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O samba do gigante doido
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A Beija-Flor, campeã pela décima-terceira vez (número maldito!) na Sapucaí, desfilou sob um misto de aplausos e vaias no desfile das campeãs, após a polêmica de seu samba-enredo patrocinado por uma ditadura africana ganhar as redes sociais. O diplomata da Guiné Equatorial tentou mais uma desculpa esfarrapada e disse que o dinheiro veio de um “fundo cultural”. Já é a quinta versão “oficial” para explicar a grana que o regime ditatorial, que persegue e mata dissidentes, doou para a escola de samba.

Quando saiu o resultado com a Beija-Flor vencedora, também desabafei em minha página do Facebook:

Nosso carnaval está totalmente prostituído também. Money talks, bullshit walks. E o dinheiro, no caso, vem de uma ditadura cruel africana, camarada do PT, como não poderia deixar de ser. Mas quem liga, não é mesmo? O brasileiro anda tão anestesiado e indiferente a valores éticos que se um partido Nazista financiasse uma escola de samba, a desfilar com suásticas estampadas, nada faria diferença…

Os “memes” logo tomaram conta da internet. O Estado Islâmico seria o próximo tema da Beija-Flor, ou então a Coreia do Norte. Mas, apesar de eu ter todo o motivo para tal desabafo, algo começou a ficar mais claro com o tempo: muitos outros se mostravam irritados de forma bastante seletiva. Eu já não curto muito o carnaval por vários motivos, entre eles o fato de ser um espetáculo bancado por bicheiros e políticos. Sobre o assunto, recomendo o ótimo livro de Alexandre Fraga, Oeste, que retrata a realidade por trás da atividade ilícita em forma de thriller de cinema.

Além dos patronos serem do jogo do bicho, não foi a primeira vez que uma ditadura financiou uma escola de samba. Quem esqueceu a Venezuela de Chávez dando dinheiro para a Vila Isabel em 2006, cujo tema foi Simón Bolívar? E é aqui que gostaria de chegar: na hipocrisia de muitos que se revoltam sempre de forma bastante seletiva. São os que se mostram horrorizados com o ditador africano dando dinheiro para a Beija-Flor, mas não acham nada de mais em uma bateria homenagear o porco assassino Che Guevara, ou o próprio governo brasileiro enaltecer a ditadura cubana.

João Luiz Mauad, escrevendo para o Instituto Liberal, já saiu em defesa da Beija-Flor, ou, para ser mais preciso, contra essa hipocrisia de muitos brasileiros. Ora, se o próprio governo brasileiro mantém laços com tal regime, se o BNDES empresta nosso dinheiro para tiranos, então fica um tanto contraditório exalar tamanha revolta por conta de apenas mais um caso de relações afetivas entre ditadores e “pão & circo” nacional.

Sejamos lógicos e sinceros: escola de samba sempre foi financiada por dinheiro de contravenção, e agora estamos apenas exportando “serviços” para os africanos sob uma ditadura. A pergunta que gostaria de deixar no ar para a reflexão do leitor é: se fosse dinheiro de Cuba, haveria alguma investigação? Será que iria gerar a mesma revolta? Por que, então, o duplo padrão moral? Por que certas ditaduras podem, e outras não?

Menos compreensível ainda é ver a crítica partindo do lado esquerdo do espectro político. Os “intelectuais” que sempre defenderam o PT ficaram com crise de consciência moral da noite para o dia? Mas para o PT, líder sempre foi sinônimo de ditador, tanto é que Fidel Castro é uma espécie de guru para essa turma, assim como Chávez foi. Por que, então, quem votou em Lula e em Dilma se mostraria incomodado com uma ditadura africana bancando nosso Carnaval?

Se é pela mistura entre público e privado, então por que essa gente não ficou revoltada quando o filme “Lula, o filho do Brasil” recebeu polpudas verbas públicas? O que podemos notar é que muitos ignoram princípios, regras éticas igualmente válidas para todos, e mudam o discurso de acordo com quem será atacado. Isso é hipócrita. É relativismo moral. É a marca da nossa esquerda.

