 de novembro, para Paris, França. Novamente. Diante do ataque à redação do Charlie Hebdo, já havíamos começado o ano precisando repercutir aquele tipo de notícia que nunca gostaríamos de precisar repercutir. Aquela atrocidade motivou diversas reações. Uma delas, a dos imbecis do politicamente correto. “O Charlie foi ofensivo. Temos que respeitar os muçulmanos. Eles foram ofendidos em sua cultura. Liberdade de expressão não pode ser tão ampla. Dá nisso! Podemos entender que, por conta de chargesagressivas, eles tenham desejado sair matando pessoas! É a cultura deles! ”.

Você certamente viu alguém dizer isso. Os fracos do esquerdismo multiculturalista, pós-moderno, “paz e amor” e “mãozinhas dadas na praça de Paris pela paz na Terra”, com toda a sua (ausência de) virilidade, acharam que resolveriam o problema com seus discursinhos piegas etéreos e abstratos, e com a vitimização dos culpados. Fanáticos islâmicos criam organizações terroristas e estendem suas teias assassinas pelo mundo com o propósito de implantar um califado de obscurantismo, mas o grande problema é a intolerância da “extrema direita” com a cultura e a religião deles. Em vez de defender os valores e conquistas da civilização ocidental, as liberdades e direitos individuais que nós levamos séculos para consolidar, e que eles querem destruir, nossa preferência é por ajudá-los a fazer isso. Nós mesmos cuspimos em nosso legado, cuspimos no edifício que construímos, e achamos que palavrinhas bonitas salvarão a humanidade do terror.

Como bem disse o jornalista Mario Sabino, no portal Antagonista, indo na contramão de quase toda a imprensa brasileira, em especial a deplorável Globo News – que deve ter tido, nessa sexta-feira, senão a, uma das piores noites de sua história -, “o governo socialista de François Hollande (…) deixou de policiar a cidade como deveria e não reforçou suficientemente os serviços de inteligência, depois dos atentados de janeiro, para não ferir suscetibilidades do eleitorado muçulmano e dos esquerdistas empedernidos”. Insistiu a França também, por exemplo, na receita embelezada, mas ineficaz, do desarmamento civil. A breguice sem limites encontrou seu ponto culminante na fatídica noite desse 13 de novembro, quando a cidade-luz se viu sitiada pelo medo.

Explosões perto do Stade de France, onde ocorria uma partida de futebol entre França e Alemanha; três tiroteios em diferentes pontos da cidade; em torno de 140 mortos – a maioria reféns na casa de shows Bataclan; fronteiras e estações de metrô fechadas. Um cenário de guerra, uma sombra de horror pairando sobre a movimentada capital das luzes. Horas depois, a confirmação: o Estado Islâmico assumiu a autoria de tudo. Um grupo odioso, agente da escuridão mais implacável a sufocar as liberdades, simbolicamente, lançou seu véu obscuro sobre a luminosidade parisiense. Uma organização terrorista que sequestra corações em diferentes países da Europa, que ocupa um território inteiro no Oriente Médio, que participa ativamente do caos na Síria e consegue ampliar seus ramos para centros simbólicos do Ocidente, como fez nessa triste noite.

Que farão as lideranças ocidentais, capitaneadas pelo garboso senhor Barack Obama? E nós que, apesar de pequenos perante o mundo – embora colossais em termos de território -, do nosso jeito meio torto, também somos legatários do Ocidente, e temos na presidência uma sumidade que sugeriu diálogo com esses facínoras que decapitam reféns e disseminam gravações de seus atos de barbárie? Será que marcharão de novo pela praça de Paris de mãozinhas dadas, promoverão campanhas para mudar imagens de perfil de Facebook, soltarão pombinhas brancas em protesto contra a violência e pedindo paz e amor?

