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Junior Nelson não se importou com a estrutura improvisada do centro de acolhimento. | Henry Milleo/Gazeta do Povo
Junior Nelson não se importou com a estrutura improvisada do centro de acolhimento.| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Quando se deitou para dormir em um colchão, no chão de uma das salas improvisadas da Vila da Cidadania, em Piraquara, o haitiano Junior Nelson, de 30 anos, enfim, se sentiu seguro e cheio de expectativas. Ele é um dos 76 migrantes do Haiti e Senegal que nos últimos dias foram mandados a Curitiba pelo governo do Acre– por onde entraram no Brasil. Essas novas “levas” foram as primeiras a contar com uma estrutura de acolhimento, que começa a ser esboçada no Paraná. Apesar de ainda estar em articulação, este centro de orientação na Vila garante um mínimo respaldo aos forasteiros, o que lhes permite sonhar. “Como sou jardineiro, quando vi a cidade cheia de jardins e flores, fiquei feliz. Com o meu trabalho, vou poder deixar Curitiba mais bonita”, disse Nelson, em bom espanhol. “Pensamos que os brasileiros amam o Haiti. Por isso, quero ficar aqui”, completou.

Os ônibus fretados pelo governo do Acre vieram diariamente entre 26 de abril a 1º de junho. Assim que chegam à Vila da Cidadania, os migrantes passam por uma triagem. A equipe os cadastra de acordo com o perfil profissional, tenta providenciar documentos que faltam – principalmente carteira de trabalho – e localizar parentes que estejam estabelecidos no país.

Nem todos fincam raízes por aqui. Apenas 16 dos migrantes que chegaram nas últimas levas permanecem provisoriamente alojados na Vila da Cidadania. São os que mais precisam de apoio, porque não têm conhecidos no Brasil ou perspectivas de emprego a curto prazo. Outros 18 permanecem no Paraná, mas estão e morando na casa de parentes e trabalhando. A maioria – 42 pessoas – seguiu para outros estados, principalmente Santa Catarina e São Paulo.

“A estrutura ainda é improvisada. Pegamos salas que estavam ociosas e adaptamos de forma a atender os migrantes que chegam, enquanto discutimos a implantação de uma estrutura consolidada”, conta o professor Lúcio Sérgio Ferracin, coordenador da Vila da Cidadania. “O importante é prestarmos esse primeiro acolhimento e orientação”, complementa.

Os migrantes chegam à Vila da Cidadania à beira da exaustão, depois de enfrentarem cerca de dez dias de viagem. A rota de entrada no Brasil inclui a ação de “coiotes”, o cruzamento clandestino de fronteiras e o pagamento de propinas. A maioria chega sem dinheiro e só com a roupa do corpo – já que muitos tiveram a mala roubada na viagem.

Apenas dois dos haitianos que aportaram no Paraná falam algumas palavras em português. Assim, a língua deve ser outro entrave que os migrantes terão que superar. No acolhimento, professores voluntários fazem as vezes de intérpretes. A Vila também oferece cursos gratuitos. “Este acolhimento é o começo, mas precisamos saber como vai ficar após, porque precisamos assegurar as condições de permanência”, pondera a professora Daiane Regina Stolberg Wzorek.

O sonho de construir uma família no Brasil

Namorados há oito anos, os haitianos Belsaint Osmane, de 32 anos, e Cadet Ginette, de 29 anos, se separaram temporariamente neste ano, para migrar ao Brasil. Osmane veio primeiro e tentou a sorte em São Paulo. Após meses longe da namorada, ele a reencontrou há algumas semanas, na Rodoviária de Curitiba, com uma boa nova: a Ginette está grávida de cinco meses. Querem fixar família por aqui.

Questionado como se sentiu diante da notícia de que será pai, Osmane respondeu com um gesto: beijou demoradamente o rosto da namorada. Apesar da esperança, o casal sabe que enfrentará dificuldades. Nenhum dos dois fala português ou tem parentes em Curitiba. “Queremos construir nossa vida e educar nosso filho ou filha aqui”, destaca Osmane.

Junior Nelson deixou o Haiti, fugindo da fome. A família dele – pai, mãe, irmãos, primos e namorada – ficaram na capital Porto Príncipe, que ainda sofre as consequências do terremoto de 2010. O desemprego e a falta de perspectivas, diz ele, têm feito com que haitianos se arrisquem em massa para tentar a vida em países como o Brasil. “Minha família passou e ainda passa muita fome. Quase não há emprego. É muito triste”, definiu.

Para chegar ao Brasil, Nelson deixou US$ 700 nas mãos de atravessadores. Com o visto humanitário concedido pela Polícia Federal, ele só pensa em trabalhar e trazer a família para cá. “Quem vem, vem com vontade de trabalhar, de ajudar o Brasil”, garante.

Plano prevê implantação de albergues em 11 cidades

O projeto de acolhimento a migrantes no Paraná prevê a implantação de albergues em 11 cidades do estado, a médio prazo. Essas estruturas devem funcionar como uma espécie de casa de passagem, onde os estrangeiros poderão ficar provisoriamente até conseguirem se estabelecer por conta própria. Não há previsão, no entanto, para que os abrigos saiam do papel.

“Ainda não temos a dinâmica de deslocamento e estabelecimento dessas pessoas, mas estamos todos envolvidos no processo para acertarmos”, diz a coordenadora de proteção social da Secretaria de Estado do Trabalho e Desenvolvimento Social, Elenice Malzoni.

Quatro cidades já aceitaram sediar albergues: Curitiba, Foz do Iguaçu, Piraquara e Londrina. A iniciativa deve conjugar esforços dos municípios, estado e governo federal. Paralelamente, o Paraná define metas de acolhimento para curto e médio prazos.

Não há dados precisos, mas estima-se que cerca de 5 mil haitianos vivam hoje no Paraná – a metade deles na região de Curitiba. A Polícia Federal e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) apontam que, entre 2010 e 2014, Curitiba foi a quarta cidade brasileira que mais recebeu migrantes do Haiti.

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