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 | Marcelo Andrade / Gazeta do Povo
| Foto: Marcelo Andrade / Gazeta do Povo

Luta

Em busca de uma chance de viver

Mais de 2,6 mil km e 33 horas de viagem separavam o pequeno Arthur, de 2 meses e 17 dias, de uma chance de viver. A mãe, a dona de casa Francieli da Silva Paula Rosa, 21 anos (foto acima), vivia em Pimenta Bueno, distante 500 quilômetros de Porto Velho, em Rondônia, e descobriu, aos seis meses de gestação, que precisava dar à luz para que o filho não morresse dentro do útero – e que o parto precisava ser num hospital que atendesse gestação de alto risco e que tivesse uma UTI neonatal.

Decidida a salvar a vida do filho, Francieli fez o que toda mãe de prematuro faz: abandonou o marido, o filho mais velho, o emprego e pegou um avião para Curitiba, onde morava a cunhada, e onde ela esperava encontrar mais assistência. Na 26ª de vida dentro do útero, Arthur deu adeus a um espaço silencioso e aconchegante e veio ao mundo, pesando 840 gramas. Iniciava ali uma vida marcada por medicamentos, infecções, picadas de agulha, tubos respiratórios e distância da mãe, que o via através de vidros frios.

Hoje, com 1,8 kg, Arthur está quase pronto para ir embora. A mãe passa o dia no hospital – das 8h20 às 18h30. Não voltou ao médico desde que ele nasceu, descuidou-se de tudo, só pensa na próxima vez que verá o filho, já que de três em três horas lhe é permitido dar-lhe de mamar. "Dói muito ter de ir embora e deixá-lo aqui", diz, ao mesmo tempo ciente de que o filho é um dos mais de 270 mil brasileirinhos marcados, todo os anos, pela luta da sobrevivência desde o primeiro suspiro.

Números

9,2% dos nascidos vivos em 2010 no Brasil foram prematuros. A prematuridade ocorre quando o bebê nasce antes da 37ª semana.

Maria Clara

Conheça a história dela, que nasceu com 630g e de seis meses, além de outras informações sobre prematuros

Leia a história completa

Se antes eram uma raridade, hoje são cada vez mais comuns casos de bebês prematuros – geralmente também com baixíssimo peso – que sobrevivem e levam uma vida normal. De acordo com a Organização das Nações Unidas, 15 milhões deles vieram ao mundo em 2010 – no Brasil, foram 279,3 mil. Se por um lado os países precisam trabalhar para diminuir o índice de prematuros e evitar internações pós-parto, por outro, o fato de eles estarem sobrevivendo é um sinal de que a Medicina se aperfeiçoou para permitir a sobrevida de seres tão frágeis.

O sucesso que se vê hoje era quase impensável até o começo dos anos 60, como observa a chefe do Serviço de Neonatologia do Hospital Evangélico Evanguelia Shwetz. Foi no início daquela década que pesquisas sobre os nascidos antes do tempo passaram a ser feitas por universidades e hospitais. Isso, porque, em 1963, o terceiro filho do então presidente-norte americano John F. Kennedy, Patrick, morreu após nascer prematuro e adquirir uma doença chamada de "síndrome do desconforto respiratório". Após a tragédia, o governo americano passou a financiar estudos na área.

Nos anos 70, logo após o estabelecimento efetivo da neonatologia como uma ciência especializada dentro da Pediatria, iniciou-se uma conscientização sobre a importância das UTIs neonatais, cujos primeiros registros datam da década de 40. E, por fim, no início dos anos 90, passou a ser distribuído no Sistema Único de Saúde (SUS) o surfactante, aprovado no fim dos anos 80, e considerado o medicamento que aumentou drasticamente a sobrevida de prematuros.

Como explica Evanguelia, o surfactante, uma espécie de liquido lipoproteico, é produzido normalmente pelas células do pulmão e responsável por evitar que o órgão se feche no momento da expiração. Os prematuros, em especial os nascidos entre a 28.ª e a 32.ª semanas, produzem a substâncias em mínimas quantidades e, por isso, acabam morrendo de problemas respiratórios. A distribuição maciça do surfactante artificial diminuiu drasticamente o número de óbitos por problemas respiratórios.

