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Ressaca: quem tem mais capacidade de administrá-la?
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Imagino que o leitor conheça bem a sensação: primeiro, aquela euforia, um sentimento de que tudo é possível, de que o céu é o limite; depois, o começo de um mal-estar, o suor frio, a tontura; por fim, a imensa dor de cabeça, o embrulho estomacal, a garganta seca e a promessa de que jamais beberá tanto novamente. Quem nunca enfrentou uma ressaca?

Ninguém aprecia o efeito colateral da euforia ilusória. Mas a ressaca é fundamental para limpar o organismo. É o corpo sofrendo temporariamente para expurgar os excessos, o invasor estranho que causou aquela “felicidade” artificial. A alternativa é muito pior: insistir na bebedeira, postergar por algumas horas a euforia, sob o elevado custo de uma ressaca muito pior depois, quiçá uma cirrose fatal.

O leitor tem o direito de pensar que se enganou de blog: aqui se fala de economia ou de porre e ressaca? Calma que o elo ficará claro. A analogia é perfeita. Nossa economia viveu nos últimos anos a fase da euforia produzida por estímulos artificiais, por injeção de liquidez via aumento de crédito e gastos públicos. Como não houve contrapartida no aumento da produtividade, e nenhuma reforma estrutural foi realizada pelo governo, tudo não passou de uma doce ilusão.

Chegou a hora do acerto de contas. A inflação no topo da elevada meta de 6,5% ao ano já é parte da fatura, um verdadeiro “arrocho salarial” imposto pelo governo aos mais pobres. Isso mesmo com vários preços represados, o que é insustentável. O “tarifaço” de energia elétrica já começou, com várias regiões tendo aumentos acima de 20% na conta de luz.

A atividade estagnou e, após doze revisões decrescentes seguidas, os principais analistas do mercado esperam um crescimento menor do que 0,8% para 2014. A indústria não para de divulgar dados negativos. Suas exportações caíram quase 6% no primeiro semestre do ano contra o mesmo período do ano anterior, retirando-se da conta o malabarismo contábil das plataformas de petróleo. O setor automotivo é um dos que mais sofrem, com queda de 35% nas vendas externas.

No mercado interno as coisas não estão muito melhores. Após tanto estímulo estatal, as famílias se encontram bastante endividadas e o consumo tem retraído. Não chega a ser uma surpresa, então, o primeiro programa eleitoral do PT ter mostrado uma Dilma “dona de casa”, cozinhando um macarrão. Como apostar na “gerentona eficiente” se o quadro econômico é terrível? Como investir na “faxineira ética” se os escândalos de corrupção só crescem?

A grande bandeira explorada pelo atual governo tem sido a taxa de desemprego reduzida. Mas cabe perguntar: até quando? Voltando à comparação com a ressaca, o emprego é o último sintoma dos problemas, algo como o vômito do bêbado desesperado. As empresas seguram até o limite seus funcionários, pois as leis trabalhistas são engessadas e é muito caro demitir e contratar.

Enquanto houver alguma esperança de que a situação pode se reverter na frente, as empresas postergam planos de demissões. Mas a esperança, se Dilma continuar no poder, é quase nula, e o pessimismo é total. Já há sinais de demissões em alguns setores, como o de automóveis, e vale lembrar que quase um terço dos empregos formais criados nos últimos anos ocorreu no setor público. É este um modelo decente de país?

Para piorar, não sabemos ao certo o impacto do Bolsa Família na taxa de desemprego, pois muitos deixam de buscar trabalho formal com receio de perder o benefício. Em outras palavras, o mais importante pilar da aprovação do governo Dilma se mostra frágil e insustentável. É questão de tempo até a crise chegar a ele. O desafio da oposição é explicar isso em linguagem clara para as classes C e D, que começam a sentir os primeiros sintomas da ressaca, mas não se dão conta ainda do que vem por aí.

Mas não é só o andar de baixo que precisa compreender melhor o quadro econômico. As elites também, pois parecem encantadas com uma solução messiânica, como se fosse possível driblar a realidade e, num passe de mágica, mudar “tudo isso que está aí”. Quais são as propostas efetivas de Marina Silva? Qual será sua conduta na gestão econômica? Ninguém sabe ao certo.

Como se não bastasse, a locomotiva de nossa economia, que até aqui segurou as pontas e impediu uma crise mais aguda, é o agronegócio, sempre tão difamado pelos “marineiros”. Para garantir uma ressaca descomunal, atacar esse setor é só o que falta mesmo.

Eis o que o eleitor deve se perguntar, sem romantismo: quem tem a melhor equipe para enfrentar a inevitável ressaca que vem por aí?

Rodrigo Constantino

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