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O Brasil precisa é de uma “revolução” cultural, não de agitadores das massas
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Durante a lamentável greve dos caminhoneiros, que parece ter tido como resultado, além da morte de um inocente, a volta do congelamento de preços e dos “fiscais de Sarney”, muitos à “direita” se animaram com a possibilidade de uma revolução redentora. O problema desses “revolucionários de Facebook” foi ignorar o que seu próprio guru, que também se deixou seduzir pela ideia, sempre alertara: para mudar mesmo o país era necessário, antes, construir uma elite intelectual robusta. A guerra, enfim, é cultural antes de mais nada.

Lição que o professor parece ter esquecido, e agora tenta resgatar, ao constatar que só alguém com ampla cultura poderia liderar um confronto ao estamento burocrático. Se era sabido, então, que antes de se comer o bolo é preciso fazê-lo, por que essa turma foi afoita para cima dos caminhoneiros, como se vissem neles os instrumentos de sua revolução? Um amigo conservador, que prefere manter o anonimato, escreveu um excelente texto chamando essa gente à responsabilidade:

Se o argumento dos que apoiam a greve (o tal movimento de massa contra o estamento burocrático) é que “não há elite política, empresarial e intelectual para guiar um movimento popular”, há uma pergunta inevitável: Não foi sempre esse o plano? Primeiro construir uma elite intelectual, política e empresarial, para só então, DEPOIS disso, começar um movimento para uma profunda mudança?

Ora, se as pessoas sabiam disso (e claro que sabiam, pois elas faziam parte do começo de uma construção da intelectualidade nacional), isso é apenas uma prova de que esse movimento foi criminoso!

Não importa a boa intenção! Se eles apoiaram um movimento que sabiam não haver base para tal, e ainda por cima tentando artificialmente fazer brotar dos escombros um beócio como o Bolsonaro para o papel de guia, como isso não é criminoso? É no mínimo irresponsável! Dizer agora o que todos sabiam: “Não havia a base necessária”, é só admissão de culpa!

Quanto mais se sabe, maior é a responsabilidade. Se todos os envolvidos sabiam (e sabiam muito bem!) que era preciso ANTES construir uma elite intelectual, então também deveriam ter sido os primeiros a dizer: “no futuro, algo assim até poderia ser bom. Hoje, não façam isso porque só vai prejudicar a população e qualquer plano futuro!”.

Ao não condenar e lutar contra, ou provam sua tolice por tentar o que deviam saber que não é certo; ou provam que fizeram uma experiência social tão funesta quanto qualquer outra porque sabiam que não daria certo. Uma que custou muito caro ao povo que dizem defender. É o mesmo que a esquerda faz: parece um elefante enfurecido na loja de cristais e depois diz: mas nós fazemos pelo povo. Esquerda, aliás, que é capaz de capitalizar muito em cima disso.

O que NÃO podiam ter feito de jeito nenhum é dizer: “vamos que a gente improvisa sem elite intelectual e com o Bolsonaro mesmo”! Um sujeito que, acreditando em quem devia estar aconselhando com responsabilidade, estava prometendo até mesmo anistia para qualquer ato do movimento. Que irresponsabilidade dos “intelectuais” que compactuaram com isso! Vergonhoso!

Não joguem a culpa em quem não apoiou! A culpa é de quem apoiou sabendo que não havia condição e que uma ação precipitada entrega a rapadura para a esquerda! Nem se importaram com as consequências, inebriados com uma experiência de “momento histórico”! Atrás do teclado é mole!

Hora de colocar a mão na consciência e fazer um ‘mea culpa’ por apoiar um desastre quando sabiam não haver a base que lutavam tanto para construir. Não adianta fazer lindos diagnósticos antes e depois, se na hora agem ao contrário do que pregam por pressa ou por se deixarem levar pelas emoções. Limpem seu quarto antes! Paguem a sua conta! Cresçam! Se tornem o que acham que já são! Depois pensem em movimento de massa!

Hoje ninguém vai admitir nada. Eu espero que no futuro próximo estejam prontos para ver a cagada que fizeram. Até para não fazer mais. O país agradece.

Duras palavras, porém verdadeiras. E não vemos, infelizmente, sinal algum de recuo, de mea culpa, de autocrítica nessa turma. Ao contrário: estão dobrando a aposta! Repetem que não é porque uma primeira tentativa revolucionária falhou que não devem insistir nesse caminho. São irresponsáveis e perigosos!

Os marxistas cometeram o mesmo erro, aliás. A diferença é uma incoerência ainda maior, já que o marxismo acreditava na “inevitabilidade dos acontecimentos”, no “determinismo histórico”, que o capitalismo seria superado por suas próprias contradições, dando lugar ao paraíso socialista. Ainda assim os revolucionários, impacientes, não quiseram esperar, e foram para a revolução incoerente. Só que num país agrário e pobre como a Rússia, que nem era capitalista ainda! Ou seja, não só tentaram antecipar a História, como pular a etapa capitalista.

Essa ala da “direita” brasileira repete há anos que é fundamental criar uma elite conservadora, resgatar a cultura, e nisso ela está certa! É de uma “revolução” cultural que o Brasil precisa mesmo. Coisa lenta, gradual, até ir desmontando a hegemonia socialista atual, criando uma massa crítica de conservadores, por meio da alta cultura, de uma formação clássica.

Mas os mesmos que diziam isso se empolgaram de forma infantil com caminhoneiros lutando por interesses imediatos: o quão absurda foi essa postura?! Incoerência do mesmo naipe de enaltecer tanto a importância da alta cultura para depois rasgar elogios a um ex-ator pornô boçal, que só sabe xingar seus desafetos sem apresentar um só argumento.

O Facebook me trouxe à memória hoje essa passagem que postei seis anos atrás, de João Pereira Coutinho, que vem bem a calhar aqui:

“Regressar ao passado, regressar ao futuro: duas maneiras de recusar o presente e a complexidade que o define. A mentalidade radical recusa essa complexidade; ou, alternativamente, converte a política numa forma de SIMPLISMO – a crença pueril de que as iniquidades que afligem os homens, HOJE, serão removidas pela SIMPLES aplicação de um programa, de um manifesto, de uma dogmática qualquer, secular ou religiosa. […] Em rigor, o meu problema não é com a esquerda. O meu problema começa com os ‘amantes da humanidade’ que pensam politicamente a partir de um lugar imaginário – e é possível encontrar alienados nos dois lados da barricada.” (João Pereira Coutinho, Por que virei à direita, Três Estrelas)

Um leitor acertou em cheio ao comentar sobre um desses discípulos e ativistas partidários que insuflaram os caminhoneiros na esperança de ver sua revolução concretizada no Brasil:

Os conservadores sérios estão preocupados primeiro em entender o mundo, depois, com sorte e muito trabalho, em ajudar a formar uma massa crítica e uma elite cultural, que possa contribuir para as mudanças necessárias em nosso país. Já os “jacobinos de direita” querem “agir”, pular as etapas que seu próprio mestre intelectual apontou como cruciais, para transformar o mundo à sua visão dogmática ideológica. E com apoio do mestre!

É como se um técnico de um time de Várzea achasse que é possível virar o Real Madrid da noite para o dia, simplesmente dando caneladas e cabeçadas nos adversários. E ainda teve muita gente que caiu nessa…

Rodrigo Constantino

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