O mesmo “gigante” que fica irritado com a ditadura africana se metendo em nosso samba não liga para a postura relativista de nosso governo na diplomacia internacional. Um leitor do GLOBO de hoje capturou bem o espírito da coisa:

diplomacia

A Venezuela de Maduro segue intensificando o cerco aos opositores do regime, transformando a “democracia” cada vez mais numa clara ditadura. Mas o que o governo de Dilma faz? Diz que não se mete em “assuntos internos” do país vizinho, que ainda julga ser uma democracia. Para os “camaradas”, tudo; para os outros, a seletiva revolta ética. Santa hipocrisia, Batman!

Em sua coluna de hoje, Ricardo Noblat desmontou justamente a farsa de nosso “anão diplomático”. Trouxe à memória do leitor alguns casos que mostram as medidas incoerentes do Itamaraty sob o PT:

Novos embaixadores de outros países estavam reunidos no Palácio do Planalto para apresentar suas credenciais a Dilma. Pela ordem, o primeiro deles seria o embaixador da Indonésia. Uma vez cumprido o rito, o embaixador desceria a majestosa rampa do palácio, entraria no seu carro e iria embora. Não foi o que aconteceu.

No último minuto, o ministro das Relações Exteriores do Brasil chamou o embaixador para uma conversa a sós. Comunicou que Dilma não receberia mais suas credenciais. O embaixador saiu humilhado pela lateral do palácio. A Indonésia foi humilhada na figura dele. E para quê? Para quê? Para Dilma parecer forte e aguerrida aos olhos dos seus governados? Pareceu estabanada, como sempre. Imprudente. Adepta de jogadas vagabundas de marketing.

Saca o Estado Islâmico – aqueles loucos que degolam e incineram pessoas? Pois é: Dilma já recomendou que se dialogasse com eles. A Venezuela deixou de ser uma democracia há muito tempo. Para fazer parte do Mercosul, um pais tem que ser democrático. Dilma faz de conta que ainda existe uma democracia na Venezuela, onde o governo prende e arrebenta a oposição e libera o Exército para que reprima manifestações à bala.

Na guerra entre judeus e palestinos, Dilma tomou partido dos últimos. E para que não restem dúvidas sobre isso, no ano passado chamou de volta o embaixador do Brasil em Israel. O Congresso do Paraguai depôs em junto de 2012 o presidente da República Fernando Lugo. Aí o Brasil juntou-se à Argentina e à Venezuela para suspender o Paraguai do Mercosul. Seis anos antes, na Bolívia, o presidente Evo Morales usou o exército para ocupar as instalações da Petrobras no país depois de ter nacionalizado a exploração de petróleo e gás. Mais tarde, dobrou o preço do gás vendido ao Brasil. O então presidente Lula nada fez. “Queriam que eu invadisse a Bolívia?”, debochou como de hábito. 

Na Era PT, definitivamente os interesses superiores do país deixaram de orientar nossa política externa. Cederam a vez à ideologia pessoal do governante da ocasião. Pobre barão do Rio Branco. Pobres de nós.

Sim, pobres de nós, brasileiros que ainda não perderam o juízo, que ainda conseguem manter o senso de proporção das coisas. Tanta revolta assim porque uma ditadura africana despejou dez milhões numa escola de samba, mas silêncio conivente com o “petrolão”, que desviou bilhões do nosso próprio dinheiro para os cofres do PT. Afinal, foi tudo culpa de FHC. Assim como o aquecimento global, minha dor nas costas e a extinção dos dinossauros. Tudo culpa de FHC!

O Brasil não é para amadores. É complicado entender os valores do povo, pois eles parecem tão maleáveis, flexíveis, seletivos. De vez em quando um modismo surge e leva a turba a expressar sua indignação com algum “malfeito” qualquer, mas no momento seguinte um escândalo bem maior, bem mais relevante para o futuro do país, passa despercebido, ignorado, relativizado. Parece o samba do gigante doido. O Brasil cansa…

Rodrigo Constantino

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