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Narrativa que banaliza o “caixa dois” é estratégia para ocultar crimes maiores
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Sempre foi assim. É parte de nossa cultura. É uma tradição brasileira. Assim os envolvidos no maior esquema de corrupção do país têm dito, para desviar o foco de seus crimes bem mais cabeludos. E contam, claro, com o apoio de inúmeros políticos, inclusive da oposição ao PT, que morrem de medo da “lista de Janot”.

A quem interessa misturar tudo? Nisso Reinaldo Azevedo tem razão: misturar o baralho, confundir o joio e o trigo (apesar de ser raríssimo encontrar algum trigo intacto nessa plantação podre), só interessa aos maiores bandidos que este país já viu, aos quadrilheiros do PT.

Ninguém pode achar que “caixa dois” é o grande erro da era petista. Essa foi a tática de Lula já quando estourou o mensalão em 2005. Lembram daquela entrevista em que o então presidente reconheceu o “erro” do dinheiro não contabilizado, alegando que todos faziam igual?

Pois é. O “caixa dois” é crime e deve ser punido. Não vou jamais compactuar com esses que tentam banalizar o “caixa dois” para tentar proteger seus camaradas, seus “bandidos preferidos”. Reproduzo um trecho da entrevista de Ayres Britto no GLOBO hoje:

É preciso conferir plenitude de sentido ao princípio republicano de que todos são iguais perante a lei, o que implica estender a ideia de República aos campos de incidência das leis penais e eleitorais, tradicionais biombos dos moradores do andar de cima da sociedade brasileira. A interpretação dos institutos jurídicos, com o caixa dois no meio, tem de se fazer na perspectiva do fortalecimento do princípio republicano e não do seu enfraquecimento. Se o princípio republicano não se estender à lei eleitoral e à lei penal não é República, mas um simulacro, uma República incipiente, ainda adolescente. Daí a fundamentalidade histórica do mensalão, porque esse princípio alcançou finalmente a lei penal e agora está alcançando a lei eleitoral.

Tenho uma opinião nada complacente com o caixa dois desde o meu tempo de presidente do TSE. Primeiro, a legislação eleitoral considera o caixa dois como falsidade ideológica, e, segundo, quando o caixa dois provém de dinheiro de alguma forma subtraída do erário, direta ou indiretamente, é, no mínimo, um peculato. É um tema que não tem de minha parte nenhuma condescendência porque ele desequilibra o jogo eleitoral e implica parceria espúria do poder econômico e do poder político. Não tenho quanto ao caixa dois opinião que não seja para incriminá-lo. Sei que estamos atravessando uma fase em que algumas pessoas importantes, inclusive autoridades, veem o caixa dois por um prisma mais relativizado quanto a sua natureza, o que por nenhum modo, a meu sentir, é justificado. Claro que se pode dizer que sempre foi assim, que é tradicional. Eu não aceito isso. Nunca tratei como uma coisa menor. Sempre tratei como um meio, um expediente, uma manobra, um recurso espúrio. Ofende o código penal, a lei eleitoral e o princípio republicano de equilíbrio de forças na eleição. Sempre vi o processo eleitoral como um concurso público heterodoxo. É uma disputa por um cargo público, como todo concurso, e exige igualdade entre os concorrentes. Aí vem o caixa dois e desequilibra tudo em favor dos candidatos que fazem uso dele, apelando ao poder econômico com a mais deletéria das parcerias.

Acho que o ex-ministro está certo, claro. Mas calma lá: nivelar todos com base nessa ideia de “recursos não contabilizados”, como se esse tivesse sido o principal crime do PT, como alguns vêm fazendo por aí, é uma piada de mau gosto. O que o PT fez foi muito pior! O PT tentou comprar o Congresso todo com mesada, montou um gigantesco aparato de quadrilha no estado, em conluio com a Odebrecht e outras “empresas”, para implantar um modelo totalitário de poder. O “caixa dois” nessa história sombria é fichinha.

A fala de Emilio Odebrecht ontem, portanto, serve apenas aos interesses dos bandidos petistas. Eliane Cantanhêde comenta sobre isso em sua coluna de hoje:

O empreiteiro Emílio Odebrecht foi de uma clareza machadiana ao admitir para o juiz Sérgio Moro o que todo mundo, ou pelo menos todo o mundo político, já sabia: o caixa 2 para campanhas políticas passa de pai para filho, de Norberto para Emílio e de Emílio para Marcelo Odebrecht, preso desde junho de 2015.

“Sempre foi o modelo reinante”, disse Emílio, certamente orientado por excelentes advogados e recorrendo à mesma tática de Lula, ao tentar transformar o mensalão em “simples caixa 2”, de Fernando Henrique, ao admitir que caixa 2 é delito a ser punido, mas é diferente de crime de corrupção, e de dez entre dez políticos com mandato, ou seja, que já fizeram campanha.

Emílio Odebrecht, Lula, FHC e parlamentares têm razão quando escancaram um segredo de polichinelo, porque as “doações por fora” eram da cultura política e todos faziam. Mas isso não significa que os crimes da Odebrecht e de muitos políticos se resumam a caixa 2 e só em anos eleitorais. Senão, por que criar um “departamento de propinas” permanente?

Os tentáculos incríveis da maior empreiteira e antiga maior doadora de campanhas fizeram a glória e hoje fazem a desgraça de atuais e ex-presidentes mundo afora, no Brasil, no resto das Américas, no Caribe, na África. Não dá para limitar tamanha ousadia a um “caixadoiszinho” que era o “modelo reinante”.

É por aí mesmo. Vamos condenar o “caixa dois” com veemência, sem aceitar esse papinho de que “sempre foi assim”. Não podemos dar moleza aos políticos safados. Precisamos mudar o país, começar a endireitar as coisas, não importa como eram no passado.

Mas vamos lembrar de que o “caixa dois” é o menor dos crimes cometidos pelos petistas no poder. O PT se mostrou uma quadrilha criminosa, que tentou tomar o estado inteiro de assalto, e teve a cumplicidade de “empresas” como a Odebrecht. Saibamos reconhecer que há nivelações de crimes, graus distintos.

Roubar uma galinha continua sendo crime, e ninguém pode banalizar isso com um discurso de que “é normal” e “muitos fazem”. Mas estuprar uma menina é sem dúvida um crime muito pior, hediondo, nefasto, que merece uma punição bem mais severa.

Basta aplicar o bom senso aqui: punir o “caixa dois” sem esse papo de que é uma “tradição” em nosso país, e punir de forma ainda mais exemplar quem tentou transformar o Brasil numa Venezuela. Pode ser?

Rodrigo Constantino

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