• Carregando...
O mistério do capital: Brasil é medíocre na defesa do direito de propriedade
| Foto:

Em que pese a “acusação” de que nossos males são fruto do “neoliberalismo”, o Brasil segue na rabeira dos rankings de liberdade econômica, ambiente de negócios, competitividade e também defesa da propriedade privada. Este último será o tema do texto, após o empresário João Luiz Mauad chamar a atenção para esse lamentável fato em artigo no Instituto Liberal.

Índice Internacional de Direito de Propriedade (IIDP) é um estudo internacional que mede a importância dos direitos de propriedade, tanto física quanto intelectual, bem como a forma como os direitos de propriedade protegem as transações no mercado.

É composto de 10 variáveis, com foco em três áreas:  Ambiente jurídico e político (independência judicial, confiança nos tribunais, estabilidade política e corrupção); Direitos de Propriedade Física (proteção dos direitos de propriedade, registros de propriedade e acesso ao crédito); Direitos de Propriedade Intelectual (proteção da propriedade intelectual, força das patentes e pirataria de direitos autorais).

Segundo os autores da pesquisa, “a propriedade privada é o alicerce fundamental das organizações de livre mercado e da sociedade democrática. Ela significa não apenas autorizar pessoas a decidir sobre bens ou mercadorias, mas também a concessão de segurança e proteção desses bens, para evitar invasões e interferências externas. Somente com a garantia de que a propriedade não será invadida, a paz e o bem-estar serão alcançados”.

Além disso, a propriedade privada fornece informações para que os escassos recursos sejam alocados da melhor forma possível, de acordo com os gostos e preferências das pessoas  (…) Na verdade, o respeito pelas decisões livres sobre bens e propriedades que pertencem a cada pessoa desempenha um papel central no desenvolvimento das nações. Somente a partir do reconhecimento e garantia dos direitos de propriedade, um genuíno e duradouro progresso poderá ser alcançado.”

Há enorme correlação entre os países com mais liberdade econômica, melhor ambiente de negócios, maior competitividade, melhor defesa da propriedade, maior IDH e menor corrupcão percebida. Não é coincidência. É o resultado esperado do modelo capitalista de livre mercado.

O responsável pela pesquisa, que conta com inúmeros parceiros mundo afora, é o instituto criado pelo economista peruano Hernando de Soto, autor de O mistério do capital. O livro deveria ser lido por todos aqueles que almejam sair da condição de Terceiro Mundo e chegar ao status de país desenvolvido.

O autor coloca em pauta as seguintes questões: por que o capitalismo funcionou no Ocidente e falhou no Terceiro Mundo? Quais seriam as principais causas do enorme sucesso relativo do Ocidente? Por que uma proporção gigantesca da população mundial se encontra na ilegalidade, fora das regras do jogo? Por que alguns países possuem vasta riqueza natural mas não conseguem gerar capital?

O autor e sua equipe realizaram anos de pesquisas em diversos países, e chegaram a conclusões interessantes. Em uma sentença bastante resumida, o sucesso relativo estaria atrelado ao sistema de representatividade dos ativos dos cidadãos. O que cria capital, possibilitando avanços sociais, econômicos e culturais, não são os bens físicos em si, mas como estes são utilizados.

Como os direitos de propriedade dos bens são definidos torna-se fundamental para o progresso. Um modelo simplificado, aceito pela maioria, em uma espécie de “contrato social” obtido naturalmente, e não imposto por uma minoria, possibilita esta transformação de ativos físicos em capital.

As dificuldades que o Terceiro Mundo encontra hoje para integrar seus setores ilegais à formalidade são similares ao que viveu o Ocidente no século 19. É crucial para se construir esta ponte que as elites e os governos compreendam que as leis devem ser criadas de baixo para cima, ou seja, precisam atender às realidades do povo.

Não adianta colocar em papel coisas que ninguém irá seguir. A grande maioria das pessoas prefere viver na legalidade, mas estará sempre comparando as vantagens e desvantagens disso. Quando os custos de permanecer na legalidade ultrapassarem os benefícios, um novo contrato social será estabelecido naturalmente em diversas localidades, fugindo assim das regras estabelecidas.

Isto inviabiliza um grande contrato social nacional, fundamental para que todos sigam as mesmas regras, o império das leis. Isso acaba colocando à margem do sistema legal bilhões em “ativos mortos”, dinheiro que não consegue se transformar em capital de fato.

Segundo estimativas do autor à época do lançamento do livro, 67% da população das Filipinas viviam em propriedades fora do regime legal, ou 81% no Peru, 83% no Egito, e por aí vai. Pelos cálculos de sua equipe, existiam cerca de US$ 9,3 trilhões em propriedades ilegais no Terceiro Mundo, ativos impossibilitados de se transformar em capital.

Para se compreender a gravidade disso, basta mencionar que a principal fonte de financiamento para empreendimentos nos Estados Unidos são justamente as hipotecas, cuja garantia é o direito de propriedade destes ativos. Uma residência americana é capital, enquanto que uma casa na favela é um ativo morto.

A diferença está no sistema formal de propriedade, no rule of law. Nos EUA, por exemplo, menos de 3% da população se encontra no campo, e existem poucos latifúndios, mas a produção agrícola é uma das maiores do mundo.

