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Sucesso da Olimpíada foi resultado de nossa gambiarra?
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O apresentador da NBC, canal que comprou os direitos de transmissão da Olimpíada no Rio, fez uma homenagem bacana ao Brasil, reconhecendo as dificuldades iniciais da organização do evento, compensadas não só pela bela festa com total ausência de incidentes graves, como também pelo calor humano de um povo acolhedor. Usou a palavra “gambiarra”, definida como uma espécie de “jeitinho” que, no final, acaba dando certo. Mas foi isso mesmo que aconteceu?

Detestaria ver essa ideia prevalecendo em nosso país. É justamente o que não precisamos: a crença de que nosso jeito de fazer as coisas, quase sempre no improviso, na ginga, acaba funcionando no final. Meu novo livro, Brasileiro é Otário? – O alto custo da nossa malandragem, é justamente um duro ataque a essa mentalidade, mostrando como ela nos impede de avançar, de progredir.

Portanto, volto a perguntar: o relativo sucesso da Olimpíada carioca foi mesmo um exemplo de que nossa típica “gambiarra” funciona? Podemos abrir mão da organização, do planejamento, do trabalho árduo, pois somos descolados, “quentes”, animados, e sabemos que no final tudo dará certo, que os gringos vão ficar encantados com nosso “calor humano”?

Digo que não. Primeiro, gostaria de lembrar que fazer uma grande festa nunca foi nosso maior desafio. Isso sabemos fazer bem. O que temos mais dificuldade é em construir uma grande nação, mais próspera, segura, inclusiva. Mas reconheço que a Olimpíada não é apenas uma grande festa. É um evento complexo, que demanda o trabalho de muita gente, organização minuciosa.

Só que seu resultado não foi fruto da gambiarra, como dá a entender o apresentador. O próprio prefeito Eduardo Paes disse isso, tentando frisar que a Olimpíada não foi a prova de que o “jeitinho” funciona:

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Eis o que precisamos, e que explico melhor no meu livro: superar o “jeitinho”! Fazer as coisas com mais seriedade e antecedência, sem contar tanto com os improvisos e a ginga como substitutos para o planejamento e o esforço. Quem acha que “tudo vai dar certo” só porque somos descolados e legais, está redondamente enganado e não sabe do trabalho de bastidores que é necessário para um evento de porte funcionar bem.

E mais: o trabalho de bastidores para um megaevento como a Olimpíada não é só verde e amarelo, como os vira-latas gostariam de crer. É uma organização mundial, aplicada em cada país sede, que já conta com um histórico, com um modelo, como lembra Stephen Kanitz:

As Olimpíadas Foram Bem Administradas. Surpresa? A Administração de Olimpíadas é um assunto que muito se estuda nas faculdades de administração no exterior, por ser o evento administrativo mais complexo da humanidade. 120.000 pessoas precisam ser coordenadas, num espaço de 2 semanas, com precisão de minutos, pois atrasos não são permitidos.

A cada evento olímpico aprendemos alguma coisa. Temos até o termo Legacy, para designar o que cada olimpíada, a de Londres, Grécia, Alemanha tem a nos ensinar, e as aplicamos nesse evento do Rio.

Não foi uma administração brasileira que vimos, mas um legado do aprendizado de todas as Olimpíadas anteriores. Administração é basicamente o ensino de boas práticas coletadas, estudadas, adaptadas e repassadas às gerações seguintes. É muito triste ver a surpresa geral da nação brasileira com o fato das olimpíadas do Rio terem sido bem administradas.

Essa surpresa decorre do fato de que nos 4 anos que tivemos de antecipação, nenhum jornalista brasileiro fez uma única matéria sobre Administração de Olimpíadas. Nenhuma revista de negócios ou jornal procurou um único administrador que nos teria possibilitado antever e ter confiança que esta olimpíada funcionaria.

Conheço praticamente todos os principais jornalistas desse país, e todos sabem que sou formado em administração, e posso afirmar que somente um me procurou para falar sobre High performance management (HPM). Artigo que acabou não sendo publicado.

Em outros países aprendizados com eventos como essas Olimpíadas são usados por empresas bem administradas, aprendizados sobre motivação, busca pela excelência, organização de desempenho, etc. Nada disso aqui é repassado.

Não seremos melhor administrados apesar das Olimpíadas do Rio terem sido bem sucedidas. Nossos clubes esportivos brasileiros, todos quebrados, nada aprenderão. Nada aprendemos, mais uma vez. E acham que assim o Brasil, como uma avestruz, dará certo.

São palavras duras, que cortam o clima de euforia de muitos nacionalistas. Mas não deixam de ser verdadeiras por isso. Sim, muitos brasileiros se dedicaram e fizeram com que o evento fosse um sucesso. Mas não fizeram isso sozinhos. Não abriram mão da experiência internacional que há envolvida na organização desse tipo de evento. E, definitivamente, não foi na gambiarra, no jeitinho, na malandragem, e sim com trabalho sério que tudo acabou dando certo.

O sucesso da Olimpíada do Rio não é prova de que nosso jeito funciona. Ao contrário: é prova de como ele pode ser superado, quando aceitamos aprender com os melhores, copiar o que dá certo no mundo todo, e arregaçar as mangas para trabalhar pesado.

Se o brasileiro sair dessa Olimpíada acreditando que o improviso não tem problema, pois a falta de organização será compensada pelo “calor humano”, então ele terá saído sem aprender absolutamente nada de relevante.

Aproveito para parabenizar a todos os envolvidos nos árduos trabalhos de organização, brasileiros e estrangeiros. Nós sabemos que foi graças a vocês que tudo deu certo, não ao “calor” dos cariocas, que é só a cereja do bolo, o toque de maior emoção em algo que precisa de muito esforço sério nos bastidores.

Rodrigo Constantino

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