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O liberalismo institucional de Ralf Dahrendorf
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Por João Cesar de Melo, publicado no Instituto Liberal

É comum dizerem que o liberalismo prega ou leva à anarquia, no pior sentido da palavra. Acusam-nos de defender uma sociedade e um mercado sem lei e sem ordem, onde todos são devorados pela ganância de todos. A verdade é que, de todos os que dizem isso, não há uma só pessoa que já tenha lido pelo menos um livro de algum autor liberal. Normal, afinal, o socialismo é feito disso: pessoas convictas sobre tudo, apesar de se negarem a ler ideias contrárias.

Considerando que os absurdos da esquerda brasileira vêm desiludindo muitos de seus eleitores, levando-os a procurar saber mais sobre liberalismo, resgato as ideias de Ralf Dahrendorf.

Em seu livro A Lei e a Ordem, o sociólogo e filósofo alemão esclarece que a liberdade deve cercar-se de leis criadas e fiscalizadas por instituições cuja função é preservar a própria liberdade. Dahrendorf escreve: “A resposta ao problema de lei e ordem pode ser colocada numa única expressão: construção de instituições. Isso pode não parecer muito surpreendente, nem muito prático; com certeza, não se trata de nenhum remédio exclusivo, mas constitui uma resposta liberal e, talvez, a única que merece esse nome. Somente através de um esforço consciente para construir e reconstruir as instituições podemos garantir nossa liberdade em face da anomia”.

As instituições não servem apenas para garantir ordem e liberdade, mas também para garantir que mudanças possam ser feitas sempre que necessário; e aí está a grande diferença do conceito de “instituição” pregado pelo socialismo, sob o qual a força da lei é direcionada para controlar a liberdade em si mesma, minimizando sua capacidade de autorregularão e de amadurecimento.

Numa comparação simples, as instituições cubanas são tão fortes quanto as instituições norte-americanas, porém, é enorme a diferença de papel de cada uma delas. O meridiano entre essas diferenças é o entendimento sobre o princípio de liberdade. Liberdade em relação a quem? Liberdade para quê? Liberdade em benefício de quem? Segundo Dahrendorf, a liberdade defendida pelas instituições devem ter o papel de oferecer a oportunidade de cada pessoa exercê-la em seu próprio benefício, sem, no entanto, ameaçar a liberdade de outros indivíduos; o que vai contra a “liberdade” socialista, que impõe que o indivíduo deve trabalhar em benefício do outro, não de si mesmo – o que nos restaria se não pudéssemos agir em benefício de nós mesmos?

Dahrendorf demonstra honestidade intelectual ao reconhecer seu próprio equívoco ao relembrar sua publicação homo sociologicus, de 1958, na qual afirma que os homens são e devem ser totalmente autônomos.  É verdade que o liberalismo crê na autonomia do indivíduo, mas a plenitude dessa autonomia está vinculada a leis básicas, assim como o voo dos pássaros é condicionado à lei da gravidade. “Se queremos ser livres, temos que operar com as instituições e através delas, modelando-as e remodelando-as durante o processo, ou seja, construindo-as à imagem das oportunidades que nos são abertas a qualquer momento”, escreve.

Voltando à comparação entre Cuba e Estados Unidos, veremos que as instituições da maior ilha caribenha permanecem engessadas desde a revolução. A concessão de liberdades básicas aos cidadãos cubanos ainda são vistas como tabu por um conjunto de instituições moldadas por caprichos ideológicos, ao mesmo tempo em que no país símbolo do capitalismo os debates sobre liberdade visam sua preservação.

Dahrendorf também expressa sua desconfiança em relação ao exercício da lei e da ordem por meio de “fóruns comunitários” e “células primárias” autônomas, balizadas pelo conceito cru de democracia. “Apoiando-se por demais sobre a sociabilidade do homem, permanecerá exposta aos atos insociáveis de poucos e talvez nem tão poucos”, escreve, expondo a mais perigosa face da democracia: A vontade da maioria se sobrepondo à liberdade individual. Por isso, a necessidade de instituições cujo poder restrinja-se à preservação do indivíduo em suas propriedades essenciais: seu corpo, sua vida, sua liberdade e o fruto de seu trabalho – “A lei protege e a lei dá poderes; as instituições dão significância, substância e permanência a seus poderes”, sintetiza Dahrendorf.

O que devemos sempre ter em mente é que a existência de tais instituições, em poder e abrangência, não justifica a existência do Estado como o conhecemos hoje. O Estado atual cria instituições com o objetivo de preservar a si mesmo, levando-o a limitar a liberdade dos indivíduos de muitas maneiras, principalmente por meio da coerção econômica.

Numa sociedade plenamente liberal, indivíduos estabeleceriam um conjunto de princípios que deveriam ser fiscalizados por uma instituição criada exclusivamente para isso. Antes que digam que isso é uma utopia, lembro-lhes da história dos Estados Unidos da América – “um punhado de fazendeiros escrevem uma constituição tão perfeita que parece obra de um milagre”, como já disse Helio Beltrão em palestra. Uma constituição que se baliza na preservação da liberdade!

Dahrendorf resume: “Nossas conclusões sobre o Estado são de que justifica-se a existência de um Estado Mínimo, limitado às funções estreitas de proteção contra a força, furtos, fraudes, aplicação dos contratos e assim por diante; e que qualquer Estado mais extenso, que possa violar os direitos das pessoas em não serem forçadas a fazer certas coisas, não se justifica”; o que remete, num contexto econômico, às palavras de Milton Friedman em seu livro Capitalismo e Liberdade: “(…) a organização de atividade econômica através da troca voluntária presume que se tenha providenciado, por meio do governo, a necessidade de manter a lei e a ordem para evitar a coerção de um indivíduo por outro; a execução de contratos voluntariamente estabelecidos; a definição do significado de direitos de propriedade, a sua interpretação e sua execução; o fornecimento de uma estrutura monetária”.

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