• Carregando...
Do socialismo ao niilismo
| Foto:

“O homem que diz que a verdade não existe está pedindo para que você não acredite nele. Então, não acredite.” (Roger Scruton)

Por que a esquerda pós-moderna precisa “desconstruir” tudo, apelar para um relativismo contraditório, afirmando que a verdade não existe, que tudo é questão de opinião? Por que vemos tanto ódio exalando das penas dos principais herdeiros de Marx e Rousseau? O livro Explicando o pós-modernismo, de Stephen Hicks, tenta dissecar o fenômeno visível e preocupante.

O autor mergulha nas questões mais filosóficas, que criaram o ambiente fértil para o surgimento do movimento pós-moderno. Resgata o ceticismo de alguns pensadores iluministas que colocaram em xeque a própria razão humana, principal instrumento do Iluminismo, o que abriu espaço para o ataque posterior dos defensores do irracional. O pós-modernismo rejeita o legado iluminista.

Os grandes pilares do mundo moderno são a democracia liberal, a economia capitalista de mercado, o foco no indivíduo e a razão como instrumento eficaz para apreender a realidade. O pós-modernismo iria atacar tudo isso com incrível voracidade. Todas as conquistas iluministas ocidentais seriam transformadas em pragas. O Ocidente seria visto apenas como uma história de opressão do homem branco rico, nada mais. Não importa que a escravidão tenha terminado, após séculos, justamente no Ocidente liberal. Não importam os fatos!

Se Marx e os marxistas tentavam falar em nome da ciência, ainda filhos dos tempos iluministas, seus herdeiros pós-modernos abandonariam completamente a lógica e a razão, condenando a própria possibilidade de conhecimento objetivo. Os “sentimentos” estariam acima da razão. Mas claro que não quaisquer sentimentos. Se os pós-modernos levassem a sério seu excessivo subjetivismo epistemológico, haveria de tudo no movimento, da esquerda à direita. Afinal, qualquer sentimento vale. Mas todos os seus representantes eram radicais de esquerda. Coincidência?

Hicks argumenta que não. Sua tese é a de que, após a escancarada falência do socialismo nos campos teórico e prático, restou aos seus adeptos um ataque aos próprios fatos, à razão em si, à capacidade humana de apreender a realidade e debater racionalmente com argumentos. O pós-modernismo é, então, uma estratégia da esquerda para reagir à crise do socialismo. Sua grande arma seria a linguagem, e o alvo seria a juventude universitária.

Já que não dava mais para atacar o capitalismo por supostamente não gerar riqueza para as massas, ele passaria a ser atacado por gerar riqueza demais, ameaçando o planeta (nascia o ecoterrorismo), ou então por produzir desigualdade. Como quem não quer nada, a esquerda parou de falar em riqueza absoluta e passou a focar somente em riqueza relativa, visando os invejosos. O coletivismo também seria transferido da classe social para grupos de identidade: mulheres, homossexuais, negros, todos seriam parte da “minoria oprimida”.

Como o capitalismo mostrava oportunidade de ascensão material e a formação de uma ampla classe média, o novo ataque iria focar em uma espécie de alienação velada: saía de cena o proletário e entrava o trabalhador de classe média psicologicamente reprimido, vítima da propaganda do “sistema” e aparentemente feliz com os estímulos do consumo. Ele acha que é livre, mas não passa de um escravo, o pior tipo de escravo: o que pensa que é livre.

Por isso, Chomsky e companhia podem afirmar, na cara de pau, que os Estados Unidos são a maior tirania do planeta, num mundo com Cuba, Irã, China e Coreia do Norte. E fazem tal ataque gozando do conforto e da liberdade que só o capitalismo americano poderia lhes oferecer. Incoerente? Contraditório? Isso é apenas lógica aristotélica, e os pós-modernos vivem no mundo da dialética hegeliana.

Marcuse, Foucault, Derrida, todos ajudaram a criar um clima propício para o surgimento de inúmeros movimentos terroristas de esquerda na década de 1960. A Nova Esquerda ainda era revolucionária, mas faria isso subvertendo os valores ocidentais, seu principal legado, atacando seus pilares fundamentais. No campo da linguagem, confusão deliberada, sofismas, malabarismos semânticos. No campo das artes, todo lixo efêmero seria tratado como equivalente aos clássicos. O multiculturalismo serviria para nivelar por baixo e diminuir as conquistas ocidentais.

Por trás disso tudo, um forte ressentimento, um ódio ao capitalismo liberal, e um desejo profundo de destruição. Era a transição do socialismo para o niilismo: se um não vingou, vamos destruir o outro!

Originalmente publicado no GLOBO.

Rodrigo Constantino

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]