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A saúde pública desafia a lógica do livre mercado – mas não muito
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Por Ricardo Bordin, publicado pelo Instituto Liberal

Existe uma preocupação que nos une a todos, enquanto seres humanos, em qualquer tempo e lugar considerados: a preservação da vida. Na clássica obra de ficção “O Físico”, de Noah Gordon, é narrada a epopeia de um médico medieval que atravessa a Europa a procura da cura para a “doença do lado” (apendicite), a qual vitimava inúmeras pessoas à época sem manifestar sintomas prévios.

Eis que essa incessante busca de nossa espécie por manter nossos organismos sadios pelo máximo de tempo possível consiste em uma atividade das mais relevantes a ser desempenhada em nossa sociedade.

Vale dizer: esta tarefa é importante demais para ser deixada sob a incumbência do Estado.

O livre mercado sempre logrou reduzir o custo e aumentar a qualidade de qualquer bem a ser ofertado aos consumidores. Nas palavras de Gary North, este sistema de trocas voluntárias pode ser conceituado como:

O arranjo econômico em que não há subsídios (ou empréstimos subsidiados com os impostos da população) governamentais para as empresas favoritas do governo, não há protecionismo via obstrução de importações, não há barreiras governamentais à entrada de concorrentes em qualquer setor do mercado (como ocorre em setores regulados por agências reguladoras), ninguém é impedido de empreender em qualquer área da economia, e não há altos tributos que impedem que novas empresas surjam e cresçam. Quanto mais próximo uma economia está deste arranjo, mais genuinamente capitalista ela é.

E a prática confirma a teoria supracitada, a tal ponto que mesmo pessoas de menor renda de nossa civilização pós-revolução industrial (Venezuela e demais redutos socialistas à parte) possuem acesso, hoje, a produtos e serviços que nem mesmo o mais abastado dos membros da nobreza de alguns séculos atrás sequer sonharia em usufruir.

E esse avanço notável ocorreu apesar das constantes investidas dos governos interventores sobre a iniciativa privada, provando que o ser humano, na perseguição legítima de seus próprios interesses, acaba por gerar valor e criar riqueza que por todos serão desfrutados – a despeito das tentativas estatais de meter-se no caminho.

Costuma-se escutar aqui e ali, todavia, que tais princípios que nortearam esta evolução sem precedentes de nossa qualidade de vida  não se aplicariam à saúde pública, tendo em vista a natureza vital desta atividade econômica. Se eu estou sem dinheiro momentaneamente, posso ficar algum tempo sem ir ao cinema ou andando de ônibus até que minha condição financeira melhore, mas jamais poderei abrir mão da insulina se for diabético – eis a linha de raciocínio por alguns adotada para inferir que os governos devem imiscuir-se neste mister.

Vale notar que vestuário e alimentação também são produções essenciais à subsistência humana e não costumam ser encabeçadas pelo Estado – sempre que governos aventuraram-se como “empresários” do ramo alimentício, aliás, o resultado invariável foi a inanição, como na China de Mao e na URSS de Stalin (especialmente no episódio conhecido como Holodomor, durante o qual milhões de ucranianos foram dizimados pelo confisco de suas colheitas).

Ou seja, prover serviços de saúde é algo que os agentes privados, para não variar, fazem muito melhor do que o Estado, especialmente se levarmos em conta a pesquisa e o decorrente desenvolvimento de medicamentos, exames, cirurgias e métodos de tratamentos inovadores – permitindo ainda, por meio da produção em série (através da qual é possível reduzir o  lucro na margem e aumentá-lo na escala), que procedimentos médicos outrora restritos a indivíduos ricos torne-se acessível a custos minorados.

E antes que alguém se incomode com o fato de que os preços cobrados por instituições de saúde particulares costumam ser proibitivos para parcela significativa da população, recomendo fortemente este artigo de Predrag Rajsic (onde o articulista explica que a presença do governo em um determinado setor obriga os investidores privados a direcionarem seus serviços e produtos a um nicho de clientes de renda elevada), bem como este texto de Luan Sperandio – no qual o autor evidencia que o dirigismo estatal está destruindo e encarecendo os planos de saúde no Brasil (tal qual ocorre nos Estados Unidos desde o advento do famigerado Obamacare).

Uma economia voltada para o empreendedorismo tende a atender as necessidades de todos os gostos e bolsos. Mesmo aqueles com menos recursos conseguem obter aquilo de que necessitam para uma vida minimamente digna, mediante o emprego de um número de horas de trabalho bem inferior àquele exigido de nossos antecessores. Desde que deixem a inveja de lado (aquele sentimento que já foi um “pecado capital” e que se tornou o pilar de várias políticas oficiais), os agraciados por experimentarem um ambiente capitalista podem viver como nababos de tempos passados.

Se eu não posso comprar uma BMW-Z4, sem problemas: o carro popular cumpre as mesmas funções sem chamar tanta atenção. Se não posso adquirir um Iphone 7, tranquilo: aquele smartphone mais simples traz em seu bojo as mesmas funcionalidades. Se não posso morar em uma mansão no Morumbi, tanto melhor: aquele apartamento de um quarto também representa um teto sobre minha cabeça. Se não há como arcar com os custos de um táxi aéreo na próxima viagem, vamos de promoção com as milhas acumuladas na classe econômica mesmo, que o avião vai pousar na mesma pista.

Neste sentido, os cidadãos de classe “baixa” desta hipotética nação centrada no livre mercado estarão em melhores condições do que a classe “média” de muitas republiquetas de mentalidade estatizante por aí – tal qual o nosso Brasil. E caso essas pessoas pretendam ascender socialmente, tanto mais fácil será esta missão quanto mais dinâmico e livre de amarras for o ambiente de negócios no qual estejam imersos.

