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“O Contexto Histórico da Escola Austríaca de Economia”: situando a ideia no tempo
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Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

Um dos mais recentes empreendimentos destinados a difundir literatura de qualidade para o público liberal e conservador, a LVM Editora, trouxe à luz, com a gestão do editor Alex Catharino, a Coleção Von Mises, uma série de traduções de obras – algumas clássicas, outras sendo praticamente apresentadas ao público brasileiro – do célebre economista austríaco Ludwig Von Mises (1881-1973). Adquirimos uma das preciosidades da coleção, o opúsculo O Contexto Histórico da Escola Austríaca de Economia, o último livro publicado do autor (em 1969), e trazemos aqui um pouco do que os leitores podem esperar do livro.

Não é segredo que, no contexto da emergência de ideias políticas que desafiam a supremacia ideológica da Nova República com bandeiras privatizantes e avessas ao intervencionismo, a Escola Austríaca de Economia, tendo em Mises um representante icônico, é um dos principais destaques. Nos círculos do Instituto Liberal, já figuras como o fundador Donald Stewart Jr. e pensadores como Og Leme, Roberto Campos e Meira Penna divulgavam os principais textos dos autores dessa linha de interpretação econômica, de forma pioneira no país – apesar de o grande Eugênio Gudin, por exemplo, já ter trabalhado antes com conceitos austríacos. Mais recentemente, um instituto com o próprio nome de Mises foi fundado, o que prova o alcance que tais ideias estão atingindo.

O Contexto Histórico da Escola Austríaca de Economia, contudo, aborda o aparecimento dessa corrente de pensamento em seu próprio país natal e seu desenvolvimento intelectual em contraponto às suas concorrentes, com ênfase na Europa. Evidentemente, como a obra é de autoria de Mises, sendo ele próprio um personagem definidor desse processo, seu texto falará bem menos da ponte que ele representa com os dias atuais, bem como de seus célebres pupilos, como Friedrich Hayek (1899-1992) e Murray Rothbard (1926-1995).

O corpo do livro se centrará, em vez disso, no “fundador” Carl Menger (1840-1921) e continuadores mais próximos dele, como o mentor de Mises, Eugen von Böhm-Bawerk (1851-1914). Percebendo isso, a equipe editorial tratou de preencher a lacuna, como sabemos que fez em outros lançamentos da coleção, inserindo textos de comentaristas de gabarito, designados como apresentações, introduções, prefácios ou posfácios. Os textos acrescentados perfazem, juntamente com a obra em si, um novo conjunto, que enriquece a compreensão do processo histórico, bem como seu encadeamento e reflexos nos dias correntes.

A apresentação, assinada por Fritz Machlup, serve para introduzir Mises – frise-se, o economista mais pesquisado pelos brasileiros na Internet – de diferentes maneiras: uma para quem não o conhece, outra para seus apoiadores (perante os quais o autor usa de sinceridade ao externar suas discordâncias em relação ao velho mestre) e outra para seus detratores (dos quais defende seu legado). Mais do que o próprio pensador, porém, Machlup expõe uma didática definição da própria Escola Austríaca e seus elementos distintivos.

“A Escola Austríaca de Economia foi fundada por Carl Menger, cujas obras principais foram publicadas em 1871 e 1883. (…) Quais são as características distintivas essenciais da economia austríaca? Essa pergunta não é fácil de responder, principalmente porque estudiosos são raramente, ou nunca, unânimes nas opiniões sobre o assunto, e alguns membros de uma escola podem rejeitar um ou mais princípios que a maioria entende como fundamentais”; contudo, Machlup enumera como características de valor geral: o individualismo metodológico, princípio que define as ações individuais como base da explicação de fenômenos econômicos, conceito a que Mises acrescenta, sabemos, sua concepção de Praxeologia – uma ciência da ação humana por trás da ciência econômica; o subjetivismo metodológico, que ressalta a importância dos julgamentos e escolhas pessoais; os gostos e preferênciasde cada um, sob a forma de valorações subjetivas de bens e serviços, como determinantes da demanda; os custos de oportunidade; o marginalismo, teoria que sustenta que os custos, receitas e produtividade são sempre determinados “pelo significado da última unidade adicionado ou subtraído do total”, derrubando a tese – clássica e marxista – do valor-trabalho; a estrutura de produção baseada em tempo e consumo; a soberania do consumidor e o individualismo político, segundo o qual “só quando os indivíduos tiverem uma plena liberdade econômica será possível assegurar a liberdade política e moral”.

Na Introdução, assinada por Llewellyn H. Rockwell Jr., a ideia é sintetizar a importância da Escola Austríaca. Sua grande originalidade em relação às escolas que desafia, para Rockwell, está em não confiar “primeiramente em modelos matemáticos idealizados da economia” que “sugerem maneiras pelas quais o governo poderia ajustar o mundo”, mas sim, em vez disso, se preocupar em “entender como as pessoas cooperam e competem no processo de satisfazer as demandas, alocar os recursos e descobrir maneiras de construir uma ordem social próspera”.

Seria sua convicção no valor da economia praticada no mundo real, seu “realismo”, a grande força do pensamento econômico austríaco. Curiosamente, Rockwell enxerga nos escolásticos espanhóis do século XV uma espécie de precursores da Escola, em razão de seu entendimento individualista e subjetivista na determinação de preços e salários. Contudo, ele também concorda em que foi em 1871, com sua obra Princípios de Economia Política, que Carl Menger fundou de fato a escola, promovendo o que ficou conhecido como “revolução marginalista”. O autor traça ainda uma descrição valiosa do encaminhamento feito por Mises e Hayek na teoria do cálculo econômico, fazendo frente aos projetos de planejamento central socialista, além de ressaltar seu otimismo com o crescimento contemporâneo das ideias austríacas perante as intempéries do intervencionismo e do welfare state.

