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O que Marina Silva não sabe (ou ignora) sobre trabalho escravo
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Por Luan Sperandio, publicado pelo Instituto Liberal

Em uma de suas raras aparições ao debate público nacional, Marina Silva criticou a portaria nº 1129 do Ministério do Trabalho. No seu entender, o ato normativo enfraquece o conceito de trabalho escravo previsto no artigo 149 do Código Penal, acusando o presidente Michel Temer de “colocar a dignidade humana como moeda de troca”, em referência à busca por apoio políticoperante a denúncia contra Temer na Câmara.

Dias após as declarações, o partido de Marina, a Rede, conseguiu junto ao STF a suspensão da portaria, que agora terá seu mérito analisado pelo plenário da Corte. De fato, a portaria possui problemas – não abordados pela presidenciável, vale dizer –, como centralizar na figura do Ministro do Trabalho a possibilidade de divulgação da “lista suja” de empregadores acusados de manter trabalho escravo, além de se tratar de mera portaria (pelo teor, tecnicamente o melhor seria por legislação federal). Entretanto, a iniciativa possui maiores pontos positivos que negativos.

Ao regulamentar alguns conceitos em relação ao crime de condições análogas à de escravo, o objetivo do ato normativo é tornar regras mais objetivas a fim de coibir eventuais arbitrariedades de agentes da Administração Pública. Ela se faz necessária, pois grande parcela das denúncias de trabalho escravo não tem nada que a Organização Internacional do Trabalho ou as leis da maioria dos países entendem como tal. Ademais, mais de 90% das denúncias a empresários que, supostamente, mantêm regime de trabalho análogo ao de escravidão são, ao final do processo, inocentados criminalmente. Uma legislação em que a grande maioria dos processos denunciados não são considerados, a cabo, crime, é obviamente problemática – e a portaria busca resolver exatamente essa questão.

Essa discrepância entre a quantidade de denúncias e as efetivamente julgadas procedentes ocorre porque duas das 4 hipóteses da legislação brasileira para ser configurado o crime em questão eram, antes da portaria, bastante subjetivas. Em relação a haver restrição de saída no local de trabalho e ser mantido mediante dívidas com empregadores, não há qualquer dúvida, mas grande parcela das imputações a trabalho escravo se refere a serviços precários em ambientes insalubres e jornadas exaustivas de trabalho – cláusulas abertas e gerais, que dependem fortemente da interpretação do agente.

Dessa forma, há casos tratados como análogos à escravidão pela fiscalização cujos empregados tinham condições muito melhores que as vividas por Marina Silva no período em que foi seringueira: carteira de trabalho assinada, plano de saúde, 13º salário, férias e salário base suficiente para colocá-los entre o quinto de maior renda entre os brasileiros. Até mesmo a distância entre a cama e o teto em que o empregado dorme poderia determinar que aquele emprego precário era semelhante à escravidão.

Ao conceituar juridicamente os termos “trabalho forçado”, “jornada exaustiva”, “condição degradante” e “condição análoga à de escravo”, a portaria diminui a insegurança jurídica para que violações à legislação trabalhista não sejam tratadas como caso de polícia.

Apesar de ter criticado a portaria por nota, quem coaduna com o entendimento de que um mero trabalho ruim não é o mesmo que análogo à escravidão é a própria Organização Internacional do Trabalho. Em um de seus mais relevantes trabalhos, o Relatório Global sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, consta que

“O trabalho forçado não pode simplesmente ser equiparado a baixos salários ou a más condições de trabalho. Tampouco cobre situações de mera necessidade econômica, por exemplo, quando um trabalhador não tem condições de deixar um posto de trabalho devido à escassez, real ou suposta, de alternativas de emprego”.

A portaria em questão aproxima a legislação brasileira deste entendimento da OIT e de legislações estrangeiras. A americana, por exemplo, define trabalho escravo como aquele realizado mediante ameaça; a alemã é um pouco mais abrangente, considerando que a submissão de estrangeiros ou menores de 21 a trabalho ilegal também é configurado como análogo à escravidão. Definições muito menos abrangentes que o considerado pelo ordenamento jurídico brasileiro, mesmo com a portaria – que segundo Marina diminui o conceito de trabalho escravo.

Vale ressaltar que, embora o estardalhaço talvez leve a crer que milhares de indivíduos deixarão de ser amparados por proteção legal em relação à escravidão, pela legislação anterior à portaria  73 trabalhadores foram resgatados de trabalho escravo entre janeiro e setembro de 2017.

Outra questão que talvez ignore a presidenciável é o que acontece após resgatados de trabalho escravo. Segundo Luiz Machado, coordenador do Programa de Combate ao Trabalho Forçado da OIT, as vítimas não costumam enxergar seu labor como algo compulsório, mas ficam agradecidas após receberem pagamentos de direitos trabalhistas violados e seguro-desemprego especial para resgatados e prioridade na fila do Programa Bolsa Família. Entretanto, “quando a indenização acaba, os escravos libertados descobrem que os fiscais os transformaram em dependentes de programas assistenciais e geralmente acabam encontrando trabalhos semelhantes aos anteriores”.

Em suma, apesar da costumeira barulheira em redes sociais e das críticas de Marina Silva, a portaria é benéfica ao conferir maior segurança jurídica. Inclusive, diminuindo possibilidades de corrupção, ao suprimir a subjetividade e poder de decisão na mão do agente fiscalizador, uma questão já criticada por Nelson Mannrich, presidente honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.

Há instituições como o Ministério Público do Trabalho que continuarão fiscalizando e protegendo trabalhadores que, infelizmente, em pleno século XXI, sofrem com privações de liberdade e ameaças em seu labor. E o órgão continuará atuando em busca de irregularidades da legislação trabalhista vigente, que é o seu papel.

Em meio a isso, a porta-voz da Rede Sustentabilidade, como presidenciável que é, deveria sair de seu exílio e ser voz mais ativa no debate público, se preocupando em emitir opiniões melhor embasadas em fatos, dados e sem tons alarmistas.

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