Isso é possível pois as propriedades rurais médias conseguem ter acesso ao capital, através de financiamentos e mortgages. No Brasil, uma fazenda de médio porte não consegue se alavancar, não tem como levantar capital pois nem mesmo um direito de propriedade bem definido existe. E ainda convive com a ameaça de invasões indígenas ou do MST.

É graças ao processo formal de propriedade que uma fábrica pode ser uma empresa, dividida entre milhares de acionistas. Ou uma casa pode ser uma garantia de empréstimo para um empreendimento. Em outras palavras, os ativos fixos podem ser divididos entre milhares de pessoas sem que isso afete sua integridade física.

Isso reduz absurdamente os custos de transação na economia, e cria um círculo virtuoso que transforma os ativos em capital. O dinheiro não pode ser criado ex nihilo, mas sim através de um sistema de propriedade que leve à cooperação entre pessoas para acumular e desenvolver mais produção. Isso só é possível através de um modelo formal de direito à propriedade, que integre a grande maioria da população.

Outro exemplo que mostra o abismo existente entre o Terceiro Mundo e o mundo civilizado está na propriedade intelectual. No Brasil, praticamente não existem pesquisas sérias que tragam significativos avanços tecnológicos. Isso ocorre pois não há uma regra clara e confiável para as patentes, para proteger os direitos de propriedade intelectual.

O Brasil é mestre na direção contrária, de quebra de patentes, e ainda se orgulha disso. Já nos EUA, se respeita tal direito, e isso incentiva o ramo de pesquisas. Da mesma forma que o direito à propriedade física é crucial para a criação de capital num país, a preservação da propriedade intelectual é condição sine qua non para o avanço tecnológico.

Imaginem se Bill Gates vivesse no Brasil. Será que o mundo teria tido acesso ao progresso que a Microsoft possibilitou? Na mesma linha, diversas curas e avanços na medicina só foram possíveis pois os laboratórios tinham a garantia de patentes, possibilitando um bom retorno sobre seus investimentos em pesquisa. Tais avanços não foram obtidos por meio do altruísmo de alguns cientistas, mas sim pela busca do lucro, protegido pela lei.

Boa parte das economias emergentes ainda se encontra na informalidade. As leis complexas, processos burocráticos incrivelmente lentos, custos proibitivos de se manter legal, impostos elevados, tudo isso empurra a maioria das pessoas para a ilegalidade. Os governos e elites precisam entender que são as regras do jogo que estão inadequadas, impossibilitando a integração de todos dentro do mesmo modelo.

As leis não podem ser criadas sem levar em conta a realidade do povo e nação. Quando o governo estende direitos incríveis para os trabalhadores, não pode ignorar as leis naturais entre oferta e procura de trabalho. Afinal, são exatamente todas as regalias garantidas aos trabalhadores que fizeram com que cerca de 30% da mão de obra nacional fosse parar na informalidade.

Se as leis escritas estão em conflito com as leis as quais os cidadãos vivem, descontentamento, corrupção, miséria e violência serão conseqüências inevitáveis. As leis oficiais precisam estar em acordo com a realidade dos fatos, pois papel e caneta não são capazes de alterar a natureza dos homens. Se os custos de seguir as leis são elevados demais, naturalmente serão criados contratos paralelos, como existem nas favelas e tantos outros universos ilegais.

Com isso, todos os ativos existentes nesse outro universo não poderão fazer parte do modelo formal e nacional de propriedade, e nunca se transformarão em capital efetivo. Para conseguirmos virar o jogo, tornar o capital acessível às massas, precisamos descobrir as verdadeiras “leis populares”, aquelas regras construídas através de um processo natural de contrato social.

Desafiar o status quo nunca é algo fácil. As barreiras serão muitas, pois sempre alguém perde alguma coisa. No caso, as elites podem ser cooptadas pelo argumento não altruísta, mas de que seus bolsos podem engordar bastante se levarmos capital para as massas.

Os pobres precisam ser convencidos de que a transição é benéfica para eles, de que migrar da ilegalidade para um sistema formal de propriedade abrirá caminhos incríveis para eles, novas oportunidades, e que os custos dessa transição serão menores que os ganhos potenciais de se capitalizar seus ativos mortos.

Para isso ser possível, o governo precisa definir regras claras e de acordo com a realidade, reduzir drasticamente o processo burocrático e os custos da legalidade, através de menores impostos obtidos por um governo menos inchado.

Enquanto o capital não chegar às massas, o sentimento de inveja, exploração e até luta de classes irá existir. A revolta contra a globalização existe pois cada vez mais uma parcela maior da população se sente à margem desse processo. Podem comer no McDonald’s e usar Nike, mas estão à margem do processo formal de propriedade.

Os governos precisam integrar essas pessoas ao sistema legal, precisam reduzir os custos de ser formal, reduzindo seu tamanho e seus impostos. Precisa transmitir confiança à população, através de regras claras e o seu cumprimento. Precisa desmontar os entraves burocráticos, que praticamente inviabilizam novos empreendimentos.

Não foi o capitalismo que falhou no Terceiro Mundo, pois este nunca existiu de facto. A falha está na não adoção de um modelo correto que possibilite o acesso e acúmulo de capital da nação. O inimigo não é o capitalismo, mas sim o estado hipertrofiado, que impossibilita o capitalismo de chegar às massas.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]