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Problema não é quantidade de partidos, mas financiamento público da campanha
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O ataque aos “partidos nanicos” continua, mais como mecanismo de defesa da cartelização pelos grandes do que como preocupação legítima com a tal governabilidade. Em sua coluna de hoje na Folha, o senador Aécio Neves, autor de proposta de cláusula de barreira, defende a medida, menciona o objetivo de muitos “partidos” que encaram a legenda como negócio, mas de forma espantosa não parece capaz de fazer o elo entre essa postura e a existência de um prêmio estatal para quem consegue criar um novo partido:

A intenção é caminharmos para uma representação política mais próxima do que espera a sociedade e proporcionar melhores condições de governabilidade para o país. Tal como é hoje, não conseguimos nem uma coisa nem outra.

O Brasil tem atualmente 27 partidos representados no Congresso, 35 registrados na Justiça Eleitoral e mais 58 na fila aguardando pela regularização. O que explica isso? O simples fato de a proliferação de legendas ter se tornado em alguns casos um rentável negócio.

Siglas sem nenhuma representatividade, sem qualquer ideologia que as legitimem, são fundadas com propósito único de obter um naco das verbas públicas destinadas no Orçamento da União para custear o funcionamento dos partidos políticos.

Para o senador tucano, o “divórcio” entre governantes e governados tem sua raiz na quantidade excessiva de partidos, não nos privilégios dos governantes, na bolha que criaram em Brasília, na falta de sintonia entre suas pautas “progressistas” e aquilo que o povo efetivamente demanda.

E para Aécio Neves, a solução é impedir os partidos menores de chegar lá, preservando assim as vantagens para aqueles já estabelecidos, que controlam grotões país afora. Ele reconhece que essas siglas estão de olho nas verbas públicas, mas pasmem!, nem passa pela sua cabeça acabar com tais verbas, como solução para o problema.

Na mesma linha vai o editorial do GLOBO de hoje:

Diante da falta de normas equilibradas, assim como funcionou uma indústria de criação de municípios — desativada em parte —, criou-se uma linha de montagem de partidos. O acesso ao Fundo Partidário aberto a qualquer legenda atraiu espertalhões — alguns aparecem no chamado programa eleitoral, em TV e rádio, que nada tem de gratuito. Antiga reportagem do GLOBO calculava que um partido desses, de aluguel, poderia receber, mesmo sem qualquer eleito, algo como R$ 60 mil mensais.

Um ótimo negócio. Que se tornou melhor ainda com a chegada do lulopetismo e seu fisiologismo sem medidas. É o que se confirma agora em delações à Lava-Jato: havia leilões de compra de tempo de TV dessas legendas nanicas, sem qualquer vínculo com algum projeto de poder. O objetivo é o assalto ao Tesouro. O lulopetismo serviu de chave do cofre.

Mas já passou da hora de mudar, retomando a antiga proposta de uma cláusula de desempenho, para que partidos sem votos suficientes deixem de ter acesso ao Fundo Partidário e ao chamado horário gratuito etc. Além de acabar com as coligações proporcionais que levam às Casas legislativas gente eleita por quem não a conhece. O projeto passou pelo Senado e está na Câmara.

Ou seja, o jornal reconhece, como Aécio, que o negócio é meter as mãos nos recursos públicos, mas nem sequer aventa a possibilidade de retirar tais benefícios, para desincentivar os esquemas dessas legendas de aluguel. É um espanto!

