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dilma infernal

“Uma vida não examinada não é digna de ser vivida.” (Sócrates)

Lembro de quando vi o filme “Vivos” pela primeira vez. Ele conta a história real de um acidente com um avião levando jogadores de rugby nas cordilheiras dos Andes. Para sobreviver, eles decidem comer os cadáveres dos que não resistiram. Ou seja, viraram canibais. À época, pensei que provavelmente faria o mesmo. Não estou tão certo hoje.

Um artigo de Nelson Rodrigues sobre o episódio colocou nova luz sobre a questão moral ali presente. Um casal, mais religioso, nega-se a participar do canibalismo por um bom tempo, para desespero dos demais. O desespero é menos por empatia e mais por egoísmo: aquela negação dos dois lembra aos demais que ainda são humanos, que praticar canibalismo não é correto, nem mesmo quando o custo a ser pago é a própria vida.

Há mais que apenas a sobrevivência em jogo. O importante é qual vida levamos, se ela é digna ou não, se é moralmente correta ou não. Viktor Frankl, judeu prisioneiro nos campos de concentração nazistas, analisou que o grande desafio era se manter humano naquelas condições. Alguns conseguiam, o que demonstra que mesmo sob as piores circunstâncias é possível resistir sem se tornar um simples animal que age por instinto de sobrevivência.

Foi então que Fankl cunhou sua famosa frase de que “entre o estímulo e a resposta, o homem tem a liberdade de escolha”. Uma ode ao livre-arbítrio, ainda que influenciado pelo ambiente. Quando Primo Levi, também vítima dos nazistas, questiona em seu impactante relato se “nisso” que os campos de concentração transformam as pessoas ainda é um homem, ele vai na mesma linha. O que nos faz humanos, e não apenas símios?

Nem todos podem ter a coragem de insistir na humanidade diante das ameaças mais concretas. Mas no fundo sabemos o que deve ser feito, valorizamos as virtudes, pois as reconhecemos como tais. Coragem, por exemplo. Honra, dignidade. Palavras fora de moda, mas que continuam despertando emoções quando vistas em filmes, em histórias clássicas da literatura. Não por acaso: nosso lado humano ainda anseia por tais virtudes, apesar de toda a propaganda relativista moderna.

Podemos compreender que ter como meta somente a própria sobrevivência e nada mais é algo extremamente pobre e vazio. Já contei aqui e repito: quando o Titanic afundou em 1912, a maioria dos sobreviventes era formada por mulheres e crianças. Os homens tinham outros valores. Já na década de 1980, quando outro navio afundou, os sobreviventes eram homens e jovens, que chegaram a pisotear as mulheres e crianças para se safar. A que custo?

Tudo isso foi para chegar na postura do governo Dilma e do PT, que fazem de tudo para sobreviver no poder, fazem “o diabo” para não perderem suas tetas estatais. A recente “reforma ministerial” é a mais nova prova disso, em nível assustador e feito de forma escancarada. Os petistas não têm um pingo de vergonha na cara ao sacrificarem qualquer princípio, qualquer crença ideológica, qualquer valor, em troca de mais tempo no comando da máquina estatal.

Como já disse antes, o maior estrago da passagem do PT pelo poder por tanto tempo nem será a crise econômica, que é de grande severidade. O maior estrago será moral, e levará muito tempo para ser consertado. Mas não podemos, também, isentar de responsabilidade a população. Afinal, o PT foi eleito e reeleito, algumas vezes. O partido é tanto causa como sintoma dos problemas morais de nosso tempo e nosso país. Muitos se identificam com sua amoralidade, com essa máxima de “salve-se quem puder”, não importa como.

Em sua coluna de hoje, Fernando Henrique Cardoso chama a atenção para esse incrível egoísmo covarde do PT, que dança diante do abismo como se não se importasse com as consequências para a população brasileira:

Não tenho a vara de condão para me levar ao futuro. Arrisco dizer, no entanto, que nessa pugna entre os meneios político-partidários e as necessidades concretas das pessoas e das empresas, chegará o momento de acelerar decisões. Talvez um anjo perverso aconselhe à presidente: entregue logo sua alma ao diabo, entre mais fundo no “toma lá dá cá” e salve seu mandato. Pode até conseguir, mas valerá a pena? E acaso isso modifica a dança do país à beira do abismo? Quanto antes os mais responsáveis percebam que ou agem ou serão tragados pela voragem da crise, melhor. Ainda há tempo. Pouco, contudo.

Fernando Gabeira também falou sobre isso em sua coluna de hoje:

Como responder a todas essas manifestações da crise de uma forma coordenada? O governo só pensa em sobreviver. Dele não espero nada, exceto sua queda. Mas do debate cultural, nesse sentido mais amplo, (qual a melhor vida para as pessoas?), espera-se um pouco mais. O ritmo será lento e irregular, mas é assim que o quadro se move em nossas cabeças.

A nossa humanidade clama por reflexões profundas, por uma vida examinada, e não apenas “sobrevivida”. Prolongar ao máximo nossa passagem por aqui, ou, no caso em questão, no poder, não pode ser a única meta, pois isso faria de nós seres indecentes, mesquinhos, animalescos. Sobreviver como canibais? Prolongar o reinado sob o custo de esmagar indivíduos inocentes? Isso é pura covardia. Há momentos na vida em que existem outras coisas em jogo, e que abdicar delas é abandonar a própria humanidade. Sobrevive-se, sim, mas sem vida, sem valores, sem identidade.

Rodrigo Constantino

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