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Recordar é viver: cuidado com a bolsa brasileira. Ou: Por que o CDI sempre bate o Ibovespa no longo prazo?
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Ao contrário dos economistas da Unicamp, não tenho problema algum com minhas previsões do passado. Claro que não acerto todas, o que seria impossível. Não tenho bola de cristal e o futuro é sempre incerto. É preciso ter humildade. Mas, munido de bons instrumentos como uma sólida teoria econômica, é possível fazer algumas previsões com mais convicção, em vez de errar por margens gigantescas como costumam errar os “keynesianos de quermesse”, aqueles que aplaudiram as medidas do governo Dilma e sua “nova matriz macroeconômica”.

Em maio de 2011, quando muitos ainda estavam eufóricos com o Brasil e o Ibovespa estava em torno dos 65 mil pontos, escrevi no Valor Econômico um artigo recomendando muita cautela com o investimento em ações, pois existiam inúmeros riscos à frente e a renda fixa (CDI) dificilmente perderia para a bolsa no longo prazo. Segue o texto abaixo:

O Ibovespa atingiu os 65 mil pontos em outubro de 2007. Mais de 40 meses depois, eis que o índice mais importante de ações brasileiras se encontra no mesmo patamar. No período, o CDI rendeu mais de 40% e a inflação subiu mais de 20%.

O investidor que decidiu assumir um risco de bolsa no final de 2007, mesmo com horizonte de longo prazo, não tem motivo para celebrar. Não só teve um custo de oportunidade elevado, como teve que aturar uma volatilidade de 35% ao ano!

Alguns podem argumentar que o Ibovespa não é o instrumento mais adequado, pois tem distorções, como o excessivo peso da Petrobras. Mas o IBr-X 100 apresentou desempenho idêntico no período. Dentro do Ibovespa há muita discrepância de desempenho, naturalmente. Algumas empresas subiram bastante, outras despencaram.

stock picking e o timing da entrada se mostram, como sempre, essenciais para o bom desempenho do investidor. Mas, em linhas gerais, a conclusão parece inequívoca: a bolsa brasileira está patinando há quase quatro anos.

O que pode explicar desempenho tão medíocre? De fato, o período engloba a grande crise de 2008, uma das mais graves da história financeira. Mas também conta com o forte rali de 2009, após maciça injeção de liquidez pelos principais bancos centrais do mundo. O índice de commodities CRB oscilou muito no período, e está praticamente no mesmo nível do começo.

O petróleo, que estava perto de US$ 90 por barril no final de 2007, desabou durante a crise, mas já voltou tudo e mais um pouco, passando da barreira dos US$ 100. Não obstante, a Petrobras, maior empresa brasileira, perdeu aproximadamente 25% de seu valor no período. Sem dúvida essa queda merece uma explicação especial.

A gigante estatal realizou em 2010 a maior capitalização da história do mercado de capitais brasileiro. Foram dezenas de bilhões de dólares para financiar seus agressivos projetos de crescimento. O mercado, entretanto, questiona a rentabilidade desses projetos.

Como a empresa pretende investir uma nova Petrobras nos próximos anos, a taxa de retorno desses investimentos é fundamental para analisar seu valor presente. Investimentos com baixo retorno, como aqueles destinados ao refino, prejudicam a geração futura de caixa, e os investidores punem as ações.

Além disso, há o grande risco político, com a intervenção do governo na empresa para manipular a inflação, ainda que isso signifique bilhões de prejuízo aos seus acionistas.

A Petrobras não foi o único dreno do Ibovespa. A Vale, maior empresa privada do país, perdeu mais de 10% desde outubro de 2007, apesar de o valor do minério de ferro ter quase triplicado nesse período. A Vale nunca ganhou tanto dinheiro, e mesmo assim suas ações patinam sem sair do lugar.

