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O arquiteto Cláudio Forte Maiolino vai à igreja todos os dias. Não necessariamente a mesma, mas está sempre lá, a postos, muitas vezes com os olhos elevados para o alto – conferindo como andam o restauro da cúpula ou os consertos no telhado. Esse é seu ofício desde 1978, quando, ainda estudante de Arquitetura, participou de um projeto de resgate no Centro Histórico da Lapa. Gostou tanto que prometeu a si mesmo que dali em diante usaria a régua e o compasso para salvar o patrimônio nacional – particularmente o religioso, que viria a se tornar sua especialidade.

Quase três décadas depois da expedição lapiana, Maiolino é uma referência nacional na conservação, resgate de memória e restauro de igrejas, com um considerável saldo de feitos. Os projetos desenvolvidos na Catedral Basílica de Nossa Senhora da Luz e na Paróquia Nossa Senhora do Rosário, ambas no centro de Curitiba, são seu cartão de visitas. Só na capital, assina o restauro de sete templos, um deles ainda debaixo dos andaimes – a Paróquia São Francisco de Paula, no Batel (leia mais nesta página) – e outro em vias de ingressar na segunda fase – o da Paróquia Bom Jesus, no Portão.

Fora dos limites da Arquidiocese de Curitiba o nome de Cláudio Maiolino e de sua equipe de 50 profissionais, entre arquitetos, restauradores e edificadores, é uma senha para que os vigários abram até a porta das vigiadíssimas torres do campanário. É de sua autoria o restauro da Igreja Santo Antônio do Valongo, uma das jóias do patrimônio colonial de Santos, litoral de São Paulo. Fez também incursões pelo barroco mineiro – para onde costuma levar seus alunos de Arquitetura, estágio que inclui ir à missa pelo menos uma vez, sob pena de ficar para segunda época. "Não se trata de ter ou não fé. A liturgia católica, numa igreja do século 18, não é programa que se perca", catequiza.

Atualmente, Cláudio nada em braçadas para dar conta de tantos pedidos. Divide-se entre a matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Jacupiranga, no Vale da Ribeira; a São Francisco de Paula, em Curitiba; a Igreja de Nossa Senhora das Neves, em Iguape; Petrópolis – onde restaura a Paróquia Sagrado Coração de Jesus – e o trabalho que deve garantir sua passagem para o céu sem escalas no purgatório: o resgate da Igreja de São Francisco, no Largo de São Francisco, na capital paulistana, um projeto com incentivo fiscal orçado em R$ 2,5 milhões. O templo, do século 17, é um dos três ou quatro últimos grandes exemplares na metrópole em taipa de pilão. Para quem nunca viu uma, imagine uma parede larga como a de uma fortaleza, feita à base de terra socada em armações de bambu ou madeira.

Portas abertas

Uma das exigências de Maiolino é jamais trancar as portas das igrejas durante o restauro. A curiosidade dos estranhos e dos fiéis faz parte dos seus planos. Ao entrar no templo em obras, fazer perguntas e até protestar contra a baderna, o público ingressa mesmo sem notar para a equipe. "Muitos fiéis trazem informações preciosas sobre as igrejas, às vezes em forma de fotografias e memórias. Eles somam ao trabalho. Ao entender o que estamos fazendo, se tornam guardiões do templo", avalia. A conversa pode ser sobre o resgate de uma determinada cor. "Vi esse filme. A gente chega, decide sem discutir com a comunidade e quando vira as costas, alguém vai lá e muda tudo. Já fui mais radical. Hoje, considero que os paroquianos devem participar das decisões."

A operação "portas abertas" tem dado tão certo que a equipe de Maiolino já promove oficinas antes de iniciar os projetos, fazendo do especializadíssimo restauro-resgate-e-conservação uma atividade tão comum quanto a festa da padroeira. À revelia de todos os argumentos em contrário. Parte dos senões costuma vir do próprio clero, que demora a enxergar algum ganho pastoral em tantos andaimes, espátulas e reboco infernizando o tráfego entre a assembléia e o altar. Mas a turma da oposição nem sempre é da mesma paróquia. Maiolino enfrentou recentemente um grupo religioso que questionou a validade de investir tanta energia numa edificação católica. Foi de bradar os céus.

"É trabalhoso convencer que uma igreja representa todos aqueles que a construíram e não uma religião em particular. É como se fosse um antepassado nosso. A história de uma cidade passa por ali", empolga-se o arquiteto. Pelo seu raciocínio, cada restauro é também um ato de justiça aos anônimos que financiaram bancos, doaram imagens, vibraram com a compra de uma imagem, promoveram quermesses e ajoelharam para rezar. Numa igreja, mesmo vazia, nunca se está sozinho. É o princípio de todas as coisas.

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