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Nova Direita, sim – mas apoiada em gigantes do passado
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Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

Não poderia esperar que, na manhã do lançamento de meu primeiro livro, despertaria sobressaltado com o advento de uma polêmica no mínimo inusitada que acabou por envolvê-lo: a da foto de Alexandre Borges e João Doria divulgada por Eduardo Bolsonaro que, confuso, ele relacionou à capa do meu livro – supondo que a “nova direita” tivesse relação com o prefeito tucano de São Paulo.

Não me entendam mal. Como já tive ocasião de me explicar, inclusive em um vídeo gentilmente divulgado pelo amigo Rodrigo Constantino, me parece desnecessário repetir que eu já previa que o título – Guia Bibliográfico da Nova Direita: 39 livros para compreender o fenômeno brasileiro (em lançamento da Resistência Cultural, por enquanto disponível também na Travessa) – geraria alguma polêmica. Qualquer expressão que eu usasse, fosse “renascimento da direita”, fosse “conservadorismo”, fosse “liberalismo” ou simplesmente “direita”, incomodaria ou geraria irritação em alguém, que a julgaria inadequada, dada a polissemia desses termos.

No entanto, estou convencido de que a falsa associação da foto, embora eu saiba que o deputado do PSC não tinha intenção de me agredir, já que sequer me conhece, estabeleceu narrativas e impulsionou um séquito de acéfalos e afobados a espalharem mentiras de toda sorte e distorcerem tudo sem nem ao menos dar chance a uma leitura. A atitude obscurantista é tão notória que recebi comentários do gênero “não fui com a tua cara, não li nem nunca lerei esta porcaria que escrevestes”. Houve ainda ao menos uma página com mais de 600 mil seguidores no Facebook me acusando de ser um “liberalóide Doriana” querendo cooptar conservadores com “literatura tendenciosa” em prol do “socialismo fabiano”, propondo um boicote à minha jovem obra.

Certas alas do movimento conservador brasileiro, sobretudo dentro do eleitorado da família Bolsonaro, após a proliferação da montagem publicada por Eduardo, começaram a interpretar, de maneira COMPLETAMENTE ERRADA E INFUNDADA, que a “nova direita” na capa fosse uma referência a uma camada social democrata ou social-liberal, ligada a Doria, ao MBL, ao “liberalismo” ou o que quiserem, como recurso retórico para se descolar de uma “velha direita” – que seria representada pelos Bolsonaro. É como se eu pretendesse reforçar uma divisão – algo que, a uma leitura simples dos nomes dos autores abordados em meu livro, já perde qualquer sustentação que pudesse ter.

O conceito com que trabalho em meu livro de estreia é exatamente esse que ele formula. A Nova Direita é todo mundo: liberais e conservadores, monarquistas e republicanos, misesianos, hayekianos e burkeanos. É uma expressão TEMPORAL, fazendo referência a um marco histórico no Brasil contemporâneo em que uma movimentação de maior densidade se efetivou em torno dessas ideias que andaram profundamente ausentes do grande debate público. É uma expressão interessante para nos dar o senso do lugar histórico que estamos tentando ocupar. Na Introdução de meu livro, digo, para encurtar a conversa: “Essa ‘direita’ é ‘nova’, portanto, não porque nada parecido existisse antes, não porque essas correntes políticas sejam inéditas no país; mas porque ela representa um marco de resistência a uma sucessão de décadas em que essas correntes permaneceram no ostracismo”.Tudo muito bizarro, tudo muito vergonhoso, tudo muito lamentável. Contudo, há alguns lados bons nessa história toda. Um deles é que a confusão potencializou um dos objetivos para colocar “Nova Direita” na capa: a boa discussão, o bom debate. Logo após eu ter gravado um vídeo explicando o conceito, o jornalista e político Paulo Eduardo Martins, comentando a questão em seu próprio canal, apesar de esquecer meu sobrenome, expressou brilhantemente, em uma abordagem histórica, o que queremos dizer com Nova Direita.