Antes do livro propriamente dito, há ainda um ensaio introdutório do português José Manuel Moreira descrevendo a natureza dos embates entre Menger (de postura bastante diplomática, de acordo com o autor) e alguns dos primeiros adversários do pensar austríaco, aqueles pertencentes à chamada Escola Historicista alemã – cuja ênfase na perquirição dos dados econômicos manifestados em diferentes épocas de um mesmo país específico como base para analisar os fenômenos da Economia, em vez da busca efetiva por princípios gerais, foi severamente contestada por Mises também em sua obra magna, Ação Humana.

Começam então os três capítulos propriamente ditos, em que Mises se põe a prestar seu tributo aos iniciadores e pioneiros de sua tradição, as fontes de onde bebeu. O primeiro capítulo, como não poderia deixar de ser, retorna a Menger, e atribui o início da designação do pensamento austríaco como uma “escola” propriamente dita ao processo de geração de conflito com os historicistas. Mises traça também um cenário bastante intimista da vida intelectual na Áustria quando a escola começou a nascer, mostrando suas relações com a política. “Menger desaprovou veementemente as políticas intervencionistas que o governo austríaco – como quase todos os governos da época – adotou”, porém, o próprio nunca cogitou fazer nada além de difundir boas ideias. Ao contrário, Mises nos mostra um Böhm-Bawer atuando diretamente no Ministério das Finanças da Áustria em diferentes gabinetes, pautando-se na “rigorosa manutenção legalmente fixada da paridade da moeda com o ouro e o orçamento equilibrado sem auxílio algum do Banco Central”.

O segundo capítulo é dedicado justamente ao duelo definidor entre a Escola Austríaca e a Escola Historicista alemã, porém Mises faz bem mais que apenas explaná-lo e remonta às origens da Escola Clássica de Economia, com Adam Smith (1723-1790), David Hume (1711-1776) e David Ricardo (1772-1823), para situar a eclosão austríaca no universo histórico e social que ela vem impactar.

O economista ressalta o governo do unificador alemão Otto von Bismarck como o fim de um ciclo liberal e o começo do ciclo da Sozialpolitik, em que se apostou em “um sistema de medidas intervencionistas, como legislação laboral, previdência social, políticas pró-sindicatos, tributação progressiva, tarifas protecionistas, cartéis e dumping”. O Historicismo e o antiliberalismo constroem então sua força, apostando em que as características culturais e o processo histórico em determinados países fazem com que as leis econômicas, concebidas sinteticamente nos princípios da Escola Austríaca, sejam concretamente invalidadas. A Economia “não-historicista” passa a ser vista como algo demasiado “abstrato” e vazio de significado. Nessa escalada perigosa que foi decisiva, na visão de Mises, para o sucesso vindouro do próprio nacional-socialismo de Hitler, é preciso destacar sempre a resistência heroica dos pioneiros austríacos, defensores contumazes das bandeiras liberais.

No último capítulo, Mises propõe sua reflexão acerca do lugar da Escola Austríaca na evolução geral da Economia. Mais uma vez, porém, ele vai além do que o título promete e avalia a própria posição geral do liberalismo no mundo: “A grandeza do século XIX consistia no fato de que, em certa medida, as ideias da economia clássica se tornaram a filosofia dominante do Estado e da sociedade. Transformaram a tradicional sociedade estamental em nações de cidadãos livres, o absolutismo real em governo representativo e, sobretudo, a pobreza das massas durante o Antigo Regime no bem-estar de muitos sob o laissez-faire capitalista. Hoje, a reação do estatismo e do socialismo está minando as bases da civilização ocidental e do bem-estar. Talvez estejam certos os que afirmem que já é tarde demais para impedir o triunfo final da barbárie e da destruição. No entanto, uma coisa é certa. A sociedade, ou seja, a cooperação pacífica dos homens sob o princípio da divisão do trabalho, só pode existir e funcionar caso sejam adotadas políticas que a análise econômica declara como aptas para atingir os fins almejados”. A grande virtude da Escola Austríaca seria ter investido contra as conveniências daqueles que, por demagogia ou oportunismo, sustentaram as teses contrárias.

Há, finalmente, um posfácio, de autoria de Joseph T. Salerno, que traça, em uma perspectiva detalhada, mas também bastante pessoal, a continuação da história, de onde Mises parou. Depois do triunfo do Keynesianismo, do advento das teses Neoclássicas e do que considera terem sido deturpações e minimizações do papel de Mises nos desdobramentos da Escola Austríaca, Salerno aponta nos esforços de Murray Rothbard o principal papel na renovação de forças da corrente nas últimas décadas. O autor é bastante crítico a Hayek, cujas teses “metodologicamente tolerantes” teriam feito as ideias austríacas se aproximarem demais da social democracia – uma argumentação realmente bastante rothbardiana, a que pessoalmente não votamos maiores simpatias.

Sem nenhum endosso às suas ideias ou trocadilho proposital com a Escola Historicista, obviamente, mas a História das ideias professadas é um referencial relevantíssimo para compreender o lugar e o papel delas no seio da humanidade. Em um cenário em que, quaisquer que sejam as correções e incorreções de suas teses específicas, os autores mais modernos da Escola Austríaca, notadamente a partir do próprio Mises, vêm sendo cada vez mais conhecidos no Brasil, não poderia ser mais oportuno este documento histórico dos iniciadores dessa corrente e dos desafios que ela representa ao dirigismo e ao Estado-leviatã.

Comentário do blog: Estou preparando um curso sobre a Escola Austríaca pelo Instituto Liberal. Quem tiver interesse, fique ligado que em breve traremos maiores novidades.

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