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Por que 2016 foi um ano definitivo?
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Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

O ano de 2016 foi tão intenso que 2015 parece ter sido em outra era, e aparenta ser bem menor em estatura e relevância. Assumindo esse “arrependimento”, ainda assim, corro o risco de dar a 2016 outro qualificativo superlativo, um tanto clichê, mas que creio verdadeiro: o de “ano definitivo”. “Risco” em termos; provável que ninguém veja exagero ao olhar para este ano nas páginas de futuros livros de História, reconhecendo que, quer para o Brasil, quer para o mundo, quer para ambos, ele foi o palco de importantes definições – ainda que, paradoxalmente, assinalando o alvorecer de um período de incertezas.

Ao relembrar 2015, falava eu dos malabarismos sem caráter de Dilma Rousseff e dos petistas para se manterem no poder, após mais de uma década de mentiras e das mais infames ilusões. Estávamos no auge da revolta com a recessão, com o degringolar da economia, sentindo os efeitos de uma política econômica irresponsável e se fazendo acompanhar dos sobressaltos da Lava Jato – que nem sonhávamos estarem apenas em seu início. Fazia votos de que a manifestação do dia 13 daquele mês fosse colossal. O que naquele momento nos preocupava, nos desesperava, nos enervava, hoje já vemos, creio poder dizer, concluído.

Fizemos história. Ficará na memória o sucesso da nossa luta para remover a nossa governante mais inepta, mais infeliz, mais vergonhosa e desprezível. Uma mancha em nossa saga nacional já tão maculada; e, ainda assim, um de seus maiores momentos de glória. Compreendemos os que se lembrarão de 2016 como um ano amargo, um ano de sofrimento; há razões de sobra para isso. No mundo, de todo modo, estamos obrigados a conviver com essa contingência. Prefiro, porém, enfatizar a reação do povo brasileiro, que se abraçou, em considerável parcela, em verde e amarelo, nas maiores manifestações de sua História, despertando para a pressão organizada e para a luta pela sua bandeira. O governo lulopetista declarou guerra ao povo brasileiro; o povo aceitou a guerra, e a venceu. A era PT terminou em 2016, e isso jamais será pouca coisa. Vencemos, além disso, as esquerdas organizadas, que ensaiavam uma retomada dos protestos violentos de 2013, mas em momento algum conseguiram reproduzir a sua envergadura, exibindo-se merecidamente como a caricatura de palhaços de circo que são.

Falava também, naquele começo de ano, da transformação de Leonel Brizola em Herói da Pátria e dos projetos nefandos para a Educação; infelizmente, do ponto de vista cultural, educacional e artístico, há ainda muita batalha a travar. Nosso país segue degenerado em referências, fabricando militantes e socialistas adestrados. Essa realidade não nos abandonou. Mas o despertar intelectual de liberais e conservadores e a ação de movimentos populares demarcou seu campo; nossas ideias avançaram no mercado editorial. A luta está acontecendo, onde antes ela se restringia a meia dúzia de mentes isoladas em meio a um mar inóspito. Não é isso alvissareiro? Não pode 2016 ser um marco de um novo começo?

O zika vírus era também uma preocupação àquela altura, bem como as Olimpíadas no Rio de Janeiro, o maior evento esportivo da história brasileira; com todos os pesares, com os jogos se avizinhando de uma agonia que ainda teria novos capítulos, mais adiante, com a exposição da calamidade financeira desse estado em que nasci e cresci; com a violência que infelizmente nos acua; com a cerimônia de abertura dando pouca importância aos nossos ancestrais italianos e alemães; as competições, ao fim das contas, transcorreram bem. Sob diversos pontos de vista, as Olimpíadas foram um sucesso, depois de terem sido alvo de todo gênero de zombaria. Afinal de contas, de festa, nós entendemos; isso não apaga os investimentos financeiros em momento inoportuno e todo o cenário de terra arrasada com que o espetáculo de cores e alegria esfuziante acabou contrastando. Por outro lado, no campo simbólico, podemos capturar a intensidade desse sucesso e entusiasmo para as esferas em que manifestamos nossas mais profundas carências; podemos ver nesses jogos a prova de que, com tudo parecendo perdido, somos capazes de ir mais longe e fazer melhor. Basta efetivamente querermos e agirmos, como sociedade, como nação.

Motivo de orgulho nacional já era, também, a Operação Lava Jato. Ao longo do ano, aterrorizando com o fervor da justiça as maiores autoridades do país, as investigações, que vão bem além da figura admirável de Sérgio Moro, já de há muito desmontaram as narrativas que, àquela altura, insistiam em taxá-las de seletivas. Estamos nos despedindo de 2016 tendo assistido à queda de uma presidente da República e de um presidente da Câmara dos Deputados, à queda de vários ministros indicados pelo governo interino e definitivo do peemedebista Michel Temer, e com um acordo de delação com a poderosa empreiteira Odebrecht que periga atingir figuras proeminentes de todos os partidos, avançando sobre todas as lideranças típicas da nossa assim chamada Nova República.

