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Os limites entre a ética e a hierarquia
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O pai do diplomata Eduardo Saboia, o embaixador aposentado Gilberto Saboia, tocou em importante ponto quando disse que “respeitar os limites entre a ética e a hierarquia é fundamental”. Ele explicou:

Colocar meu filho como bode expiatório seria lamentável! Entendo que a presidente está aborrecida, mas peço que faça uma análise desapaixonada de toda essa questão. Que entenda que nada do que foi feito, foi ou será dito, tem como alvo seu governo. Eu e meu filho somos altamente disciplinados. Mas respeitar os limites entre a ética e a hierarquia é uma coisa fundamental.

A diplomacia é caracterizada pela discrição, respeito à hierarquia e aos protocolos. Mas em alguns momentos, o diplomata terá de fazer uma escolha entre a obediência cega e a ética. Ainda que pague um preço individual por tal escolha, é ela que vai separar o homem do robô autômato.

No limite, podemos pensar na “banalidade do mal”, descrita pela filósofa Hannah Arendt na análise do julgamento de Eichmann. Sua constatação foi justamente a de que se tratava de uma pessoa comum, seguidora de ordens, obediente à hierarquia sem questionamento.

Fazia apenas aquilo que Hitler mandara, logo, não se via culpado de nada, de nenhum ato monstruoso. Mas claro que isso é absurdo. Afinal, como sabia Viktor Frankl, “entre o estímulo e a resposta, o homem tem a liberdade de escolha”.

Somos portadores de uma consciência, de um senso de ética, que deve ser o filtro, em última análise, de nossas ações. É muito cômodo alegar que apenas seguimos ordens, mesmo quando são para realizar atos monstruosos.

E o governo Dilma, por pura afinidade ideológica ao de Evo Morales, estava prestes a obrigar o diplomata a algo monstruoso: após mais de 450 dias confinado na embaixada, em um prédio isolado no centro da cidade, em uma pequena sala, o governo Dilma nada fez para resolver a situação, mesmo quando o quadro de saúde do “prisioneiro” se agravava.

A escolha de Saboia foi pessoal, ao que tudo indica, e heróica. O heroísmo, afinal, é quando agimos pela ética, mesmo contra nossos possíveis interesses. Saboia colocou sua carreira segura em risco, comprou briga com gente poderosa, mas fez o que achou certo. Eticamente falando, o foco humanitário de sua ação, a despeito da hierarquia, parece correto.

Nem sempre será fácil traçar essa linha divisória entre a ética e a hierarquia. O caso Snowden vem à mente. O risco dessa postura é cada um se sentir livre para agir como bem lhe aprouver, e considerar que seu ponto de vista é o ético. Pode haver erro de cálculo, sem dúvida. Vidas inocentes podem ser colocadas em perigo. Sua visão de patriotismo ou ética pode ser equivocada.

Feita a ressalva, tudo aponta, no caso Saboia, para um acerto em sua decisão. Ainda mais quando sabemos – e ele mesmo diz ter as provas – que o governo Dilma colocava outras prioridades acima da vida do senador boliviano perseguido pelo governo Morales. Se o andar de cima da hierarquia joga no lixo a ética, por interesses ideológicos apenas, então parece evidente que cabe ao próprio diplomata resgatá-la.

Foi o que fez Saboia. Provou não se tratar de um simples Eichmann, guardadas as devidas proporções. Merece nosso reconhecimento por sua atitude corajosa e ética.

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