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Trabalho infantil: aberração ou necessidade?
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No debate sobre como fazer frente à exploração do trabalho infantil, que ainda afeta 3,2 milhões de brasileiros entre 5 e 17 anos, a Justiça e o Ministério Público do Trabalho (MPT) se chocam com as Varas da Infância e Adolescência. O motivo da disputa é a frequente emissão de alvarás que autorizam menores de idade a executar atividades profissionais. Os juízes e promotores do Trabalho veem nesses documentos uma violação à Constituição Federal, ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e também à competência jurídica que lhes foi atribuída. Para os juízes das Varas da Infância e Adolescência, a concessão de autorizações para que menores sejam formalmente empregados, recebendo todos os direitos trabalhistas, pode ser um caminho dignificante ou mesmo a saída da miséria.

[…]

No Rio de Janeiro, o juiz Pedro Henrique Alves é o titular da 1ª Vara de Infância, Juventude e Idoso e, para não errar, prefere não arriscar o número de alvarás que concedeu a menores desde que assumiu o cargo, há cinco meses. Mas, ao opinar sobre esse tipo de autorização, defende a concessão dentro de limites:

— Acho o trabalho dignificante. É claro que aquelas formas de trabalho que são de alguma forma degradantes, que violem o direito da criança e do adolescente, devem ser combatidas, mas, se o trabalho não prejudica a integridade física, intelectual e moral, não prejudica o estudo, não consigo visualizar qualquer prejuízo.

O debate é necessário, de preferência deixando os preconceitos ideológicos e o romantismo de lado. O que todos querem, devemos partir dessa premissa, é o melhor para as crianças. A questão que surge, portanto, é como se obter isso. Não basta repetir que o ideal é a criança nunca trabalhar, pois devemos levar em conta a realidade como ela é, não como gostaríamos que fosse. Condenar qualquer trabalho infantil do conforto da classe alta é fácil; difícil é encontrar alternativas concretas para os filhos dos pobres. Abaixo, um texto meu antigo sobre o assunto, para ajudar nas reflexões:

Trabalho infantil

Considero repugnante constatar a existência de trabalho infantil em pleno século XXI. Crianças deveriam ser livres para brincar, estudar, criar, enfim, viverem como crianças, sem as responsabilidades dos adultos. A vida já é dura demais, deixem-nas curtirem a fantasia que é ser uma criança mais inocente. O combate ao trabalho infantil deve ser sério, e ficar a cargo de quem realmente pode alterar esse quadro. Infelizmente, não é o que ocorre. Delegam ao estado o controle disso, e a bem-intencionada atitude resulta em um agravamento da situação. Vamos entender a razão disso.

A lei mais básica do ser humano é o instinto de sobrevivência. O governo pode escrever o que quiser em pedaços de papel, mas não pode alterar essa realidade natural, assim como não pode ignorar a lei gravitacional. A proibição legal do trabalho infantil pode ser moralmente desejável, porém não será ela que irá de fato eliminar tal problema social. O próprio ensinamento moral, muitas vezes via a religião, tem seu papel relevante, mas não suficiente. No desespero da fome, tudo isso cai para segundo plano, e aquele instinto de sobrevivância fala mais alto.

Portanto, é de condição favorável para uma sobrevivência mais digna que necessitamos. E nem o governo, nem os padres, podem encher as barrigas das pobres crianças, mas sim a comida. Esta é obtida através das leis econômicas que regem o universo, como oferta e demanda, produtividade do trabalho e capital etc.

Cada um precisa cumprir o seu papel, e não devemos confundir os ensinamentos morais com as aplicações econômicas. Apesar da boa intenção, nada garante o conhecimento necessário em economia dos padres, menos ainda dos burocratas do governo. Uma igreja, por exemplo, pode merecer um cuidado todo especial em sua construção devido ao fato de representar o templo de Deus para seus fiéis. Mas não é por isso que os religiosos deveriam cuidar dos detalhes técnicos da arquitetura e obra do local, que deve ficar sob os cuidados dos engenheiros especializados.

Da mesma forma, são os mais preparados economistas que devem cuidar do modelo econômico do país. E este será crucial para determinar a condição financeira da nação, que por sua vez pode afastar ou aproximar a dura realidade do trabalho infantil. Em resumo, não basta condenar a existência desse triste fato, mas sim apresentar soluções técnicas, e estas dependem da economia.

Quando o estado cresce demais, buscando solucionar todas as mazelas da humanidade, ele absorve como um buraco negro os recursos disponíveis. Governo não cria renda, apenas consome e distribui. Justificando seus impostos asfixiantes através da luta pela justiça social, o governo acaba desestimulando o acúmulo de capital, fundamental para investimentos que trarão maior produtividade do trabalho, que por sua vez possibilitaria maior renda disponível. Economia não é um jogo de soma zero, onde para um ganhar o outro precisa perder. Um país sem os grandes entraves burocráticos típicos do estado inchado e sem o peso dos impostos confiscatórios pode acumular muito mais capital, e apresentar ganhos de produtividade expressivos, onde menos trabalho irá gerar mais resultado. Esse é o caminho econômico para se combater a fome e, por tabela, o trabalho infantil.

