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Three architects sitting at table and discussing paperwork
Three architects sitting at table and discussing paperwork| Foto:

É curioso como certas crenças demoram a morrer. A esquerda nacional flertou (e flerta) por décadas com a ideia de um estado “magnânimo”, onipotente e clarividente, que poderia ser a locomotiva do progresso e da “justiça social”. Um estado, enfim, totalitário mesmo, nos moldes marxistas. Teve apenas decepções com a aproximação a este modelo, como era de se esperar. Mas qual a reação? Enterrar de vez a fé no estado como solução?

Claro que não! Abandona-se parcialmente a crença na capacidade infinita do estado, mas jamais a ponto de entender que ele pode ser mais o problema do que o remédio. E não falo da extrema-esquerda, ainda existente e forte em nosso país (hoje mesmo temos um debate se Guilherme Boulos será candidato pelo PSOL a presidente, um sujeito que lidera invasores de propriedade!). Falo da esquerda light, tucana, que sequer é considerada esquerda pela mídia.

Em sua coluna de hoje no GLOBO, Ana Maria Machado fala do desânimo daqueles que acreditaram no estado “magnânimo”, em tom de melancolia. Mas claramente a escritora não foi capaz de fazer o luto, e insiste em crenças irracionais de que caberá ao estado “ótimo” ser eficiente e cuidar, ainda, da economia, da “justiça social”, por meio de planejamento (pensamos em JK, nos militares, no PT e, claro, nos soviéticos). Diz ela, fazendo concessões indevidas ao extremismo de esquerda:

O nacional-desenvolvimentismo pode ter sido bom logo depois da Segunda Guerra Mundial, propiciando a industrialização, a construção de rodovias, a modernização. Tudo muito bem. Só que nos deu um país estranho, capaz de construir Brasília em cinco anos, com as belezas de Niemeyer e tudo, mas incapaz de botar as crianças na escola ou dar habitação, saneamento, segurança, cobertura decente de saúde a nossa gente. 

[…]

Também a centralização estatal e o dirigismo econômico do regime militar podem ter tido méritos no desenvolvimento aqui e ali, apesar das reservas de mercado que nos atrasaram, e da consolidação de um regime de benesses a escolhidos — modelo parcialmente retomado e exacerbado no segundo mandato de Lula, em visão sempre disposta a chamar de neoliberal o que não dissesse amém para sua cartilha de opções ideológicas limitadas. Mas serviu para inchar a máquina pública de maneira irresponsável, jogando riqueza fora, em multiplicação exponencial. Desembocou na nova matriz econômica de Dilma, com a teimosia autoritária de escolher, subsidiar e proteger os tais campeões nacionais, garantindo-lhes a falta de concorrência.

[…]

É obvio que, para sair do pântano, vai ser necessário mudar. Redefinir o papel e a função do Estado. Não se trata de uma discussão sobre seu tamanho, nem de defender o Estado mínimo ao combater o Estado máximo, em busca do Estado ótimo, menos prepotente e mais eficiente. Mas as propostas para um novo governo que faça bem ao país devem tratar da função do Estado na economia. Ele não deve se meter a querer produzir ou fazer o que não lhe compete. Nem mesmo se avocar o dever de financiar a produção. Há que reduzir o endividamento público. Gastar menos e melhor. Talvez o capital atualmente alocado em empresas e bancos públicos e nas estatais possa ser melhor empregado após algumas privatizações — isso não precisa ser tabu.

Até aqui, o leitor desatento quase acha estar diante de uma liberal. Mas as concessões absurdas aos modelos atrasados que atrasaram nosso país já demonstram o perigo dessa conclusão precipitada. Só que tem mais. Chegando perto de sua conclusão, a escritora deixa transparecer que quer apenas “modernizar” um pouco essa crença no estado como um messias, mas se sente incapaz de abandonar de vez as ilusões esquerdistas:

O que o Estado tem obrigação de fazer, isso sim, é regular e fiscalizar a economia, livrando as agências reguladoras do aparelhamento partidário para que, ocupadas por técnicos, possam funcionar bem. E planejar essa economia: ter um objetivo, mostrar o mapa e dar o rumo. Desempenhar o papel que lhe cabe, tanto no planejamento econômico e social quanto na garantia de proteção real ao meio ambiente e aos direitos dos cidadãos.

Há muito a ser discutido. Cada eleitor de boa vontade pode partir dessa lista, aumentá-la, debater pontos específicos com amigos que não receiem pensar e trocar ideias. A regeneração da nossa democracia terá de passar por muitos desses itens, certamente. É bom irmos construindo opiniões bem assentadas para fundamentar nossas escolhas. E para pressionar candidatos, exigindo compromissos nítidos com a definição do papel do Estado em uma agenda econômica clara e planejada.

Reparem no detalhe: cada leitor pode ficar à vontade para aumentar essa lista de funções do estado. Diminuir, nem pensar! Achar que não cabe ao estado o papel de planejar economia coisa alguma é “radicalismo” demais, pelo visto. São os tecnocratas apontados por políticos que sabem melhor qual rumo a economia deve seguir, naturalmente.

Fica evidente o desconhecimento do liberalismo econômico, de como a alocação eficiente de recursos escassos realmente deve ocorrer numa sociedade. Falta entender Hayek, e sobra Keynes nas premissas. Economia planejada é música para ouvidos estatizantes, para quem quer meter a mão nos recursos produzidos pela sociedade, controlar tudo de cima para baixo.

Mas é o terror dos liberais que entendem como a economia efetivamente funciona, e que esse planejamento estatal é sinônimo de ineficiência, corrupção e atraso, não progresso. Roberto Campos já tinha resumido bem o equívoco dessa mentalidade: “O estado é melhor como jardineiro, que deixa as plantas crescerem, do que como engenheiro, que desenha plantas erradas”.

Rodrigo Constantino

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