O deputado socialista Chico Alencar, que escreveu o contraponto, quem diria?, quer impedir a cláusula de barreira, que chama de “cláusula de caveira”. Claro, sem ela seu PSOL iria afundar. Mas não importa que seja puro interesse: ele toca nos pontos certos. O socialista defende inclusive o fim dos recursos públicos que, na prática, estatizaram os partidos. Uma bandeira à contramão do que costuma pregar a esquerda, sempre pedindo “financiamento público de campanha”, ou seja, mais ainda. Diz Alencar:

Sim, há excesso de legendas no Brasil. Elas não expressam tanta diversidade de correntes de opinião na sociedade. Mas a depuração dessa pletora de siglas não pode ser feita de cima para baixo, pelo “clube do condomínio do poder”. A seleção precisa ser natural, definida pelo detentor da soberania: Sua Excelência, o(a) eleitor(a). Barreiras já existem: não é fácil sequer a eleição de vereador em pequenos municípios; há restrição à participação de candidatos em debates.

[…]

Há partidos de aluguel que mercantilizam seu tempo de TV e rádio nas campanhas eleitorais. Pois que se aprove, para já, e não só para 2020, o fim das coligações nas proporcionais! Isso seguramente decantará o quadro político. Há “nanicos” que se vendem porque há fortes ou médios que os compram, em espúrias negociatas. Grandes legendas, impregnadas de fisiologismo, sofrem de nanismo moral. É a “peemedebização” da política.

E tem grana nessa história! O Fundo Partidário, como o imposto sindical, devia ser paulatinamente extinto, para que os partidos só dependessem da contribuição cidadã dos seus adeptos. Mas a cláusula não diminuirá o farto montante de R$ 819 milhões do Fundo. Ele será redistribuído entre os dominantes, que abocanharão 25% a mais. A PEC abre também a janela da infidelidade, para que os eleitos por partidos menores migrem para o “clube dos 11” sem sanções.

Eis a única solução legítima: acabar com o fundo partidário, com o horário gratuito, e deixar os partidos se financiarem com recursos voluntários da população e das empresas. Mascarar o objetivo de criar um cartel político bancado com nossos impostos com o discurso de “governabilidade” é puro engodo, como João Dionísio Amoedo, do Partido Novo, já argumentou para o blog:

A PEC que introduz a cláusula de barreira é mais uma medida feita para atender os interesses de alguns partidos e não do cidadão brasileiro.

O NOVO é contrário ao estabelecimento de qualquer cláusula de desempenho. Ela só se justifica pela existência de privilégios aos partidos políticos. O correto seria a extinção de benefícios, como o fundo partidário e o horário eleitoral, tornando assim desnecessária qualquer cláusula de barreira.

Portanto, e apenas a titulo de exercício, se a proposta do senador Aécio Neves (PSDB) e do deputado Ricardo Ferraço (PSDB) tivesse de fato boas intenções – e não apenas o desejo de reduzir a concorrência e aumentar a fatia do fundo partidário e do tempo de tv dos maiores partidos – as propostas da PEC deveriam:

– eliminar o fundo partidário e o tempo de tv de partidos que não atingissem uma votação mínima, e não transferir a parcela do fundo e do tempo para os demais partidos.

– manter o funcionamento parlamentar de todos os eleitos 

– estabelecer o prazo para o alcance da votação mínima diferente para cada partido, levando em consideração o tempo de existência de cada agremiação.

O eleitor brasileiro quer uma melhor representatividade no Congresso e ver menos recursos, ou preferencialmente nenhum, oriundos dos seus impostos indo para o cofre dos partidos. Recursos estes que são utilizados para compra de helicópteros, aluguel de jatinhos e pagamento de caipirinhas (https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2017/03/12/fundo-partidario-banca-de-jatinhos-a-contas-pessoais.htm). 

Contudo, nada disso será resolvido com a PEC proposta.

O problema apontado pelos autores do projeto existe. Temos “partidos” demais, sem fidelidade programática, sem representatividade. Mas a solução não é fechar ainda mais o sistema, privilegiando aqueles já estabelecidos numa espécie de oligopólio partidário. E sim ter mais concorrência, desde que livre, ou seja, calcada em recursos obtidos voluntariamente no “mercado político”. Eis o que preserva a representatividade do eleitor.

Rodrigo Constantino

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