Aparelhos como a dopplefluxometria, usado a partir dos anos 2000, também deram um salto ao detectar precocemente a falta de vascularização da placenta e informar se o transporte de oxigênio é insuficiente e está impondo sofrimento ao bebê. Com isso, é possível antecipar o parto e salvar a vida da criança. "Também houve o aprimoramento de dietas nutricionais, aparelhos que medem a temperatura corporal e remédios que controlam melhor as infecções", explica o neuropediatra Antonio Carlos de Farias, do Hospital Pequeno Príncipe.

Apesar dos avanços, o ideal é melhorar a assistência no pré-natal, controlar problemas como hipertensão e diabete da mãe e evitar nascimentos antes do tempo. Caso isso realmente não seja possível, mesmo que os prematuros sobrevivam nas UTIs e tenham alta, é preciso evitar que acabem morrendo por doenças que surgem ao longo da infância. De acordo com a ONU, cerca de 10% dos prematuros morrem antes de completar 5 anos, embora três quartos das mortes sejam evitáveis.

Estudo liga prematuridade a doenças mentais

O fato de cada vez mais prematuros sobreviverem ao parto pode ser considerado positivo, visto que a Medicina evoluiu a ponto de simular de modo quase perfeito o útero, e assim possibilitar a maturação de órgãos vitais do bebê. Apesar dessa boa notícia, no entanto, é preciso ficar alerta: um estudo feito pela publicação americana Archives of General Psychiatry ligou, pela primeira vez, a prematuridade a possíveis transtornos mentais na vida adulta.

A pesquisa, realizada pelo King’s College, de Londres, analisou registros de 1,3 milhão de suecos nascidos entre 1973 e 1985 e observou que 10,5 mil apresentavam transtornos mentais. Desse universo, 580 haviam sido prematuros. Cruzando os dados, observou-se que os nascidos no tempo esperado tinham uma chance em mil de apresentar os distúrbios. Já os nascidos antes da 36.ª semana apresentavam quatro vezes mais chance, e os nascidos antes da 32.ª, seis vezes mais.

Numa comparação com a população em geral, os nascidos antes da 32.ª semana tinham até sete vezes mais chances de desenvolver transtorno bipolar; três vezes mais chances em relação à depressão e 2,4 vezes mais chances no caso de psicose. Os que nasceram entre a 32.ª e a 36.ª, tinham menos chances, mas ainda eram maiores do que as dos bebês nascidos no tempo.

Hipóteses

De acordo com o neuropediatra do Hospital Pequeno Príncipe (HPP) Antonio Carlos de Farias, o fato de muitos prematuros apresentarem falta de oxigenação cerebral, meningite ou pequenas hemorragias no órgão pode ser uma explicação. Tais incidentes podem resultar em microlesões nas células cerebrais e dificultar a formação dos circuitos neuronais, levando a problemas cognitivos e comportamentais que começam a ser desvendados pela ciência.

A hipertensão apresentada por muitas mães de prematuros também pode ser uma das causas. O problema leva à menor irrigação da placenta, diminuindo o aporte de oxigênio e nutrientes para o bebê e contribuindo para a hipóxia, quadro caracterizado pela falta de oxigenação dos tecidos e ligado, inclusive, a casos de esquizofrenia, segundo o estudo.

Outra hipótese, levantada pela chefe do Serviço de Neonatologia do Hospital Evangélico, Evanguelia Shwetz, diz respeito ao alto grau de estresse sofrido pelo bebê. "O prematuro passa por uma série de cirurgias, sente dor e vive num ambiente [as unidades de terapia intensiva] barulhento em comparação ao útero, que é o local onde ele ainda deveria estar." Estudos já apontaram que o cortisol liberado pelo estresse pode estar ligado à depressão e a transtornos do humor.

Ressalva

O médico do HPP, no entanto, alerta: ter sido prematuro não é sinônimo de possuir distúrbio, uma vez que ter predisposição a uma doença não significa que o problema irá se instalar um dia. Hoje, sabe-se que transtornos mentais são fruto tanto da genética quanto do ambiente. "Ter um gene para a depressão não significa que a pessoa irá ter a doença, assim como apenas passar por um trauma não desenvolve o problema. É uma combinação de vários fatores, que ainda não conhecemos bem."

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