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Biografias: censura sob o manto da privacidade. Ou: Não era proibido proibir?
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Fonte: GLOBO

O assunto sobre biografias não autorizadas permanece em pauta. Hoje foi a vez de Chico Buarque, aquele que sempre flertou com a ditadura cubana, entrar em cena para defender a censura. Em artigo no GLOBO, o cantor diz logo no começo: “Pensei que o Roberto Carlos tivesse o direito de preservar sua vida pessoal. Parece que não”.

Eis o ponto: a vida pessoal de figuras públicas é, por definição, de interesse público. Quem deseja preservar totalmente sua vida pessoal, deveria evitar holofotes. Uma vez que o indivíduo vai para a vida pública, em busca de audiência, de público, de fama, de reconhecimento, ele já está se expondo ao escrutínio dos demais. A reputação não lhe pertence, e sim aos outros.

Nem vou entrar na questão de quando a vida pessoal tem impacto na pública, como no caso de filhos bastardos de políticos que são sustentados por empreiteiras ou coisas do tipo. É mais trivial mesmo: o sujeito famoso desperta interesse de seus fãs, e conhecer melhor detalhes de sua vida é um direito deles, desde que preservada a veracidade dos fatos relatados. Ou seja, difamação e mentira é punível pela lei, como deve ser.

O termo é censura, não pode haver eufemismo. O motivo é simples: o que os outros sabem ou pensam sobre alguém pertence a eles, não a este alguém, assim como o direito de expressar sua opinião ou conhecimento. Exemplo: se fulano pensa que sou isso ou aquilo, ou foi testemunha ocular de algo que fiz, essas informações, ainda que sobre minha pessoa, não me pertencem, e sim ao próprio fulano. Ele deve ser livre para expressá-las, e se eu julgar que são falsas e caluniosas, que eu use a justiça para cobrar provas ou pedir indenização.

No trecho final do artigo, Chico Buarque demonstra certa confusão de conceitos. Vejam:

Nos anos 70 a TV Globo me proibiu. Foi além da Censura, proibiu por conta própria imagens minhas e qualquer menção ao meu nome. Amanhã a TV Globo pode querer me homenagear. Buscará nos arquivos as minhas imagens mais bonitas. Escolherá as melhores cantoras para cantar minhas músicas. Vai precisar da minha autorização. Se eu não der, serei eu o censor.

A TV Globo tem todo o direito de “boicotar” quem bem entender, de mostrar em sua tela quem ela quiser. Isso não é censura de forma alguma; é apenas direito de propriedade privada. Censura quem faz é a lei, o estado. Mas se a TV Globo mudou de opinião (uma pena) e resolveu que Chico Buarque, agora, deve ser homenageado e vendido como “unanimidade”, então ela está novamente em seu direito. Pode divulgar as imagens públicas de Chico, assim como falar dele à vontade, sem pedir autorização.

Digamos que o cantor fez um show em praça pública (coisa rara, pois gosta mesmo é de cobrar uma fortuna pelos ingressos). Ora, a TV Globo ou qualquer um tem o direito de obter imagens do local, que é público, e divulgá-las. Imagina se cada um que divulga uma foto nas redes sociais, tiradas em locais públicos, tivesse que obter permissão de todos os que saíram por ventura nela. Absurdo!

Francisco Bosco, que costuma defender o PSOL ou os Black Blocs em sua coluna no GLOBO, já foi para o terceiro artigo sobre o tema hoje. É outro que confunde conceitos e, no fundo, defende a censura sob o manto da privacidade. Diz ele:

Recentemente, uma nova biografia sobre Marx afirma que o filósofo teria tido um filho não assumido com a empregada que trabalhava em sua casa. É um fato — se for mesmo um fato, como tudo indica — significativo e de interesse geral: o influente pensador da luta de classes comportando-se como um senhor de engenho. No mínimo, ensina alguma coisa sobre as contradições entre teoria e práxis. Agora imaginemos que Marx estivesse vivo. Pergunto: que ele seja uma “figura pública” deve implicar que o Estado assegure o direito a que ele tenha sua vida devassada e devastada em nome do interesse coletivo? Tamanho poder da coletividade sobre o indivíduo é mesmo fortalecedor do espírito democrático?

