• Carregando...
Reflexões filosóficas acerca do furacão Irma (e do furacão Dilma)
| Foto:

Como o leitor bem informado deve saber, a Flórida toda está sob alerta máximo por conta do furacão Irma, o mais forte já registrado no Atlântico, com ventos de quase 200 milhas por hora. Por conta disso, o blog deve ter bem menos atividade nos próximos dias. Por sorte, coincide com o feriado do 7 de setembro no Brasil. Sabemos que não há muitos motivos para celebrar nossa “independência”, mas feriado é sempre feriado, não é mesmo?

Esse texto é mais genérico e longo, apenas com algumas reflexões acerca do furacão. Esse tipo de situação de risco iminente de calamidade expõe o que há de pior e também de melhor nos seres humanos. É, para mim, a prova de que somos um misto de besta selvagem e cavalheiro civilizado, estamos entre o monstro e o santo, “nature & nurture”, como dizem os ingleses. Diante do medo, do pânico, podemos agir como macacos desesperados, mas também como heróis altruístas.

O que faz a diferença? Haverá sempre o livre-arbítrio individual, claro, mas a cultura disseminada na sociedade faz toda diferença. Como as instituições, que ao longo do tempo ajudam a moldar (para o bem e para o mal) esta cultura. O que vimos no Texas depois do Harvey foi tocante: inúmeras pessoas se arriscando para ajudar desconhecidos. Ao mesmo tempo, há muitas vezes pilhagem nessas ocasiões em que as leis ficam suspensas por algum período.

É a segunda experiência que tenho com um risco de furacão forte. Ano passado, o Mathew assustou, mas não foi esse terror todo. As autoridades preferem sempre pecar por excesso de alarmismo, com razão. Melhor se previnir do que remediar o caos depois. Ao menos assim pensam os povos mais avançados, que não deixam tudo para a última hora, não “deixam a vida levar”, achando o máximo à espontaneidade.

Isso chama a atenção por aqui. Dias antes do potencial furacão destruidor, todos formam filas para comprar água, abastecer seus carros, comprar mantimentos básicos para se previnir. Quem já foi mordido por cobra tem medo até de linguiça. “Prepare-se para o pior, espere o melhor, e receba o que vier”, diz um ditado chinês. A turma aqui parece levar a sério a sugestão.

Fui colocar gasolina no carro ontem às 11h da noite. Fila gigantesca. Todos souberam que naquele posto tinha chegado combustível. O preço subiu quase 20%, de $2,40 o galão para $2,80 (morram de inveja, meus caros, pois isso ainda é quase a metade do preço por litro no Brasil). Mas eis o interessante: não havia um “malandro” furando a fila (e não era difícil fazê-lo). Seguíamos numa fila indiana, carro a carro, cada um enchendo o tanque e dando a vaga ao próximo. Civilização.

Claro que nem sempre esse verniz de civilização resiste. Essas cenas, que parecem do aniversário do supermercado Guanabara (cariocas entenderão, os demais podem fazer uma busca no Google), mostram certo desespero para conseguir seu quinhão de água, como se fosse a última chance no deserto do Saara:

Parece até a Venezuela. Ou seja, o socialismo é um desastre mesmo, só que causado por homens, não pela natureza. No capitalismo há abundância. Só um risco de furacão para fazer com que as prateleiras fiquem vazias. E mesmo assim será por pouco tempo. O furacão Irma é ameaçador e tem potencial grande de destruição, mas ainda assim não se compara com o furacão Dilma, que devastou nosso país.

A tentação será repetir, como fazem muitos, que o problema é o brasileiro. Mas nosso fracasso vem justamente dessa combinação entre instituições e cultura. Ambas são muito fracas em nosso país. Não há nada inato no povo brasileiro que o condene à mediocridade eterna.

Afinal, há milhares de brasileiros aqui na Flórida, e estão agindo como os demais, via de regra. Em Weston mesmo temos uma comunidade interligada onde um ajuda o outro, numa “corrente do bem” que é motivo de muita esperança: nós temos salvação!

Outra digressão produzida pela iminente chegada de Irma é o abismo que separa um país de primeiro mundo de outro de terceiro. O que mata mesmo não é tanto o desastre natural, mas o social. Nos Estados Unidos temos a melhor infraestrutura, tecnologia, organização para as rotas de fuga, população disciplinada para evacuar as áreas de maior risco. Por isso as perdas em vidas são menores.

