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Após uma mastectomia, a norte-americana Angie Watts, de 44 anos, teve dúvidas sobre se fazia ou não um tratamento de radiação porque médicos não entraram em consenso sobre o resultado de um teste genético feito por ela. | Jeremy M. Lange/NYT
Após uma mastectomia, a norte-americana Angie Watts, de 44 anos, teve dúvidas sobre se fazia ou não um tratamento de radiação porque médicos não entraram em consenso sobre o resultado de um teste genético feito por ela.| Foto: Jeremy M. Lange/NYT

Em uma época em que exames genéticos e tratamentos geneticamente personalizados para o câncer estão proliferando, impulsionados por novos recursos como a iniciativa de medicina personalizada, que irá consumir US$ 215 milhões, lançada pelo presidente Barack Obama, mulheres com câncer de mama enfrentam uma realidade frustrante: as informações genéticas existem, mas em muitos casos os médicos não sabem o que fazer com elas.

Essa foi a situação que Angie Watts, de 44 anos, encarou depois de entrar no consultório de um oncologista em junho passado esperando discutir a terapia de radiação que faria depois de uma mastectomia por causa de um câncer de mama. Ao invés disso, o doutor Timothy M. Zagar, da Universidade da Carolina do Norte, olhou para alguns resultados de exames e lhe deu uma notícia chocante.

Um exame genético mostrou que ela herdara uma alteração em um gene necessário para consertar o DNA. A radiação quebra o DNA, por isso o tratamento poderia, na verdade, estimular o crescimento do câncer, afirmou o médico. Ele pediu à paciente que não corresse o risco e que fizesse uma mastectomia dupla ao invés disso. “Não sou um homem de apostas”, disse Zagar em uma entrevista recente.

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Abalada, Angie ligou para o doutor James P. Evans, professor de Genética e Medicina da Carolina do Norte. Ele lhe disse o oposto: a mutação que ela carregava não era conhecida por ser prejudicial, assim Angie poderia fazer o tratamento com a radiação. Um grupo de médicos se reuniu, mas não chegou a um consenso, então, conta Angie, “eles deixaram que eu decidisse”.

A experiência de Angie destaca um lado inquietante do uso crescente da genética na medicina, particularmente nos cuidados com o câncer de mama. Há tempos os médicos são atormentados por um futuro em que métodos poderosos de exames genéticos permitirão que os tratamentos sejam adaptados para a composição genética do paciente. Hoje, no tratamento do câncer de mama, testar os tumores e as células saudáveis para ver se existem mutações se tornou um padrão.

Mas, como Angie descobriu, “nossa habilidade para sequenciar os genes ultrapassou a capacidade para saber o que eles significam”, afirma Eric P. Winer, diretor do programa de oncologia de mamas do Instituto do Câncer Dana-Faber de Harvard.

As ambiguidades e decepções acontecem em duas áreas: existem exames genéticos de pacientes para descobrir se eles herdaram mutações que os predispõem ao câncer, e há testes genéticos de células do câncer para se procurar por mutações que causam o crescimento do tumor – mas, se algo é encontrado, frequentemente não pode ser tratado com os remédios que existem no mercado.

A habilidade de entender e interpretar exames genéticos com certeza vai melhorar. Mas, por enquanto, o que parece um teste simples pode deixar o paciente com uma informação assustadora, e sem opções ou orientações claras para as decisões de como prosseguir com o tratamento.

“Há muita coisa em jogo. Você tem testes que são inerentemente confusos e com nuances e solicitações e interpretações generalizadas de médicos que não estão exatamente equipados para fazê-las. A situação é perfeita para a criação de interpretações exageradas e erradas”, afirma Evans, o geneticista que aconselhou Angie.

Os oncologistas dizem que mesmo assim faz sentido pedir os exames, que podem identificar mutações em cerca de 100 genes. Se eles encontrarem mutações que aumentam muito o risco de câncer, é uma informação valiosa. Mas os pacientes precisam estar preparados para ambiguidades.

