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Pastore: “Modelo para infraestrutura visa mais eleitor do que sociedade”
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Em entrevista para a Folha, o ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore, toca em pontos importantes das falhas do atual modelo econômico brasileiro. Seguem alguns trechos:

Folha – O governo baixou o custo do capital, o dólar subiu para dar mais competitividade, fizeram intervenções em vários setores, tiraram impostos. Ainda assim o crescimento não foi o esperado. Eram as premissas que estavam erradas?

Affonso Celso Pastore – Foi a ideia de que o estímulo fiscal produz crescimento. Ou a de que baixar a taxa de juros liberta o espírito animal. Ou a de que a depreciação cambial produz melhora de competitividade. Ou a de que, se você intervir mais na economia, produz resultados melhores.

Esse grau de intervencionismo feito em um setor ou em outro acaba gerando privilégios, vantagens para alguns. Em vez de gerar um setor privado que está atrás do lucro e da eficiência, induz a criação de um setor privado que é “rent-seeking” [busca de renda, em inglês, ou seja, a tentativa de obter renda pela manipulação do ambiente social ou político, em vez de agregar valor].

É muito mais eficiente ir a Brasília batalhar pela sua isenção tributária, ainda que você não seja eficiente, desde que você tenha o poder político de convencer o ministro, de convencer o presidente.

É muito mais fácil ir ao BNDES pleitear uma linha de crédito. Com isso, você vai dando dinheiro para setores que não necessariamente os setores melhores.

Não é com oligopólios e com monopólios que se cria eficiência. Cria-se eficiência com competição. Você cria eficiência a partir do momento que passa sinais de preços relativos, sinais de mercado que permitem aos indivíduos, na busca do lucro, obedecendo a esses sinais, alocar direito os recursos.

Há algo de profundamente errado nessa política intervencionista. Você chega a absurdos aqui dentro. Por exemplo, resolvemos baixar o preço da energia e, com isso, quebrou-se um contrato. No fundo, criou-se uma incerteza para o sujeito que investe em infraestrutura.

Um dos argumentos do governo é justamente que as licitações vão dar esse ganho de produtividade porque vão melhorar a infraestrutura do país, baixar o custo.

Eu não tenho dúvidas de que a infraestrutura é absolutamente fundamental para gerar tudo isso. Também não consigo entender por que já se passaram tantos anos até que isso ocorra.

O Brasil precisa de estrada, precisa de ferrovia, precisa de porto, precisa de aeroporto, precisa de melhor logística. Não tenho nada contras as licitações. Agora deixe-me falar um pouco sobre a forma como estão sendo conduzidas: o governo não tem dinheiro, então chama o setor privado para fazer. Mas ele diz “você tem que dar um passo aqui, outro passo para cá, você não pode sair desse círculo”. Para elevar a TIR, o BNDES alavanca com 80%, 90% de financiamento, baixa o custo de capital. Mas isso vira aumento de dívida pública.

Em 2008, essa transferência para o BNDES como dívida bruta era menos do que 1% do PIB, transferia, voltava etc. Isso está crescendo e chegou a 10% do PIB.

Esses 10% do PIB deixam a dívida bruta em 60% do PIB, e a dívida líquida está aqui em 35% do PIB.

Para chegar na dívida líquida você deduz da dívida bruta ativos líquidos, como reservas, depósitos do Tesouro no sistema bancário, depósitos do FGTS também. Agora, dinheiro que você emprestou por 10 anos, 15 anos não é mais líquido. E tem um subsídio aqui dentro, além de você estar aumentando a dívida bruta para fazer o gasto.

À medida que ele fez a licitação desse jeito, se ele financiar tudo isso, um pedaço disso é expansão fiscal. No fundo, ele não chamou o setor privado para o setor privado aumentar o estoque de capital. Ele está chamando o setor privado com limitações, com financiamento e uma taxa subsidiada.

Mas foi o próprio Lula que escolheu o atual ministro da Fazenda…

É, sumiu o pragmatismo. Por quê? Eu não sou psicólogo (risos). Mas o fato concreto é que não tem mais pragmatismo no governo.

O projeto de poder continua, mas aquele negócio de usar a economia de mercado por conveniência do projeto político mudou. Agora você quer usar o social-desenvolvimentismo. Quer dizer, tem um componente ideológico agora muito maior do que o componente que tinha lá atrás.

[…]

O excesso de intervencionismo, esse nacional-desenvolvimentismo ainda existe, está na cabeça do Brizola [Leonel Brizola, 1922-2008] 1812 – 9 de Junho de 1870), lá atrás, por isso está na cabeça da Dilma, por isso está na cabeça do Arno Augustin [secretário do Tesouro], esse povo que no fim absorveu aquilo.

Essas coisas são ciclos. Vai-se para um extremo e depois se volta para outro extremo, passando por um lugar intermediário. Estamos passando por um ciclo.

E o que acontece com quem herdar esse abacaxi em 2015?

Descasca e, se não estiver podre, come. O Brasil já pegou abacaxis complicados no passado. Alguém vai ter que suar sangue, suor e lágrimas para consertar isso. Mas tudo é consertável.

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