Por acaso, em sã consciência, alguém negaria a veracidade desse fenômeno? Independentemente da desinformação em que estejam mergulhadas, vozes variadas, inclusive dentro da imprensa tradicional, começaram, com o esgotamento do regime lulopetista, a se perguntar: “quem são essas vozes jovens que querem privatização e monarquia? Que escrevem e vendem tantos livros num país em que até ontem se dizer ‘de direita’ era pavoroso? O que elas realmente pensam? Como agem? O que leem?”.

Há quem tenha – e novamente a polissemia o explica – se apegado a algumas matérias de revistas que usam “Nova Direita” com a acepção de se buscar uma “direita descolada”, como se a direita precisasse de uma “reforma” para “respirar novos ares” e fosse “conservadora” demais. Como se precisasse ser demasiadamente mais “moderninha”. Usaram uma capa da Revista Época (ver imagem ao lado) como exemplo disso.Meu livro não pretende nada além de, através de uma sucessão de ensaios sobre livros que se interligam em uma “narrativa teórica”, apresentar as bases “ideológicas” ou de princípios, em termos gerais, por trás dos novos liberais e conservadores, chamados, SIM, em diferentes matérias e reportagens, de Nova Direita, COLETIVAMENTE – ou seja, sem discriminação entre os diferentes grupos que a compõem.

Estou convencido, no entanto, de que se trata de um uso MINORITÁRIO. O que me diriam, afinal, desta matéria da BBC e esta do Estadão, para citar apenas alguns exemplos? Seria Olavo de Carvalho o “parteiro” de “liberais descolados dorianos”?

Alguém acredita, em sã consciência, que Edmund Burke, Friedrich Hayek, Ludwig von Mises, Olavo de Carvalho, Merquior, Meira Penna, Raymond Aron, Roger Scruton, Russell Kirk, Joaquim Nabuco, Carlos Lacerda, João Camilo de Oliveira Torres e tantos outros autores que uso como referências em meu livro são “socialistas fabianos” instrumentalizáveis pelos “liberaloides dorianos”? Onde foi que atingimos tamanho nível de doença mental?

Dito isso tudo, o que me motivou a escrever novamente sobre o assunto foi o comentário do conhecido objetivista gaúcho Roberto Rachewsky. Comentando o vídeo do Paulo, ele fez um único reparo, afirmando que Olavo de Carvalho e o Instituto Mises Brasil não foram os únicos precursores do trabalho de divulgação das ideias liberais e conservadoras, daquilo que chamo de “Nova Direita”. “É preciso fazer justiça a homens como Donald Stewart Jr., fundador do Instituto Liberal do RJ”, ele lembra, citando também Henry Maksoud, Jose Stelle, os fundadores do IEE, entre outros. Nos comentários, foram citados Roberto Campos e Merquior.

Pois eu digo: não poderia concordar mais! O que chamo de “Nova Direita”, a meu ver, principia com o inegável “boom”, facilitado pelas redes sociais, que acontece durante e depois da tragédia petista. Contudo, esses precursores dos anos 80 e 90 são notoriamente enaltecidos. Roberto Campos, Merquior e Donald Stewart têm obras suas analisadas em meu livro, com destaque ao pioneirismo deste último – que pode aí representar todos os pioneiros na empreitada institucional de divulgar o liberalismo. Maksoud é mencionado em meu ensaio sobre o livro Hayek no Brasil, editado pelo IL.

Se há uma coisa que nunca fiz foi rechaçar os gigantes do passado. Se a direita é “nova”, ela não pode deixar de conversar com a “velha”, que de maneira alguma está “datada” ou “ultrapassada”. Sempre fui um defensor do diálogo fraterno e construtivo com a sabedoria do passado e dos que nos antecederam. Não há nada em meu livro que vá na direção contrária.

Espero que toda essa histeria que se criou apenas desperte mais interesse em minha singela oferta ao nosso público daquilo que meu amigo e autor do texto de orelha, Rodrigo Mezzomo, chamou de “literatura de acesso” – para que, depois, o leitor mergulhe também nas páginas dos gigantes que me inspiraram a escrever essas linhas.

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