“Normalmente, eles não estão”, diz a doutora Elizabeth E. Campbell, oncologista que foi diretora do Centro de Câncer Feminino Duke.

No caso de Angie, a mutação era um mistério médico conhecido como “uma variação de significado desconhecido”. Isso significa que ela não destrói a função do gene, mas pode alterá-la – deixando as implicações totalmente incertas.

Com cada gene sendo testado, existe uma chance de 5% de encontrar uma variação de significado desconhecido. Assim, à medida que mais e mais genes são testados, os riscos ambíguos podem aumentar rapidamente.

Um artigo recente publicado no JAMA Oncology envolvendo 897 mulheres de 40 anos ou menos com câncer de mama descobriu que quase todas tinham sido testadas para mutações nos genes BRCA 1 e 2, que podem aumentar os riscos de câncer de mama. A maioria não carregava mutações conhecidas. Mas a chance de ter uma mutação de significado desconhecido – 4,6 % – foi parecida com a de ter uma mutação conhecida e perigosa, 4,5 %, no gene BRCA2.

Angie finalmente decidiu fazer a terapia com radiação e tudo correu bem. Mas, diz ela, “Foi assustador. Em alguns momentos eu até me arrependo de ter feito o exame genético”.

Duas décadas atrás, o câncer de mama parecia estar na vanguarda dos tratamentos personalizados. O primeiro remédio de medicina de precisão, o Herceptin, foi desenvolvido e aprovado para um subconjunto de pacientes com câncer de mama nos anos 1990. Mas agora, à medida que novos medicamentos de precisão poderosos conseguem respostas marcantes em pacientes com outros cânceres – pulmão, cólon, melanoma, sangue e gástrico – pacientes com câncer de mama com metástase foram deixados de lado.

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“É como ficar parado na frente de uma loja de doces em um domingo, quando está fechada, olhando a vitrine”, afirma o doutor Gabriel N. Hortobagyi, diretor de pesquisa de câncer de mama do Centro de Câncer MD Anderson em Houston.

Não existe nenhuma razão óbvia por que o câncer de mama em particular deveria ser tão resistente a novas terapias. Mas a situação é um dos exemplos mais claros da frustrante realidade da medicina de precisão hoje. Enquanto os laboratórios podem testar centenas de genes que foram relacionados ao câncer e apesar de os exames encontrarem possíveis culpados, muito frequentemente não há nada que possa ser feito.

“Como conceito, é lindo. Na prática, enfrentamos muitos obstáculos. A maioria dos cânceres de mama tem não uma, mas quatro, seis, dez, algumas vezes 15 ou 20 mutações. Então qual é a mutação principal e quais não são? É uma situação difícil”, diz Hortobagyi.

Mesmo que os investigadores tenham uma boa ideia de qual mutação perseguir, pode não haver um medicamento para bloqueá-la. Ou talvez haja um remédio sendo testado em um exame clínico, mas a mulher não é elegível porque, por exemplo, teve duas sessões de quimioterapia e as regras dizem que ela não poderia ter tido mais de uma.

Ou existe um remédio que foi aprovado para um câncer diferente, mas custa mais de US$ 100 mil por ano e o seguro saúde não paga. Algumas vezes, um medicamento que funciona contra uma mutação em um tipo de câncer também serve para essa mesma mutação em outro, mas algumas vezes não.

O doutor Norman Sharpless, diretor do Centro de Câncer Geral Lineberger da Carolina do Norte, estima que talvez uma em cada mil mulheres com câncer de mama avançado poderá se beneficiar usando os medicamentos aprovados e experimentais que existem hoje. “Poucas conseguem benefícios incríveis, mas quando as pacientes chegam esperando uma cura, a maioria fica desapontada”, conta ele.

Elizabeth E. Campbell, no entanto, tem confiança de que um dia os exames genéticos para cânceres de mama vão dar frutos. Hoje, diz ela, os oncologistas ficam em uma situação difícil. Eles não sabem nem se deveriam sugerir os exames genéticos. “Estamos tentando encontrar caminhos de esperança que não sejam só propaganda”, afirma ela.

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