Não concordo com alguns arroubos de excesso de certos poucos amigos das lides liberais e conservadoras que bradaram por novas Cruzadas e pela erradicação de todos os muçulmanos que estão em países ocidentais. Acredito que não pesem as consequências de uma aplicação prática de suas palavras. Não podemos querer robustecer os nossos princípios e valores, a nossa herança, o tesouro que queremos ver próspero e protegido, agindo em contrariedade com as suas próprias bases. Também não nego, apesar de a mídia nacional ter feito um escarcéu com isso como se fosse a questão mais importante com que se preocupar no momento, que existam determinados movimentos e partidos, em verdade antiliberais, na Europa, que pregam medidas protecionistas em economia, e promovem agendas um tanto xenófobas. No entanto, é preciso admitir a natureza do problema com que nos defrontamos, em vez de evitá-la para trilhar atalhos mais simpáticos aos agentes patógenos da praga ideológica que, de dentro, corrói as nossas forças.

Estamos falando de um movimento de raízes profundas, gestado no coração da cultura islâmica – com influência, é verdade, em alguma medida, das doutrinas socialistas nascidas no Ocidente -, que se recusa a admitir os princípios mais basilares do mundo livre. Em nome de seu deus, eles estupram mulheres e crianças, assassinam cristãos e homossexuais, rejeitam de todo a diversidade e anseiam pela uniformização absoluta do mundo sob as rédeas de sua cegueira. O Estado Islâmico é uma face, geopoliticamente visível e concreta, de um radicalismo religioso obscuro que se alimenta do ódio mais intenso contra as democracias liberais, o Direito romano, a fé de matriz judaico-cristã, o mundo globalizado e ancorado no capitalismo – tudo, em suma, que o patrimônio ocidental representa. O inimigo não é apenas um homem com uma arma; o inimigo é uma causa, uma crença mortífera que depende da destruição do outro para se regozijar e glorificar. Uma crença de consequências totalitárias. E seus agentes, mergulhados insanamente em seus mares revoltos, estão dispostos a dar as vidas por ela.

Tamanha paixão, tamanho vigor, tamanha cegueira, ainda que por um objetivo tão hediondo, encontram do outro lado um bloco que se ergueu sobre todas essas maravilhosas instituições e bandeiras que eles querem destruir, mas que passou a se envergonhar delas. Sucumbindo a um vitimismo chinfrim, a uma grotesca “ditadura do mimimi”, passaram a desprezar aquilo que lhes tornou o que são. Passaram a repudiar a própria identidade. Uma civilização inteira, portadora das mensagens mais dignas, passou a julgar que era seu dever respeitar todas as outras, reconhecer o valor e independência de todos os demais horizontes culturais – exceto respeitar e reconhecer a si mesma. E assim, fraquejando, cambaleando, anestesiados por pacifistas insossos e por herdeiros das pseudofilosofias hippies mais bregas, os últimos filhos de Cíceros e Platãos preferem enfrentar o monstro que quer devorá-los adocicando suas palavras a ponto de não mais expor o nome verdadeiro das coisas, a ponto de querer enfrentar a horda que os quer mergulhar na inexistência com beijinhos, abraços e batidinhas nas costas.

Esse tipo de inspiração ideológica, acovardada e inútil, é que encoraja os inimigos da nossa civilização a invadí-la, em seu seio, e agredí-la, exultantes, enquanto se riem da mediocridade em que submergimos. Urge que as lideranças do mundo entendam isso. Urge que entendam que precisamos apontar o dedo para essas abominações e defender, com ardor e paixão, aquilo que nos forjou, aquilo que nos torna o que nós somos. Líderes como Churchill, Reagan e Thatcher sabiam fazer isso. Eles enfrentaram as maiores crises do século XX com o destemor e a virulência de que tanto precisamos nos dias de hoje, em que os males se dissimulam muito mais – e muito mais ainda se infiltram entre nós, lançando para baixo os nossos ânimos e disposições para o bom combate. Isso sim, e não caminhadas e pombinhas brancas, poderá ajudar a reduzir as possibilidades de desastres como esse.

Mas não de imediato. De imediato, nós choramos. De imediato, nós pranteamos as misérias e a pusilanimidade que ajudaram a ceifar as vidas na cidade-luz – como a ceifar centenas e milhares de vidas no Oriente Médio. Hoje, todo um mundo pranteia pelos parisienses. E também, é verdade, se mostra solidário. Se conseguirmos unir solidariedade com bravura, teremos sempre a vitória, pois não me curvo ao relativismo ignóbil: nós somos melhores do que eles.

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