Mas claro que o fato do filho bastardo de Marx deveria ser trazido à tona sem censura mesmo se ele ainda fosse vivo! É um direito do público saber isso, o que pode ser até relevante para julgarem suas pregações. Imagine Rousseau delegando ao estado a função de cuidar de todas as crianças, posando como grande educador, enquanto abandonava todos os cinco filhos no orfanato. Claro que seus leitores teriam direito de saber desses fatos durante sua vida hipócrita!

Insisto: não quer ter sua vida investigada, não vá a público! O anonimato tem grandes vantagens, e desvantagens. Quando venho a público lançar livros, escrever artigos em blogs e jornais sobre corrupção, ética, comportamento etc, estou me expondo ao escrutínio do leitor, que tem todo direito de cobrar coerência. Se eu fosse flagrado cometendo um ato contraditório, essa informação deveria ser publicável, não resta a menor dúvida!

Assim como uma apresentadora voltada ao público infantil não deveria ter o direito de proibir imagens de outros tempos em que fazia filmes eróticos com adolescentes. Ou uma modelo famosa que resolveu fazer sexo em uma praia pública e foi flagrada não deveria ter o direito de proibir essas imagens. Notem como isso é diferente de quando hackers (criminosos) invadem sua propriedade e conseguem imagens em sua privacidade!

Bosco novamente:

Os defensores da liberação argumentam que o biografado pode reivindicar reparação na Justiça em casos de calúnia e difamação. Mas isso não dá conta do problema. No exemplo citado acima, não é a calúnia o problema, e sim a verdade, cujo efeito é devastador para o indivíduo. Esse efeito é realmente civilizatório, obra de uma sociedade aberta e democrática?

Entenderam? Censura pura e simples. Ou seja, o público não teria o direito de saber nem a verdade sobre a figura pública, pois isso poderia ser “devastador” para ele. Ora bolas! Então figuras públicas só podem ter fatos positivos relatados ao grande público? Que maluquice é essa? Só pode biografia chapa-branca, uma continuação do departamento de marketing pessoal? Bosco tenta rebater, sem sucesso, o argumento do interesse público em figuras… públicas: 

Um ponto importante e lamentável: alegar que uma figura pública, meramente pelos benefícios que isso lhe traz (reconhecimento e, em alguns casos, dinheiro), deve arcar com o ônus da expropriação de sua dimensão privada e do escrutínio moral da coletividade — isso não é argumento jurídico, nem filosófico, isso é pura vingança imaginária. Seu motor é o ressentimento.

Ressentimento? De onde ele tirou isso? De um espelho? Nada disso. Pode ser pura curiosidade, ou até mesmo desejo de conhecer melhor alguém que é formador de opinião, que expõe publicamente suas ideias e pensamentos. Bosco defende, por exemplo, o PSOL, um partido socialista. Eu gostaria de saber se ele costuma viajar para Cuba ou se prefere os Estados Unidos capitalista, ou se ele gosta de socializar seus bens em vez de partir para a defesa da propriedade privada na prática. 

Não tem nada a ver com ressentimento, e sim com o fato de que ele optou por se tornar figura pública e divulgar suas crenças e ideias a todos. Como parte do público, não posso cobrar coerência ou verificar se os atos dessa figura pública condizem com o discurso público? Censura…

Enfim, já me alonguei demais, o tema tem ficado cansativo, e creio que muitos já perceberam que a turma de lá só quer mesmo censurar, ainda que com o pretexto de defesa da privacidade. Fecho com Thomas Sowell: não podemos impedir que os outros falem mal de nós; podemos apenas torná-los mentirosos. Quem não deve, não teme. E quem deve? Bem, pense duas vezes antes de buscar a fama e o estrelato!

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