• Carregando...
Quem nasce para Lula nunca chega a Sócrates…
| Foto:

Entre as várias características que dividem os revolucionários dos conservadores está o grau de respeito conferido às leis e aos costumes estabelecidos na sociedade. O espírito revolucionário costuma ser mais rebelde, autocentrado, subjetivo e, portanto, não demonstra muito apreço pelas regras vigentes. Já o espírito conservador tende a ser mais sereno, realista, resignado. O primeiro quer “transformar o mundo” à sua imagem e semelhança, o segundo prefere aceitar o mundo como ele é, sem grandes pretensões de criar um novo do zero.

Quando o assunto são as leis que vigoram na sociedade, assumindo, naturalmente, não se tratar de uma tirania arbitrária como a Venezuela, os revolucionários vão agir de forma mais desrespeitosa, pois as leis podem ser consideradas “injustas” ou “inadequadas” e, afinal, seu processo de formulação não é tão diferente da fabricação de salsichas. Já o conservador vai reclamar das leis que julga incorretas, mas vai acatá-las e tentar mudá-las gradualmente, dentro do próprio processo legal.

A frase do revolucionário Thomas Jefferson, que chegou a se empolgar com a Revolução Francesa, ilustra bem o espírito rebelde e libertário: “Se uma lei é injusta, um homem está não apenas certo em desobedecê-la, ele é obrigado a fazê-lo”. Resta definir, claro, o que será considerado injusto, como, e por quem. E eis o perigo revolucionário: cada um terá seu próprio conceito de justiça, e poderá usar essa máxima para simplesmente viver à margem da sociedade, ignorando todas as leis que desgostar. Alguns podem até transformar traficantes em heróis!

Já o espírito conservador não encontra melhor exemplo do que em Sócrates. O filósofo foi acusado de “corromper as crenças da juventude”, foi julgado, e acabou sendo condenado, apesar de apresentar sua defesa calcada em argumentos sólidos. Ainda assim decidiu acatar a decisão, que considerou injusta. Quando seu amigo se ofereceu para ajudá-lo numa fuga, Sócrates rejeitou o plano, preferindo enfrentar a punição com dignidade. Fugir seria negar todas as vantagens que Atenas lhe ofereceu em vida. Tomou a cicuta, morreu para salvar o “império das leis”.

Montaigne comenta sobre o caso em seus Ensaios, no capítulo sobre a importância dos costumes e de não se mudar facilmente uma lei aceita:

Contudo essas considerações não impedem um homem de discernimento de seguir o estilo geral: antes ao contrário, parece-me que todas as maneiras insólitas e individualistas provêm mais de loucura ou de afetação pretensiosa que de razão verdadeira; e que o sábio deve, no íntimo, afastar sua alma da multidão e mantê-la com liberdade e poder para julgar livremente sobre as coisas; mas, quanto ao exterior, que ele deve seguir inteiramente as modas e comportamentos aceitos. A sociedade pública nada tem a ver com nossos pensamentos; mas o restante, como nossas ações, nosso trabalho, nossas fortunas e nossa vida própria, é preciso emprestá-lo e entregá-lo a seu serviço e às ideias comuns, como aquele bom e grande Sócrates recusou-se a salvar a vida pela desobediência ao magistrado, mesmo um magistrado muito injusto e muito iníquo. Pois é a regra das regras, e a lei geral das leis, que cada qual observe as do lugar em que está: “Devemos obedecer às leis de nosso país”.

Montaigne tinha tanto apreço por tal postura conservadora que chegou a mencionar a ideia inusitada do legislador dos turienses, Carondas, de que toda pessoa que desejasse abolir uma das velhas leis ou estabelecer uma nova se apresentasse ao povo com a corda no pescoço, para que, se a novidade não fosse aprovada por todos, ele fosse enforcado incontinenti. Ou seja, o ônus da prova estaria no reformista, no revolucionário, exigindo-se cautela e prudência a quem deseja “remodelar a sociedade”.

Tudo isso nos traz ao caso da narrativa petista, que tenta transformar Lula numa vítima de uma elite golpista que controla um judiciário corrupto. A mentalidade revolucionária permite esse tipo de tática, mesmo quando fica evidente que se trata de pura falsidade, de uma estratégia canalha de gente canalha. Mas a ideia revolucionária de que não devemos seguir as leis “injustas” serve aos interesses dos marginais nesse caso, como em tantos outros. Em seu editorial de hoje, a Gazeta toca no ponto, concluindo:

A reação diante de decisões judiciais das quais se discorda é uma boa medida do respeito que pessoas e instituições têm pela Constituição e pelo Estado Democrático de Direito. A julgar pelo que se tem dito até agora, o PT, infelizmente, não parece apto a passar no teste. Só nos resta esperar, caso a condenação de Lula seja confirmada, por um lampejo de lucidez em Porto Alegre na quarta-feira.

Existem várias leis que eu detesto, no Brasil e mesmo aqui nos Estados Unidos. Há leis que julgo absurdas até. Mas tenho orgulho de dizer que sou um “law-abiding citizen”, ou seja, um cidadão cumpridor das leis, que sequer tem uma multa de trânsito. É claro que existem gradações. É claro que podemos pensar em casos de reductio ad absurdum, como uma lei que obrigue todos a parar de respirar, ou a entregar judeus para nazistas. Nesses casos extremos parece evidente que a única alternativa é aquela recomendada por Jefferson.

Mas o conservador vai “pecar” por excesso de cautela, e se viver num país minimamente democrático e republicano, certamente vai valorizar o “império das leis”, mesmo quando não apreciar uma ou outra. Ele consegue enxergar a floresta, não somente as árvores. Já os revolucionários vão olhar as árvores, vão pular de galho em galho de acordo com seus interesses momentâneos, com suas crenças subjetivas. E é por isso que a esquerda revolucionária e até alguns libertários defendem tantos marginais.

Sócrates, acusado injustamente, aceitou com dignidade o resultado e a severa punição de morte, sem desejar somente salvar a própria pele. Lula, condenado com provas, bandido chefe de quadrilha, procura agitar as massas manipuladas para intimidar os juízes, insinuar que Sergio Moro atende aos comandos da “elite golpista” ou da CIA, bancar a vítima e criar um clima de anarquia e caos social. Quem nasce para lagartixa nunca chega a jacaré. E quem nasce para Lula nunca chega a Sócrates…

Rodrigo Constantino

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]