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O número de jovens internados hoje equivale a 3,5% da população carcerária adulta do país, de 711 mil presos segundo o CNJ. | Marcello Casal Jr/ABr
O número de jovens internados hoje equivale a 3,5% da população carcerária adulta do país, de 711 mil presos segundo o CNJ.| Foto: Marcello Casal Jr/ABr

O número de adolescentes infratores submetidos à privação ou à restrição de liberdade mais do que dobrou em uma década no Brasil, saltando de 9.555 em 2002 para 23.066 em 2013, data do último levantamento da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República. Projetando a evolução média dos últimos anos, com avanço mais lento e estável, o país tem hoje 25 mil adolescentes de 12 a 21 anos em centros de socioeducação e delegacias especializadas.

Maioridade penal é o que define o julgamento do jovem

Punição dos jovens pode ser mais severa do que a dos adultos

A PEC 171/93

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou em 31 de março último o voto em separado do deputado Marcos Rogério (PDT-RO), favorável à admissibilidade da PEC 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Agora, uma comissão especial da Câmara examinará o conteúdo da proposta, juntamente com 46 emendas apresentadas nos últimos 22 anos, desde que a proposta original passou a tramitar na Casa.

Brasileiros a favor

Pesquisa Datafolha feita na semana passada revelou que 87% dos brasileiros são a favor da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos – índice maior que o encontrado nas duas rodadas anteriores do estudo, de 84%. Entre os favoráveis, 74% defendem a redução para qualquer crime e 26% apenas para determinados delitos.

País prefere punir do que educar, diz pesquisadora

A cultura punitiva prevalece sobre a cultura socioeducativa de crianças e adolescentes, constata a advogada Ana Christina Brito Lopes, pesquisadora dessa temática e pós-doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná.

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O número equivale a 3,5% da população carcerária adulta do país, de 711 mil presos segundo o Conselho Nacional de Justiça, incluindo 150 mil prisões domiciliares. O estudo do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), da SDH, retrata a preferência pela privação de liberdade em detrimento de outras formas de punição aos adolescentes. Pelos dados mais atuais, em 2013 havia 15.221 jovens internados, 5.573 de forma provisória e 2.272 em semiliberdade.

O estudo permite ranquear os motivos mais frequentes que levam adolescentes a cumprir medidas socioeducativas. Conforme o estudo do Sinase, os atos contra a vida (homicídio, tentativa de homicídio, latrocínio e estupro) somaram 15,6% das 25.192 infrações cometidas por menores de idade no país em 2013. O roubo respondeu por 40% dos registros, seguido do tráfico de drogas, com 23,4% dos casos.

Mais reclusão

Que medida é essa?

A aplicação da medida socioeducativa leva em conta as circunstâncias e a gravidade da infração praticada pelo adolescente, podendo ser classificada da seguinte maneira:

Advertência

Repreensão verbal aplicada pela autoridade judicial em que deve estar presente o juiz e o membro do Ministério Público.

Reparar o dano

Essa obrigação ocorre com fins de devolução, ressarcimento e compensação do prejuízo.

Prestação de serviço

O adolescente realiza tarefas gratuitas em hospitais, escolas ou entidades assistenciais. O prazo não pode ser superior a seis meses e as atividades devem ser cumpridas em uma jornada máxima de oito horas semanais.

Liberdade assistida

Impõe obrigações ao adolescente, que deve ser acompanhado em suas atividades diárias (escola, família e trabalho) de forma personalizada.

Semiliberdade

É a privação parcial da liberdade, na qual o adolescente realiza atividades externas durante o dia e é recolhido ao estabelecimento apropriado no período noturno, com acompanhamento de um orientador.

Internação

É a mais grave e complexa das medidas socioeducativas. Ela deve ser aplicada somente nos casos de grave ameaça ou violência à pessoa, de reiteração no cometimento de infrações e de descumprimento de medida anterior.

“Como pesquisadora e estudiosa das violências praticadas na infância e adolescência, posso afirmar que os índices de vitimizados é muito superior aos de atos infracionais cometidos por adolescentes e, mesmo dentre os praticados, os que apresentam maiores índices são de pequeno potencial ofensivo e não de crimes contra a vida”, diz a advogada Ana Christina Brito Lopes, pesquisadora do tema e pós-doutoranda pelo programa de pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Apesar disso, eles são julgados e responsabilizados mesmo assim.”

Por outro lado, diz ela, há um grande índice de autores de crimes contra crianças cujos casos não chegam a ser julgados. “Aí, sim, observa-se a impunidade. Não é um problema de mudanças ou reforma na lei, mas apenas de se colocar em prática o ordenamento jurídico que temos, de observância à lei”, diz. Para ela, se houver uma discussão sobre maior punição, deveria ser em relação àqueles que cometem crimes contra crianças e adolescentes. “Há equívoco em atribuir aos adolescentes os índices de violência na sociedade”, conclui.

Punição em excesso

Para o coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o sociólogo Ignácio Cano, o mais grave são as condições de internação. Falta educação e ensino profissionalizante, mas há superlotação e maus-tratos. O tratamento nas unidades de socioeducação às vezes é mais duro do que para os adultos. Daí não é difícil concluir que o jovem sai pior do que entrou.

Doutora em Direito Penal e consultora do Unicef, Karina Sposato não acha prudente comparar adolescentes internados com adultos en­carcera­dos por se tratar de sistemas diferentes. A com­paração poderia reforçar o argumento da impunidade do adolescente, recorrente no debate público. O senso comum não leva em conta que o Judiciário tem aplicado em excesso as medidas restritivas de liberdade. Apesar dos 24 anos do ECA, ainda existe uma cultura da institucionalização.

A privação de liberdade só deveria ser escolhida depois de se esgotar as outras medidas. Não que o jovem infrator não deva ser punido, pondera Karina, mas a privação de liberdade só caberia em condições excepcionais, para casos graves de violência e ameaça. Fora dessas situações, o internamento é um equívoco. Para ela, reduzir a maioridade penal é retirar direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

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