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Monteiro Lobato: polêmica sobre termos supostamente racistas | Reprodução
Monteiro Lobato: polêmica sobre termos supostamente racistas| Foto: Reprodução

Prefeitura diz que só age após investigação

Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, Henrique Lenz César Filho, o simples uso do termo "hotel" para identificar um meio de hospedagem irregular é perigoso. "Quando um hóspede lê ‘hotel’, isso dá credibilidade ao estabelecimento. Esse lugar pode estar funcionando como casa de prostituição ou até ser palco de um sequestro. Se o negócio não tem os documentos necessários, a prefeitura deve fechá-lo", adverte.

Por lei, a fiscalização é atribuição da prefeitura. O Cadastur, mantido pelo governo federal, apenas orienta os estabelecimentos não cadastrados. O órgão federal não possui qualquer competência para fiscalizar e punir os irregulares. "Nós temos um trabalho de orientação. Vamos aos lugares e avisamos os gerentes e responsáveis sobre a importância de estar regularizado. Mas estamos somente aguardando que o Ministério do Turismo assine a Portaria que nos dá efetivamente o poder de fiscalizar os estabelecimentos e exigir, através de penalidade, que eles se cadastrem", argumenta Rosélia Miranda, coordenadora do Cadastur no Paraná.

De acordo com a coordenadora de capacitação do Instituto Municipal de Turismo, vinculado à prefeitura de Curitiba, Ilka Lopes Cardoso, a responsabilidade do município também é orientar os hotéis. Só há um envolvimento do município para realizar uma autuação ou fechamento do estabelecimento após a denúncia de irregularidade passar pelos órgãos responsáveis. "Geralmente o município só se envolve depois que uma investigação é efetuada", explica.

Retrospectiva

Hotéis de luxo também são relapsos no controle de entrada de adolescente

Mesmo hotéis de alto padrão são relapsos no controle de entrada de menores de idade desacompanhados dos pais, conforme mostrou ontem a Gazeta do Povo. A equipe de reportagem visitou 33 hotéis em Curitiba, Foz do Iguaçu, Paranaguá, Guaratuba e Matinhos, e 29 deles permitiram a hospedagem de uma adolescente de 17 anos acompanhada de um adulto, sem autorização dos pais, conforme estabelecem quatro leis estaduais, além do Estatuto da Criança e do Adolescente.

104

meios de hospedagem foram visitados pela equipe de reportagem na região central de Curitiba. Desses, apenas 64 tinham registro no Cadastur, do Ministério do Turismo, condição necessária para que o estabelecimento possa funcionar. Pelo menos 10 dos 40 hotéis clandestinos não têm sequer CNPJ.

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Concurso

O projeto que deu origem a esta reportagem, que continua amanhã, foi vencedor da Categoria Temática Especial do 6º Concurso Tim Lopes de Jornalismo investigativo, realizado pela Andi e Childhood Brasil (Instituto WCF), com apoio do Unicef, OIT, Fenaj e Abraji.

A área central de Curitiba tem pelo menos 40 hotéis funcionando em condições irregulares. Dez deles nem mesmo existem oficialmente, e funcionam como estabelecimentos clandestinos, sem que haja qualquer controle externo ou fiscalização sobre sua atividade. A situação favorece a ocorrência de crimes e ilícitos, mas mesmo assim parece haver pouco empenho das autoridades para corrigir a situação.

Uma equipe de reportagem da Universidade Positivo, em parceria com a Gazeta do Povo, descobriu os problemas ao fazer algo simples, que deveria ser rotineiro, mas que aparentemente não ocorre com frequência. Os alunos de Jornalismo percorreram os 104 endereços da região central da cidade onde havia uma placa informando que ali havia um hotel. Em muitos deles, qualquer um pode entrar sem nem mesmo dar nome ou documentos, o que facilita a exploração sexual de crianças e adolescentes e outros crimes.

Para fazer a pesquisa, a equipe andou por todas as ruas que, de acordo com o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) fazem parte da região central. Em alguns casos, houve admissão por parte dos próprios funcionários de que a situação era irregular. Num deles, identificado como Hotel Palmares, por exemplo, veio o aviso: não era possível emitir nota fiscal ou recibo, porque o negócio não era registrado. Caso fosse realmente necessário, a funcionária se ofereceu para buscar o comprovante em um hotel próximo.

Sem cadastro

Ter um hotel não é simplesmente pendurar uma placa e alugar quartos. É necessário que sejam preenchidos diversos requisitos. Em 2006, o Ministério do Turismo criou o Cadastur, sistema de cadastro de pessoas físicas e jurídicas que atuam no meio turístico. Esse cadastro é feito gratuitamente e deve ser renovado a cada dois anos. O Ministério oferece uma série de benefícios àqueles que estiverem regularizados, como a participação em eventos, feiras e linhas de financiamento.

