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Quarenta
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Cruzei o Rubicão. Entrei na “turma dos enta”, de onde só se sai se completar um século de vida. Até os 12 temos a infância, e a minha foi, felizmente, muito boa. Depois temos a adolescência, os anos “teen”, nos quais sonhamos os sonhos impossíveis – no caso, seria um baterista de rock mundialmente famoso.

Aí vem a juventude, a década dos 20, onde a curtição com aquela sensação de invencibilidade se mistura ao esforço necessário para se destacar profissionalmente (quando se foi bem educado e não um petista). Aqui, pulei etapas, e o casamento veio precoce, como tudo mais. A maturidade, então, se impôs.

Casado aos 24, com filha aos 25, e o primeiro livro lançado aos 28, não dava mais para bancar o enfant terrible; preferi o jazz e o charuto para dar aquele ar de seriedade, e tomei gosto pela coisa. Desde então, não parei mais. A bateria deu lugar à biblioteca, paixão um tanto tardia quando vejo meus autores preferidos comentando sobre sua obsessão por livros já na tenra idade.

Aliás, se escrevo essa mini biografia é porque João Pereira Coutinho também o fez em sua coluna na Folha, e descobri, para meu alívio, ser ele um mês e três dias mais velho do que eu. Se fosse o contrário eu entraria em depressão, confesso, pois o gajo, pela bagagem cultural e o estilo, parece ao menos ter a idade de meu avô, com todo respeito e admiração. Talvez, se eu tiver mais 40 anos pela frente, possa acumular seu estoque de conhecimento e sabedoria…

Quarenta. A idade pesa? Um pouco. Mas nem tanto. Perco aquele efeito surpresa em alguns leitores, que julgam-me ao menos uns 10 anos mais velho pelo que escrevo, e ficavam impressionados quando lhes dizia ter trinta e muitos. Agora posso dizer: quarenta. Acho que passa mais credibilidade. Talvez seja mais condizente com minha idade espiritual. Foi aquele maldito jazz com charuto enquanto lia Schopenhauer depois de colocar a filhinha para dormir, tenho certeza!

O tempo passou, outros livros foram lançados, mais livros ainda foram devorados em ritmo alucinante, e várias mudanças ocorreram em minha vida. O que era hobby virou profissão, e o mercado financeiro foi abandonado, com algum receio e a chance de ficar rico. Hoje ficou a nostalgia, e a certeza de que, ao menos do ponto de vista material, a alternativa seria melhor: nada é mais complicado do que ser escritor no Brasil. Bem, talvez policial honesto ou professor sério. Duro é ainda escutar os esquerdinhas me acusando de “capitalista ganancioso insensível”, mas sabemos que eles só nos atacam como projeção freudiana diante de um espelho, então deixa pra lá.

Não posso reclamar de nada. O novo trabalho me deu e me dá muito prazer, orgulho, cheguei a todos vocês graças a ele, e me sustento de forma decente, com um bom padrão de vida. Também me deu a flexibilidade de realizar um sonho antigo, que era morar nos Estados Unidos, essa grande nação que, ironia das ironias, faz aniversário no mesmo dia que eu! Sim, como não ser um americanófilo defensor das liberdades individuais? Era destino, e com ele não se brinca. Born in 4th of July de 1976, exatos dois séculos após a Independência Americana. God bless America, land of the free and home of the brave!

E de tudo que vem à mente nesses momentos sentimentais, a felicidade por saber que venho lutando a boa luta, que posso dormir tranquilo com a consciência limpa, que o PT finalmente foi apeado do poder (mas ainda precisa ser enterrado junto ao petismo, o que falta muito), que recebo o carinho de milhares de leitores, o mais importante, sem dúvida, é a família. E nisso dei muita sorte.

Com minha esposa, após alguns anos de contratempos (casamos cedo demais), cá estamos, mais fortes do que nunca, construindo essa nova etapa da vida em solo distante de nosso país, com uma filha maravilhosa, que é o orgulho do pai (já detona as amigas feministas com argumentos sólidos e tudo!). Meus pais me deram tudo que tenho, meus valores, minha sensibilidade, minha vontade de lutar por justiça, o rigor ético, amor e carinho. Meus irmãos são nota dez, e a confiança entre nós não tem preço. É isso que importa nessa vida. É o que fica.

Quarenta, e já falo como se fossem oitenta, ou noventa. É o espírito reclamando seu direito de se impor sobre o corpo ainda um tanto jovem (e mais fino graças às corridas diárias). A alma é de velho, dizem meus amigos, com toda razão. Mas eles sabem que há também em mim o lado jovial, até mesmo a criança, o adolescente, que outro dia mesmo quase pediu emprestada a bateria do garoto na praça de Weston para matar as saudades (para a sorte da minha filha, desisti da ideia e a poupei da imensa vergonha).

Compartilho algumas intimidades com vocês porque acho que esse talvez seja meu maior diferencial. Vejo um bando de formador de opinião que fica “metido”, distante, esnobe, como se fosse a última coca-cola do verão só porque adquiriu alguma fama. Bullshit! São vaidosos demais da conta, e o ego atrapalha bastante. O que faço de razoável é justamente dar voz a muita gente, e por isso esse elo é fundamental. A todos vocês, que são a razão de minha esperança em nosso país (que às vezes some, admito), só tenho a agradecer. E prometo continuar nessa batalha enquanto for possível, enquanto tiver fôlego e condições, e enquanto houver demanda pelo que penso e escrevo.

Os quarenta foram só o começo. Se Deus quiser e a saúde permitir, vêm muito mais por aí…

PS: Um dos momentos mais felizes do dia foi quando a senhora do caixa do Publix pediu minha identidade ao comprar vinho. Como assim?! A idade mínima para beber aqui é 21 anos! Ela poderia ter algum problema de vista, é verdade, e de fato usava óculos. Mas fiquei envaidecido. E, modéstia às favas, pareço mais jovem mesmo: ninguém me dá mais do que 39 anos!

Rodrigo Constantino

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