O risco político parece ser novamente o grande culpado aqui. O governo demonstrou apetite por maior ingerência na empresa, chegando a lutar abertamente pela demissão de seu CEO. Os investidores temem novas medidas arbitrárias que destruam valor para os acionistas. O anúncio de que a Vale teria interesse em investir em Belo Monte, feito pouco depois da saída de Roger Agnelli, produziu calafrios legítimos nos acionistas.

Outro setor importante da bolsa, o financeiro, apresentou desempenho pífio. Itaú, Bradesco e Banco do Brasil subiram, na média, algo perto de 10% nesse longo período, abaixo da inflação. Isso apesar de um crescimento estrondoso da carteira de crédito desses bancos.

Como o governo não fez reformas estruturais e os gargalos da economia continuaram intactos, o acelerado crescimento do crédito bateu nos dados de inflação. O governo resolveu apelar para medidas macroprudenciais, que afetam diretamente os bancos. A inflação continua sendo a grande ameaça para o cenário dos investidores ― e, enquanto o governo não agir de forma dura para domar o dragão, essa espada continuará pendurada sobre a cabeça dos investidores.

Poderíamos continuar com os exemplos, mas o recado está claro: quem apostou de forma genérica no sucesso da economia brasileira por meio da bolsa perdeu bastante dinheiro nos últimos anos, em termos relativos.

Claro que quem acertou na escolha específica dos papéis ganhou muito dinheiro, assim como quem soube entrar e sair nas horas certas. Mas isso é muito mais fácil de falar do que fazer.

A bolsa brasileira tem sido veículo bom apenas para especuladores ágeis ou aqueles que sabem garimpar muito bem os ativos. Para o típico investidor médio, que compra as blue chips e “casa” com elas, tem sido puro sofrimento. O CDI tem dado um banho no Ibovespa, graças basicamente ao governo.

Ibovespa, hoje perto dos 50 mil pontos Ibovespa, hoje perto dos 50 mil pontos

Se a coisa estava feia já em 2011 para o investidor de ações, o que dizer hoje? O Ibovespa está perto dos 50 mil pontos, nominais! Ou seja, se descontarmos a inflação elevada no período (a acumulada nos últimos 12 meses está em 9,25%, a maior desde 2003), a perda é enorme. Se compararmos com o ganho na renda fixa, então, é caso de desespero para quem sentou em cima do índice de ações nesse período.

De fato, já tinha escrito outro texto com estudos comprovando a afirmação de que, em janelas longas, o CDI sempre vencia do Ibovespa. Samy Dana, em sua coluna Caro Dinheiro na Folha, mostrou a mesma coisa essa semana. Isso ocorre porque o ambiente de negócios no Brasil é muito hostil, enquanto o governo, perdulário demais, precisa sempre pagar juros altos para se financiar. Ou seja, emprestar para o governo e ir para a praia pode ser mais rentável do que tentar empreender e competir no mercado. É uma das enormes distorções geradas pelo excesso de governo em nossa economia.

Um país como o Brasil ter apenas umas 300 empresas de capital aberto é uma vergonha, algo ridículo! Mas é o resultado desse modelo perverso, que praticamente fecha aquele que é, em países desenvolvidos, o principal instrumento e fonte de financiamento para empreendedores. Também falta transparência, governança, proteção aos acionistas minoritários, etc. É a análise feita pelo presidente da Amec, Mauro Cunha, em entrevista recente:

httpv://youtu.be/TUTP1Q15fIc

Sem um mercado de capitais desenvolvido, o Brasil nunca será um país desenvolvido. E com um governo inchado, perdulário e intervencionista, o Brasil nunca terá um mercado de capitais desenvolvido. Enquanto esse for o caso, investir em ações será uma atividade bastante arriscada, mais do que já é em situações normais. E será muito difícil o Ibovespa vencer da renda fixa em janelas longas, pois as empresas são muito maltratadas em nosso país, enquanto o governo acaba sempre tendo que subir juros para fechar suas contas no vermelho.

Rodrigo Constantino

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