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O professor Cezar Japiaçu já se aposentou, mas optou por seguir trabalhando. A decisão tem a ver com a qualidade de vida e a menter-se ocupado | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
O professor Cezar Japiaçu já se aposentou, mas optou por seguir trabalhando. A decisão tem a ver com a qualidade de vida e a menter-se ocupado| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Mais uma vez, o Brasil está frente ao desafio da previdência. Os economistas são categóricos: não é possível manter o sistema de aposentadorias precoces combinado a uma expectativa de vida cada vez maior. Mas, para além da pressão sobre os caixas previdenciários, parar definitivamente de trabalhar aos 58 anos – idade média da aposentadorias atualmente no Brasil –, quando a esperança de vida está em torno de 75 anos, se torna também uma ameaça à saúde. Segundo especialistas, esse período de quase duas décadas de vida sem ocupação formal pode gerar um rápido declínio cognitivo e corporal, abrindo espaço para o surgimento de doenças.

Em estudo recente, pesquisadores das universidades americanas Oregon State University e Colorado State descobriram que, quem se aposenta depois dos 65 anos, tende a viver mais. A pesquisa, realizada com 2.956 americanos acima dos 50 anos – nascidos entre 1931 e 1941 –, aponta que o risco de morte é 11 % menor entre aqueles que atrasaram a aposentadoria por um ano, até os 66 anos, e diminui ainda mais entre os que param de trabalhar dos 66 aos 72 anos.

Ponto de vista social

Outro estudo, este da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também defende que não há uma idade “certa” para se aposentar. De acordo com a pesquisa, publicada em 2015 com o título de “O Desafio de Aposentar-se no Mundo Contemporâneo”, o momento da aposentadoria depende de como cada indivíduo encara a vida, além das influências sociais e culturais do país que vive.

Enquanto aposentar-se pode ser “férias para aqueles que antecipam a liberdade; uma sentença para aquelas que não a desejavam, mas não conseguiram escapar dela; pode, também, ser considerada como uma nova adolescência, na qual dominam os medos e expectativas de uma fase ainda desconhecida de vida ou, também, de um começar tudo de novo”.

Os participantes ingressaram no estudo em 1992 e já estavam aposentados em 2010. Eles foram separados em três grandes grupos de trabalhadores: manuais, administrativos e provenientes do setor de serviço. Além disso, o estudo levou em consideração fatores como gênero, consumo de cigarros e álcool, prática de exercícios e índices de massa corporal, avaliações de saúde e deficiências. A presença de doenças como diabetes, hipertensão e problemas de coração também foi apontada.

Mesmo considerando essas informações, assim como dados sociodemográficos e de estilo de vida, não foi encontrado um fator que afetaria a relação entre a aposentadoria e a longevidade. Apesar de ser possível estabelecer essa associação, porém, é importante apontar que não há provas de causalidade. Nesse sentido, não é possível afirmar que se aposentar um pouco mais tarde irá garantir uma vida mais longa.

O intuito da pesquisa é instruir o trabalhador a pensar sobre o papel do trabalho nas suas vidas, pois a aposentadoria tardia atrasa o declínio das funções cognitivas, já que mantem o corpo e a mente em funcionamento. A geriatra Débora Lopes, que atua no Núcleo de Apoio à Saúde da família da Prefeitura de Curitiba, concorda que é imprescindível estar em movimento para garantir a qualidade de vida. “O principal fator de saúde é a funcionalidade, seja se dedicar ao trabalho, ou a um hobby e voluntariado. Quanto mais dependente uma pessoa se torna dos outros, maior é o risco para a saúde”, garante a médica.

Nos Estados Unidos, a aposentadoria obrigatória foi extinta em 1986, com exceção para algumas profissões que exigem mais, como pilotos e juízes. Na maior parte da Europa ainda predomina uma idade obrigatória. Débora não concorda com uma idade estipulada, mas ela acredita que é fundamental planejar. “Muitos pensam que depois de se aposentar, vão descansar. Mas o fato é que ninguém descansa por cinco, dez anos. Quando se deparam com uma vida pacata, as doenças começaram a aparecer”, diz.

O presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia do Paraná, Vitor Pintarelli, aconselha os idosos a não deixarem de buscar desenvolver novas habilidades. “A pessoa que se encontra já aposentada pode se dedicar ao aprendizado de uma nova língua, instrumento musical ou até mesmo ingressar numa faculdade. É de suma importância que também busque uma atividade física, como um esporte”, diz o geriatra.

Males como depressão, stress, insônia são os primeiros que se manifestam naqueles que não continuam em movimento, segundo Débora. Depois, os aposentados começam a perder massa muscular e a ter dificuldade para andar. Ainda é possível que a inércia acarrete uma pneumonia ou infarto, além de outras doenças.

Para a médica, é preciso que o indivíduo estabeleça uma nova rotina de trabalho e de vida até se acostumar. “Caso não queira parar, mas se sinta cansado, é possível reduzir a carga horária, mudar de setor na empresa. É preciso ter um plano para esse período da vida, realizar o que não pôde ser feito antes, como por exemplo, viajar”, defende a geriatra.

“Conheço pessoas que depois de aposentadas passaram a trabalhar menos. Outras se dedicam ao cuidado da família e dos netos. Mas ainda existem aqueles que seguem do mesmo modo que antes. Cada um deve saber o que é o melhor para sua saúde mental”, finaliza Pintarelli.

“É questão de qualidade de vida”, diz engenheiro e professor que optou por continuar trabalhando

O currículo do engenheiro Cezar Japiassu, de 56 anos, é bastante extenso. Por 25 anos, foi empregado na Bosch, onde trabalhou em diversas áreas. Assim que deixou a empresa, em 2009, começou a prestar consultoria e a fazer uma especialização. Em seguida, começou a dar aulas na Universidade Positivo. Foi quando ele acumulou tempo de contribuição suficiente para se aposentar. Aposentou-se, mas continuou na ativa. Hoje, além de lecionar, ele se tornou aluno de um curso de mestrado em gestão ambiental.

“É até uma questão de qualidade de vida. Você se sente desafiado a se atualizar, se sente útil e devolve à sociedade aquilo que a vida lhe proporcionou. Aumenta a alegria e a longevidade. Não penso em parar”, disse. “Com a conclusão do mestrado, por exemplo, além de dar aula, eu posso voltar a dar consultorias. É outra possibilidade”, vislumbra.

Japiassu é casado e tem dois filhos – ambos formados e “encaminhados”. Com a vida estável e com a qualificação conquistada ao longo da jornada, pode se dar ao luxo de reduzir a carga de trabalho e a cuidar de si. Três vezes por semana, por exemplo, vai à academia. Quando quer, viaja. Conquistou autonomia e independência, que lhe permitem gozar a vida.

“A acredito que, hoje, a idade produtiva de quem não trabalhou com esforço físico pode passar dos 70 anos. Como eu me qualifiquei e não preciso ganhar tanto dinheiro quanto há dez anos, eu posso ter uma rotina mais equilibrada”, apontou.

Dentro da casa de Japiassu, há outro exemplo. A mulher dele, Rita Rosário, também se aposentou, mas continua trabalhando – como diretora editorial em uma editora de livros. Graças à segurança, ela cogita em reduzir a carga-horária para seis horas por dia.

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