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Alba e Silas no anfiteatro onde acontecem os encontros do Grupo de Adesão, no HC, na comemoração dos 15 anos  de trabalho. | Antônio More/Gazeta do Povo
Alba e Silas no anfiteatro onde acontecem os encontros do Grupo de Adesão, no HC, na comemoração dos 15 anos de trabalho.| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

“Meu nome? Maria Eliza Tavares, dona de casa, tenho 78 anos e sou soropositiva há 19. Pode escrever aí: o que mata não é a aids. O que mata é o preconceito”, declara a senhora com jeito de avó, em meio a outros 60 homens e mulheres que, assim como ela, foram contaminados pelo HIV. Eliza e os demais não estão à espera de consulta médica – estão em festa, comemorando os 15 anos de atividades do “Grupo de Adesão do Hospital de Clínicas (HC)”, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O encontro foi na tarde do dia 7 de abril, mas as comemorações vão se estender por 2015. O momento pede: não fosse aquela pequena rede de apoio, talvez não estariam mais ali.

“Eu perdoei”

A dona de casa Maria Eliza Tavares, 78 anos, soube que portava o HIV em 13 de maio de 1996 – dia de Nossa Senhora de Fátima, lembra. Apavorou-se – pesava 40 quilos e não andava mais. A contaminação veio numa transfusão de sangue. Em meio a toda balbúrdia advinda dos testes, Maria Eliza decidiu perdoar o hospital, os médicos e, como diz, a vida. “Não sabia que eu era tão forte”. Chamou os seus e retomou a rotina ao lado dos cinco filhos, dez netos e cinco bisnetos, convidados por ela a deixar de lado os preconceitos.

O Grupo de Adesão do HC nasceu para ajudar soropositivos a não abandonarem o tratamento, “prova de fogo” após a testagem. A simplicidade e a eficiência da proposta chegam a impressionar. Graças às reuniões, cai o índice de mortalidade causadas pelas infecções – grande feito no país que registrou, em 2013, 12,7 mil mortes por aids, mil por mês. Não há estatísticas seguras, mas sobram certezas. Conviver com gente que está no mesmo barco serve de vacina contra o isolamento e a impotência diante dos pesados efeitos colaterais dos medicamentos. Funciona como um espelho: conferir a dor e a vitória do outro, redimensiona o próprio sofrimento.

A proposta

Em Curitiba, a proposta foi desenvolvida pela enfermeira Maria Alba de Oliveira Silva, recém-aposentada no HC. No final dos anos 1990, reconhecida por sua atuação junto aos soropositivos que frequentavam o ambulatório hospital, Alba foi a Brasília para uma capacitação oferecida pelo Ministério da Saúde. Parecia um treinamento como tantos. A diferença foi que daquela vez voltou para casa com uma pilha de diretrizes debaixo do braço: era a proposta para a formação dos grupos de adesão.

Logo no início dos trabalhos, ganhou a parceria do assistente social Silas Moreira. Formaram uma dupla e protagonizam a tal da experiência bem-sucedida, passível de ser estudada por outras áreas – da saúde ou não. “Sempre digo que se o Grupo de Adesão tivesse sido fundado por um médico, nossas dificuldades seriam menores”, observa Alba. Na festa dos 15 anos, a nova administração do hospital prometeu de presente mais apoio à iniciativa.

Funciona

Deixar de tomar os remédios ocorre com mais frequência do que se imagina, tamanho o impacto provocado pelos coquetéis, formados por tantos comprimidos que enchem a palma da mão. O programa brasileiro de distribuição de antirretrovirais inclui 21 drogas destinadas a mais de 310 mil pacientes. A disciplina para consumi-los exige acompanhamento e ombro amigo, em especial na fase inicial. Nesse ponto, muitos desistem, desestabilizando-se. Ao “queimar” a medicação, como se diz, abrem espaço para as infecções oportunistas. O grupo está lá para evitar que isso aconteça.

Um dos dissabores é a lipodistrofia, concentração de gordura no abdome. Beira a deformidade e apavora as mulheres, como testemunha a agente da Pastoral da Aids Nair Thomazini, de 46 anos, 24 com diagnóstico. Ela mora em Céu Azul, no Sudoeste do Paraná, e acompanha 150 contaminados na região. Ponha-se na lista diarreias e tonturas. Frente a esses e outros inconvenientes, muitos desenvolvem rejeição às cápsulas, pondo a perder o tratamento e acelerando as contaminações, uma derrota depois de duas vitórias – o trauma do diagnóstico e o medo da rejeição.

O curioso é que coibir o abandono dos coquetéis não chega a ser um bicho-de-sete-cabeças. O grupo é uma prova disso. Segue-se ali uma receita caseira, semelhante às dos grupos de jovens da Igreja, ONGs: às terças-feiras, os soropositivos sentam em roda num pequeno anfiteatro do HC. Ali falam de suas angústias, partilham pequenas conquistas e recebem orientação de profissionais de saúde. Criam vínculos. Tudo termina com café com bolo e uma animada rodada de abraços, técnica de autoajuda criada pelo frade capuchinho Pedro Brondani, um dos fundadores da Pastoral da Aids e presença garantida nas reuniões.

O milagre do suco de maçã

O Grupo de Adesão merece aplausos dos profissionais da saúde que trabalham com soropositivos no Hospital de Clínicas da UFPR. As infectologistas do HC Cléa Elisa Lopes Ribeiro e Maria Cristina Assef figuram entre os entusiastas. Listam os motivos. Diante do médico muitos pacientes se intimidam, atitude que tende a se diluir em meio à informalidade dos encontros. Os resultados são notáveis.

O efeito vai para além do apoio psicológico. Muitos dividem na roda os seus segredos, inclusive os mais pragmáticos – um deles é qual a melhor bebida para conter o efeito indigesto dos coquetéis. “Nós recomendávamos um monte de coisas, como chocolate. Mas foram eles que descobriram as maravilhas do suco de maçã de caixinha, elixir contra o enjoo. A descoberta se popularizou”, exemplificam, em meio a um festejo que nada tem de fúnebre. A alegria da turma que trabalha com a aids é uma das vitórias contra a doença que mudou o vértice dos costumes na segunda metade do século 20. “A medicina se beneficia com iniciativas feito essa. É um modelo desejável”, observa Maria Cristina.

Para Cléa – que atua também no setor de DSTs/Aids da Secretaria Municipal de Saúde, um dos “efeitos colaterais” mais interessantes do Grupo de Adesão é o cuidado mútuo. Ao travarem relações de amizade, os participantes passar a zelar uns pelos outros. “Nosso trabalho não alcança todas essas necessidades”, dizem, sem deixar de lembrar que a experiência desenvolvida por Maria Alba de Oliveira Silva e Silas Ribeiro poderia ser replicada em outros setores da saúde pública, como apoio ao serviço ambulatorial. (JCF)

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