Embora em um cenário de legítima tensão e contestação ao nosso sistema político, com figuras de relevo nos poderes republicanos, notadamente agora do Legislativo e do Judiciário, se digladiando, e lideranças do sistema tentando golpear a Lava Jato – e com o STF, a instância máxima da nossa Justiça, procurando, em diversas circunstâncias, legislar perigosamente como uma espécie de “vanguarda iluminista” a passar como trator por cima dos poderes representativos –, o naturalmente impopular governo Temer tenta ao menos, ainda que forçado pelas circunstâncias (como o foram, aliás, a maioria das melhores coisas que o Brasil já logrou estabelecer, a exemplo do Plano Real) e com aspectos questionáveis, pautar reformas estruturais que podem aliviar nossa realidade ainda desestimulante e de altíssimo desemprego. A PEC do teto dos gastos públicos triunfou sobre o barulho das esquerdas – mas precisa vir acompanhada de uma redução efetiva do gasto atual. Já se tentam ventilar a Reforma da Previdência e a Reforma Trabalhista. Ouve-se falar em tentativas dos parlamentares, em comissões legislativas, de colocar em discussão temas como o voto facultativo e até, pasmem, o fim do imposto sindical obrigatório. Estará o Brasil finalmente pretendendo abandonar o Estado Novo de Getúlio Vargas? O governo atual sobrevive às reviravoltas que virão? Se não sobreviver, essas reformas persistirão? É o que queremos conferir nos meses por vir, que prometem muitas emoções.

Ufa. Tudo isso só sobre o Brasil! E certamente deixamos muita coisa de fora, como, esta sim, uma nota muito triste: o acidente com a equipe de futebol e dirigentes da Chapecoense, além de jornalistas esportivos, na Colômbia. Ainda assim, nessa nota triste, um motivo de alento: a homenagem maravilhosa e emocionante dos colombianos, que deixaram, não apenas aos brasileiros e ao esporte, mas ao mundo, um exemplo notável de solidariedade e empatia.

E quanto ao mundo? 2016 foi o ano em que uma elite midiática e intelectual, que vinha cultivando agendas politicamente corretas e louvando um “globalismo artificial”, proponente de um liberalismo fingido – em verdade, um intervencionismo utópico de perigosas consequências -, viu suas certezas absolutas golpeadas diante da crise europeia de refugiados, da guerra polarizada na Síria e dos atentados terroristas constantes a acirrar os ânimos. Depois de muito tempo de domínio desse tipo de projeto covarde e pusilânime, sem disposição de sustentar a herança ocidental, a resposta veio em figuras que abdicaram dos protocolos e falaram grosso contra esse estado de coisas – nem sempre, talvez, na dose certa, mas falaram. Foi o ano da ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Na Europa, desenha-se cada vez mais a ascensão de movimentos e partidos – alguns mais liberais, outros de um nacionalismo populista que costuma flertar com o autoritário mandatário russo Vladimir Putin – que questionam as determinações da União Europeia. O Reino Unido iniciou o Brexit – a saída do bloco. Há quem, na França e em outros países, deseje o mesmo. Há uma razão para tudo isso estar acontecendo, e somos os primeiros a comemorar que o “mundinho cor de rosa” das esquerdas e do Partido Democrata americano feneça; mas, pessoalmente, também me alinho às incertezas, pois a reação a uma força maligna nem sempre é, por isto apenas, benigna em si mesma. Acompanharemos as transformações na Ordem Mundial, a essa altura aparentemente irresistíveis, com bastante atenção e ansiedade. Teremos uma revivescência de patriotismos saudáveis, ou uma derrogação das relações eficazes de mercado e uma atração perigosa por autocracias populistas “a la” Putin? E a ONU? Continuará a depreciar Israel com decisões esdrúxulas? Que fim terá o derramamento de sangue em Aleppo e na Síria, que, dividindo as grandes potências, levou alguns a destemperadamente aventar uma possível guerra mundial no ano que vai terminando? Mais para perto de nós, e a tirania venezuelana de Nicolás Maduro, agarrado a um socialismo tacanho, por quanto tempo ainda se conseguirá impor em um quadro de verdadeiro desastre humanitário, quando o até então bem-sucedido Foro de São Paulo vai sofrendo sucessivas reações continente afora? O que aguarda Cuba após a morte do icônico ditador assassino Fidel Castro? E o Mercosul, que importância terá em um mundo de variáveis tão nebulosas, depois de todas as merecidas contestações que vem sofrendo?

Isso foi 2016. Isso e muito mais. Acompanhamos todos esses fatos enquanto, ao mesmo tempo, vivemos as dificuldades – e sublimidades – de nossas próprias vidas particulares. Nós, brasileiros, particularmente podemos dizer que, neste ano, fomos atores diretos da História. Com nosso clamor nas ruas, participamos da feitura de alguma coisa. Muito mais elementos estiveram em jogo, em nosso país e no mundo, porém, que estão acima de qualquer uma de nossas forças. A História segue, e seus rumos gerais permanecem insondáveis. O que nos resta é seguir na nossa eterna vigilância, nos encaixar em sua fluidez incognoscível, decidir nosso papel o quanto formos capazes e, dentro disso, dar significado às nossas vidas; na nossa intimidade, pequenos e finitos, mas dignificando nossos valores, opções e relações afetivas, podemos fazer da nossa pequenez uma autêntica grandeza.

Que assim seja o seu 2017, independentemente de qualquer coisa. E que continuemos juntos. Feliz ano novo!

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