Somente o estabelecimento que estiver cadastrado nesse sistema tem permissão legal para atuar. "É obrigatório o cadastro no Ministério do Turismo. Para isso, a empresa tem de estar formalmente constituída, com contrato social, alvará de funcionamento e CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica)", explica a coordenadora do Cadastur no Paraná, Rosélia Miranda.

Dos 104 hotéis identificados pela reportagem na região central, apenas 64 têm registro no Cadastur. Isso quer dizer que 40 hotéis estão operando mesmo sem possuir a documentação exigida pela lei. A situação é ainda mais grave: 10 deles trabalham sem possuir ao menos CNPJ. Ilka Lopes Cardoso, coordenadora do Instituto Municipal de Turismo de Curitiba, explica que os hotéis podem até ter um alvará concedido pelo município, mas se não forem cadastrados pelo Ministério do Turismo, estão funcionando de maneira irregular. "Há uma lei federal que deve ser respeitada", afirma.

Quarto a R$ 15 por hora, sem documento

Quando a equipe de reportagem de alunos do curso de Jornalismo da Universidade Positivo chegou ao hotel De Vitto, no Centro de Curitiba, estava com documentos em mãos para realizar o procedimento padrão de hospedagem, que inclui o fornecimento de dados pessoais para o cadastramento. A recepcionista, entretanto, não pediu nada. Nomes e documentos foram ignorados. Só foi feita a cobrança imediata de R$ 15 pela hora em que o quarto ficaria ocupado.

A entrada do hotel não desperta atenção. A pequena porta no meio da Travessa Alfredo Bufren é identificada com uma placa "hotel". Na recepção, em vez do clássico balcão, existe um guichê com vidro escuro. Dessa maneira é difícil identificar a única recepcionista por trás dele, que explica o funcionamento do hotel. "Só aceitamos hospedagem por diária a partir das dez horas da noite. No período da tarde é apenas por hora", afirma a atendente. Após o pagamento da quantia, a chave do quarto foi entregue sem solicitação de documento dos repórteres ou o registro dos hóspedes.

Por telefone, entretanto, a informação foi outra. Ao ser questionada do valor de utilização do quarto por hora, a atendente do hotel afirmou que essa não era uma prática do estabelecimento. Segundo o hotel as hospedagens são cadastradas somente por diárias. Esse não foi o único estabelecimento em que essa situação foi encontrada. Pelo menos em mais dois lugares, identificados como Hotel Palmares e Hotel MLW, o procedimento foi o mesmo: nada de nomes ou documentos, apenas o pagamento adiantado pela hora de ocupação do quarto.

Falta estrutura para fiscalizar os clandestinos

O Fundo Nacional de Segurança Pública (Funesp) recebe R$ 50 milhões por ano para investimentos na segurança pública do Paraná. Quem financia esses investimentos são estabelecimentos como bares, boates, restaurantes, hotéis, motéis, lan houses, que, por meio do pagamento de uma taxa, ajudam a equipar a Polícia Civil com itens como viaturas e caminhões, munição e coletes de proteção e aparelhos de informática.

Em troca dessa contribui­ção, era de se supor que as forças policiais fizessem a fiscalização desses estabelecimentos. Mas não é o que ocorre. A legislação não estipula um órgão responsável pela fiscalização. Então há a obrigação de fiscalizar, mas não há uma responsabilização de nenhum órgão específico por esse trabalho.

Do total arrecadado, 50% deveriam ser gastos em custeio e 50% em investimento. O valor vai todo para o cofre do Estado e a Secretaria da Fazenda libera conforme as necessidades da polícia. Segundo Daniel Cortes, fiscal do Funesp, outro fator importante para a contribuição com o fundo é a emissão de carteiras de identidade. "Neste ano, com a isenção do pagamento da primeira via de identidade, teremos uma redução de pelo menos 40% da verba que recebíamos", afirma.

Só com denúncia

O que ocorre, na verdade, é uma realidade verificada em diversos setores das forças policiais do Brasil: falta de estrutura e pessoal. "A maioria dos policiais que estão nas delegacias hoje está cuidando de presos", afirma Cortes. Por causa da falta de policiais, a fiscalização contra a exploração sexual de crianças e adolescentes acaba funcionando esporadicamente, e apenas quando há denúncia.

"Nós só vamos investigar se houver denúncia mesmo. E, no mais, nós acreditamos no que está na ficha. Até porque, com o número de policiais que nós temos hoje, fiscalizar fica difícil", diz o fiscal do Funesp.

Colaboraram Amanda Lima, Ana Kruger, Matheus Klocker, Tayná de Campos Soares, Gustavo Panacioni, Renata Silva Pinto e Paola Marques

Esta reportagem foi produzida pelo Núcleo de Jornalismo Investigativo da Universidade Positivo sob a orientação das professoras Rosiane Correia de Freitas e Elza de Oliveira.

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