E até certa medida, tal cenário também aplica-se à saúde.

Se eu não posso frequentar o Sírio-Libanês ou o Albert Einstein, não quer dizer que minha vida esteja com os dias contados por precisar realizar uma cirurgia em um hospital que não seja de alto padrão. Se eu não posso pagar a mensalidade de uma academia, está cada vez mais barato comprar uma esteira ergométrica (até mesmo usada, se for o caso). Se eu não tenho dinheiro para pagar a consulta de um nutricionista ou para frequentar um SPA, há programas de reeducação alimentar gratuitos na Internet (disponibilizados por websites que faturam com publicidade). Se não posso bancar o plano de saúde mais caro do mercado, nada impede que alguma opção regional e mais específica para meu perfil adeque-se aos meus vencimentos.

E por ai vai. Só que tal conjuntura favorável a todos será tão provável de se materializar quanto mais liberdade econômica houver no país em questão. Isto é, a saúde também pode (e deve) ser tratada, a princípio, como um produto, que precisa, portanto, ser produzido por alguém com vistas a obter lucro antes de ser ofertado a quem dele precisa.

Mas neste ponto da análise surge um problema que o próprio Milton Friedman admitia existir: uma falha de mercado, causada, aí sim, pelas peculiaridades desta atividade econômica.

Digamos que um dado indivíduo viva muito bem com sua remuneração atual em um país onde vigore o liberalismo econômico, dispondo de tudo o que precisa, ainda que sem luxo. Então descobre-se, repentinamente, que ele (ou alguém de sua família) é portador de uma doença rara, cujo tratamento ainda é extremamente caro, muito além de suas posses e da cobertura do plano de saúde por ele contratado.

Eis aí o conflito: não se trata de um ser invejoso olhando para o gramado do vizinho e achando-o mais verde. Não se trata de alguém clamando por “justiça social” enquanto apoia políticos que almejam tão somente angariar mais poder financeiro e decisório para si próprios. Não: é um caso de vida ou morte. Esta pessoa hipotética pode seguir com seu “golzinho” sem invejar o carrão do chefe, mas ela não poderá abrir mão deste tratamento, pois dele depende sua própria existência.

Neste caso, será imprescindível que este indivíduo receba ajuda externa. Em um primeiro momento, seus concidadãos, amigos e familiares é que têm o dever de vir em seu socorro – e, novamente, deve-se ressaltar que quanto mais liberdade econômica, mais solidariedade e caridade costumam ser observadas (na forma de doações, instituições sem fins lucrativos e congêneres), demonstrando haver forte correlação entre elas.

É evidente também que, quanto mais esta pessoa conseguir poupar durante a vida, menos ela precisará de suporte de terceiros em momentos desfavoráveis. Mas daí entra em cena a necessidade de haver uma carga tributária enxuta, inflação e taxa básica de juros que não consumam por completo o poder de compra, e educação financeira – tudo o que não pertence à realidade dos brasileiros, no caso.

Ademais, mediante um sistema de “saúde universal” como o quase falido SUS, bem como por conta das regras impostas pela ANS às operadoras de planos de saúde,  é natural que os indivíduos se preocupem muito pouco com a prevenção, no sentido de evitar comportamentos e condutas que possam comprometer-lhes a saúde.

Ora, se uma pessoa que precisa de atendimento médico toda semana e outra que raramente pisa em um consultório graças a seus hábitos saudáveis são obrigadas a pagar o mesmo pelos serviços de saúde (seja na forma de impostos, seja na forma de mensalidades), então a motivação para evitar ficar doente ou ferir-se tende a arrefecer. Tal conjuntura, por sinal, acaba por aumentar a demanda por médicos e serviços clínicos e hospitalares, encarecendo-os ainda mais.

Mas o fato é que aquela pessoa com a doença grave do exemplo acima, independente de quanto ela tenha se cuidado e poupado na vida, e considerando que não haja ação de filantropia que consiga reunir os recursos necessários para ampará-la, vai continuar precisando de ajuda. Se for mesmo este o caso, como último recurso, o Estado, deve, sim, prestar-lhe auxílio, destinando parte da arrecadação para este fim.

Ou seja, a prática mostra que quanto mais riqueza há em uma sociedade e quanto menos o governo assume este papel de protagonista na vida pública, mais os indivíduos tendem a cuidar daqueles que necessitam (e de si mesmos). Se, ainda assim, seguirem existindo pessoas em descoberto, o Estado pode e deve oferecer ajuda (indiretamente, contratando clínicas terceiras), em caráter meramente residual – nos mesmos moldes da proposta de vouchers para Educação, quando são custeados os custos escolares daqueles que comprovadamente não tem como fazê-lo por conta.

Conclusão: O ideal, portanto, para que o máximo número de pessoas receba os melhores serviços de saúde possíveis, passa por uma combinação de aproximadamente 90% de livre mercado (sem as regulações esquizofrênicas atuais) com uns 10% de Estado canalizando dinheiro de tributos para situações específicas. Quem costuma ser contra a abolição do SUS geralmente não pesa que, junto com ele, devem ser abolidos também os impostos que o sustentam. Isso significa mais dinheiro no bolso de quem trabalha e, consequente, maior possibilidade de gastos, inclusive com… saúde.

Simplesmente escrever na Constituição Federal que saúde é um “direito de todos” e reservar gordas fatias do PIB para tal? “Acho” que não vem funcionando, aparentemente – e só vem gerando mais oportunidades para corrupção desenfreada nas três esferas do Poder.

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