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A vocação totalitária e o fascismo do bem
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Em sua coluna de hoje, o filósofo Luiz Felipe Pondé volta a um tema antigo e muito importante: o risco do “fascismo do bem”. A tendência normal das pessoas é tomar o fascismo e o nazismo como ideologias de gente intrinsecamente ruim, com intenções terríveis, e isso é simplesmente falso.

Claro que pessoas ruins foram atraídas pelo fascismo e o nazismo, pois perceberam neles a oportunidade de dar vazão aos seus instintos destrutivos, ao seu ressentimento, à inveja. O mesmo vale para o comunismo e o socialismo.

Mas a esquerda monopoliza as virtudes e, por conta disso, muita gente hoje adota uma dicotomia boboca: ser de esquerda é ser bonzinho, e ser fascista (de extrema-direita) é ser uma pessoa ruim, homofóbica, racista. O problema é que há totalitários de todas as vertentes ideológicas, e o risco maior não vem dos “malvados” explícitos, dos “monstros”, e sim dos “bonzinhos”, daqueles que realmente acreditam que sabem melhor o que é desejável para os outros e pretendem trabalhar incansavelmente para impor esse caminho “melhor” aos demais.

Perto do caricato fascista cruel, esse “bonzinho” totalitário é um demônio, um perigo muito maior. O ditado já diz que o inferno está cheio de boas intenções. Pondé explica, usando como exemplo uma lei claramente totalitária proposta na Holanda, que pretende obrigar algumas mulheres a tomar contraceptivos em nome do seu próprio bem e o da sociedade:

O primeiro erro é achar que o governo totalitário o é porque deseja o mal para seus súditos. Não: o que caracteriza um governo totalitário é querer cuidar cada vez mais da vida de seus súditos. […] O totalitarismo moderno é o pecado dos governantes que têm grandes projetos para sua vida. E isso é muito difícil de entender, porque quase todo mundo hoje pensa que governantes com projetos de mundo ou sociedade são bons.

[…]  A rigor, um governante “ideal” seria alguém que não tem qualquer projeto para a sociedade que governa a não ser manter a ordem, a infraestrutura, a garantia de que a economia seja livre (sem protecionismos ou assistencialismos). Enfim, o “ideal” seria garantir que ele atrapalhará a vida das pessoas o mínimo possível. […] O que ninguém quer entender é que o fascismo sempre se viu como um projeto para o bem do mundo.

[…]  A intenção por trás desse blá-blá-blá é limpar a cidade de crianças que poderão custar caro para o Estado. Mas, de novo, os “inteligentinhos” ficam confusos porque na Holanda se anda de bike e, quando se anda de bike, creem eles, sempre se carrega o bem no coração.

A mentira é que não se trata de “direito” de criança nenhuma, mas, sim, de um forma de higienizar o mundo. O “amor” pelo mundo melhor é uma das maiores misérias modernas. Não confio em gente que “ama” o mundo. Uma obsessão que custará a passar, mas passará, como tudo mais.

Só podemos esperar – e lutar para – que esse modismo passe logo mesmo, pois ele é muito prejudicial à política. A missão de um governo deveria ser impedir o inferno na Terra, não garantir o paraíso – até porque o paraíso é diferente para cada um. Quando a política passou a ser a nova seita religiosa, onde os crentes depositavam toda a sua fé num “mundo novo possível”, e não simplesmente num mundo “menos pior”, a coisa degringolou e muitos passaram a flertar com totalitarismos.

Francisco Razzo explica bem isso em seu livro A imaginação totalitária, que resenhei aqui e recomendo. Assim como recomendo os livros de Michael Oakeshott também, autor conservador citado por Pondé. E fecho com o alerta feito por C.S. Lewis, que percebeu claramente essa tendência atual:

“Dentre todas as tiranias, uma tirania exercida pelo bem de suas vítimas talvez seja a mais opressiva. Pode ser melhor viver sob um ditador desonesto do que sob onipotentes cruzadores da moralidade. A crueldade do ditador desonesto às vezes pode se acomodar, em algum ponto sua cobiça pode ser saciada; mas aqueles que nos atormentam para o nosso próprio bem irão nos atormentar indefinidamente, pois eles assim o fazem com a aprovação de suas próprias consciências.”

Muito cuidado, portanto, com aqueles que tentam monopolizar as boas intenções, possuem uma “visão de sociedade” (ou cidade) e querem impor esta visão aos outros, ignorantes demais para entender o que é melhor para eles mesmos. Mesmo que você assuma uma premissa arriscada de que ele efetivamente é uma boa pessoa, isso não quer dizer que ele não seja um tirano em potencial.

Rodrigo Constantino

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