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Um rombo de meio trilhão de reais
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Os “déficits gêmeos” ocorrem quando um país tem tanto a conta corrente negativa como o resultado fiscal do governo no vermelho. Ou seja, as importações superam as exportações e o governo gasta mais do que arrecada.

Já expliquei melhor aqui por que essa situação é perigosa: o país se torna mais vulnerável pela enorme dependência de poupança externa para fechar as contas, e o câmbio corre risco de uma grande desvalorização repentina, o que teria efeito inflacionário.

Pois bem: no governo Dilma, os “déficits gêmeos” chegaram ao recorde histórico e somam R$ 500 bilhões, ou meio trilhão de reais, o equivalente a mais de 10% do nosso PIB. O mais assustador, além da magnitude, é a trajetória: em 2013, o rombo era de 6,9% do PIB, ou seja, houve um aumento de 60% em apenas um ano!

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A necessidade de financiamento do setor público, portanto, aumentou exponencialmente. Enquanto a iniciativa privada aumentou sua poupança, o governo foi o grande “despoupador”. Isso gera enorme fragilidade para o país e coloca em risco nossa classificação pelas agências de risco, com uma eventual fuga de capitais.

O que tem permitido a manutenção dessa situação insustentável ainda é a fraqueza das principais economias desenvolvidas. Seus bancos centrais, com isso, ou postergam a retirada de estímulos monetários (como no caso do Federal Reserve americano), ou adotam novas rodadas de estímulo (como no caso do BCE na Europa).

O efeito é uma abundância de liquidez no mundo, sem retorno atraente em seus quintais, o que fomenta um fluxo de capital maior para países emergentes como o Brasil. É esse “tsunami monetário” que possibilita a relativa calmaria mesmo com um rombo tão grande. Mas se o mercado externo espirrar, corremos o risco de pegar uma pneumonia.

O grande vilão é, sem dúvida, o gasto público. Ele cresceu de forma preocupante durante o governo Dilma. Parte é atrelada aos gastos constitucionais que o governo não controla diretamente. Mas outra parte, expressiva, deve-se aos gastos discricionários que o governo fez. Há um claro “descontrole fiscal” por trás desse quadro assustador.

Para reverter isso o esforço terá de ser homérico. Como o governo Dilma apresentou um déficit primário (sem incluir os juros) em 2014, e promete agora um superávit de 1,2% do PIB, a reviravolta necessária é de R$ 100 bilhões. Ou seja, o governo precisará aumentar receitas e reduzir despesas nessa ordem de grandeza para cumprir a meta. Ninguém sabe de onde essa montanha de recursos sairá, até porque não há clima político algum para a volta da CPMF.

Do lado da balança comercial dificilmente virá alguma salvação também. Afinal, o Brasil depende muito da exportação de produtos básicos, e o preço das commodities está em queda por conta do menor crescimento chinês. Um estudo do Itaú Unibanco estima que teremos US$ 14 bilhões a menos de exportações este ano.

Há certo consenso entre os economistas de que a nossa taxa de câmbio está sobrevalorizada, após muitas intervenções do Banco Central. O dólar vale hoje aproximadamente R$ 2,70, e muitos acreditam que o valor de “equilíbrio” estaria mais próximo de R$ 3,20 ou algo do tipo. Mas nem isso seria capaz de reverter as contas externas, pois os problemas são estruturais, o famoso “Custo Brasil”, que tira a competitividade de nossas empresas.

Só há uma saída verdadeira para a sinuca de bico em que o Brasil se encontra: resgatar uma agenda de reformas estruturais e reduzir drasticamente os gastos públicos. Somente assim nossas empresas se tornariam mais competitivas e sobraria poupança doméstica para financiar investimentos produtivos.

Infelizmente, nosso governo está sob o comando de uma economista (de)formada pelas correntes heterodoxas de esquerda, representadas pela turma da Unicamp. Essa gente acredita que pode manipular preços e atacar os sintomas que tudo estará resolvido.

Por exemplo: mexendo no câmbio e produzindo desvalorizações artificiais, eles acham que resolveram o problema da baixa competitividade de nossas empresas; e decretando taxas de juros menores, eles pensam que solucionaram o problema fiscal, já que o pagamento de juros passa de R$ 300 bilhões por ano (mais de 6% do PIB).

Mas não se resolve o problema da febre quebrando o termômetro. O governo Dilma adotou por completo o pacote heterodoxo, com promessas fantásticas e os aplausos desses economistas todos, e deu no que deu. Foi justamente por esses equívocos que chegamos aqui, nessa delicada situação.

O editorial do Valor de hoje abriu as contas públicas e expôs o quadro desolador que Joaquim Levy tem pela frente. Trata-se de uma situação dramática, sem dúvida. A responsabilidade fiscal foi totalmente abandonada, os preços e a taxa de juros foram manipulados, e as intervenções na economia desorganizaram setores inteiros que são básicos para os demais, como o de energia.

Achar que é possível reverter essa situação com aumento de impostos é um delírio de quem nada aprendeu com os erros. Ou o governo realmente aperta os cintos e corta na carne, além de aprovar reformas estruturais que tornem o ambiente para os negócios menos hostil, ou sofreremos as graves consequências da irresponsabilidade fiscal. Complicado é acreditar que a própria presidente Dilma estará disposta a ser exatamente o oposto do que foi no primeiro mandato…

Rodrigo Constantino

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