Países desenvolvidos, que se aproximaram mais dessa receita capitalista, não enfrentam hoje esses graves problemas de mão de obra semi-escrava ou infantil. No outro extremo, nações miseráveis que foram vítimas de governos interventores e totalitários apresentam elevadas taxas de trabalho infantil. Não adianta criar leis vetando isso, nem pregar códigos de ética bonitos no papel. As forças naturais serão mais fortes, e o uso da mão de obra infantil irá ocorrer de qualquer maneira, mesmo que na ilegalidade. Basta observar em Cuba a quantidade de meninas que se tornam prostitutas, algumas vezes em troca de nada mais que um prato de comida. Se não houver riqueza disponível, possível apenas através do acúmulo de capital viável num ambiente de livre mercado e pouco governo, o trabalho infantil poderá assumir um caráter ainda mais nefasto. A experiência das nações socialistas comprova isso.

Normalmente, os ferrenhos combatentes do trabalho infantil encontram-se nas nações ricas ou nas elites locais. São pessoas bem-intencionadas, que ficam chocadas com a realidade dessa gente. Esquecem que enquanto o homem lutava para sobreviver na natureza, crianças ajudavam, participavam. Quando não existia excesso de alimentos e outros benefícios possíveis através do progresso capitalista, crianças executavam naturalmente parte das tarefas necessárias para a sobrevivência. Foi o acúmulo de riqueza, concentrada por mérito próprio nas nações desenvolvidas, que permitiu esse “luxo” de aliviar as crianças desse pesado fardo. E atualmente, as minorias que desfrutam desse avanço ficam revoltadas com a situação dos demais. É natural.

O perigo surge quando essas pessoas, imbuídas de nobres intenções, apresentam suas “soluções” românticas para o problema. Na verdade, a maioria nem mesmo se preocupa em apresentar alguma solução, mas em apenas condenar o fato, a realidade. Os que arriscam algum palpite, pedem maior intervenção estatal. O tiro sai, obviamente, pela culatra. E as nações pobres ficam ainda mais miseráveis, enquanto o trabalho infantil passa a ser ainda mais necessário para que cada família consiga seu sustento. Os desejos utópicos sempre se preocuparam somente com o fim, nunca com os meios. Infelizmente, a adoção dos meios errados irá nos levar para ainda mais longe do fim desejável.

Um exemplo evidente disso é quando os leigos condenam as multinacionais que contratam pessoas de países pobres por salários irrisórios, ou mesmo crianças. A ignorância aliada à boa intenção cria a ilusão de que essas empresas deveriam simplesmente pagar mais, e não usar mão de obra infantil. Mas as leis naturais e econômicas não permitem isso, e essas pessoas não se perguntam o que aconteceria com esses trabalhadores caso a multinacional simplesmente abandonasse o lugar. Aquele sujeito que ganhava pouco agora passa a ganhar nada.

O mesmo pode ser aplicado ao salário mínimo, quando defendem maiores salários não obstante as leis econômicas. O resultado é o aumento explosivo da informalidade ou desemprego. A solução para isso, assim como para o trabalho infantil, não está, definitivamente, no poder de fiscalização do governo, nem nas boas intenções dos leigos românticos, mas sim no enriquecimento da nação, possível somente com menor intervenção estatal.

O que o leitor prefere: um menino ajudando os pais em algum trabalho honesto, mantendo os estudos, ou ocioso e seduzido pelo crime? Na reportagem acima, consta que traficantes aliciam os menores pagando até mil reais por semana, e aproveitando a ociosidade deles. Não seria melhor, dentro das realidades, que a garotada estivesse ocupada em algo produtivo e honesto depois da escola?

Não custa lembrar que gente como Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, começou a trabalhar com apenas 9 anos. Era outra época, outra realidade, sem dúvida. Mas aquela experiência fez bem, não mal, ao pequeno garoto. Inúmeros outros casos assim existem. Não podemos projetar a realidade dos nossos filhos de classe média ou alta e achar que o tempo vago dessas crianças pobres será preenchido com lazer inocente. Muitas vezes não é o caso. Por necessidade. Por falta de opção.

Repito: ninguém pode ficar satisfeito com o trabalho infantil em pleno século XXI. Mas devemos debater de forma séria e madura os melhores métodos para erradicá-lo, sem romantismo ou hipocrisia. Claro que ninguém vai defender ou justificar um garoto de 7 anos em condições desumanas numa carvoaria, por exemplo. Não é disso que se trata. E sim de compreender que há casos em que algum trabalho decente, honesto, pode representar a melhor alternativa disponível. Fugir desse debate é virar as costas para essas crianças. No afã de ajudá-las, mas sem as ferramentas certas, o resultado pode ser ainda pior.

Rodrigo Constantino

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