Em países mais pobres, como alguns do Caribe, a destruição é bem maior pela falta dessas condições. Ou seja, deveríamos nos preocupar menos com o “aquecimento global” e mais com o socialismo ou os estados fracassados: são eles que destroem e matam muito mais.

Até porque há muita controvérsia se esses furacões têm mesmo alguma ligação com as tais “mudanças climáticas”. Vários cientistas negam esse elo, e os piores furacões ou inundações ocorreram no passado. Qualquer desastre natural hoje é visto como resultado certo do aquecimento global e, portanto, do capitalismo. O furacão Katrina, que devastou New Orleans, foi um exemplo claro disso, como o Harvey agora no Texas. Como será que essa gente iria reagir aos desastres do passado, quando ninguém falava ainda em aquecimento global (na verdade se falava em esfriamento global)?

Em termos de força, o pior furacão se deu em 1935, seguido pelo Camille, em 1969. O Andrew, de 1992, vem depois, mas logo em seguida temos um em 1919 e outro em 1928. As enchentes chinesas matam milhares de pessoas desde o século XIX. Seria culpa do “aquecimento global” também? A histeria parece ter tomado conta de todos atualmente, levando a concluir que qualquer catástrofe natural tem a mão do homem, através das indústrias. Furacões, inclusive mais intensos, sempre nos acompanharam, mas eis que agora o homem é seu causador!

Menos arrogância, menos ideologia, mais razão e mais ciência, por favor. E por falar no Andrew, fecho com uma reflexão filosófica sobre o sublime. Meu melhor amigo morava em Miami nessa época. Conversei com ele ontem para saber de sua experiência. Não havia “shutters” protegendo as janelas ainda, o que veio depois dele. Meu amigo, então, encarou o bicho de frente. E eis como descreveu sua experiência: de certa forma, foi até interessante, após o medo inicial, ver aquele espetáculo da natureza, algo meio… sublime!

Pode parecer paradoxal, mas existe isso sim. O primeiro livro de Edmund Burke foi justamente sobre isso: Investigação Filosófica Sobra a Origem de Nossas Ideias do Sublime e da Beleza. Nele, Burke explica o motivo de nosso fascínio pelo poder da natureza:

O que quer que de alguma forma seja capaz de excitar as ideias de dor e de perigo, ou seja, tudo o que for terrível de alguma forma, ou que compreenda objetos terríveis, ou opere de forma análoga ao horror é fonte do sublime; ou seja, é capaz de produzir a emoção mais forte que a mente é capaz de sentir. Digo que é a emoção mais forte, porque acredito que as ideias de dor são muito mais poderosas do que as que são introduzidas pelo prazer.

Escrevi uma resenha do livro tomando como base o filme “Manchester à Beira-Mar”. E eis como a terminei, citando uma vez mais Burke:

A paixão causada pelo grandioso e sublime na natureza, quando estas causas operam em suas formas mais poderosas, é o Assombro; e o assombro é aquele estado da alma em que todos os seus movimentos estão suspensos com algum grau de horror. Neste caso, a mente está tão inteiramente preenchida por seu objeto, que ela não consegue entreter qualquer outro nem, por consequência, raciocinar sobre o objeto que a ocupa. Daí surge o grande poder do sublime, que longe de ser produzido por nossos raciocínios, ocorre antes deles e passa por nós com uma força irresistível. O assombro, como eu disse, é o efeito do sublime em seu mais alto grau; seus efeitos menores são a admiração, a reverência e o respeito.

O subilme está acima da razão. Por isso demanda apenas reverência, respeito, humildade. Lembra como somos pequenos diante do Todo, da natureza, de Deus. As contingências do destino não podem ser controladas nem racionalizadas. Daí vem essa sensação de impotência, de choque, e também de respeito.

Mas, como ainda existe aquilo que podemos controlar, que é para mitigar os riscos, e como estou com a mulher grávida de quase 9 meses, confesso que não quero experimentar o sublime dessa vez: é hora de correr atrás dos últimos preparativos para enfrentar Irma. Tudo pode acontecer, inclusive ser mais um alarme falso, com o furacão mudando a rota, ou se enfraquecendo. Tomara! Até os agnósticos nessas horas podem rezar, não?

Rodrigo Constantino

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]