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 | Ilustração: Benett
| Foto: Ilustração: Benett

A literatura brasileira vive um bom renascimento. Mas, salvo por casos isolados, ou em bolsões acadêmicos, ainda não existimos no exterior como um corpus literário consistente e reconhecível, enraizado numa tradição. Quebrar esse destino é obra difícil, com várias frentes. Uma delas é romper o pesado muro de acesso ao universo da língua inglesa, que potencializa a presença do escritor, multiplicando-lhe as oportunidades de tradução em outros países. A outra frente é o próprio país, que, ao se tornar de fato relevante, começará a levar no pacote suas riquezas menos palpáveis – eis a esperança.

Semana passada, a presença do Brasil como país homenageado na Feira do Livro de Frankfurt, a maior do mundo, foi uma pequena porta de exibição da nossa literatura. Quem é do ramo sabe que uma feira comercial não é uma central diplomática – se as editoras estrangeiras não têm interesse em investir na literatura brasileira (e o interesse é ainda escasso), nada acontece. Mas Frankfurt é um ponto de contato não desprezível com o mundo.

O fato marcante deste ano, com uma repercussão nacional e internacional sem precedentes em eventos semelhantes, foi o discurso do escritor Luiz Ruffato na abertura da Feira. Em dez minutos de uma boa síntese histórica da formação do Brasil, dura, nítida, apresentada com uma sinceridade emocional que quem faz arte sabe bem o que é, criou um mal-estar nas áreas oficiais – ou nos setores que têm ainda dificuldade para assumir a diferença entre Estado e governo, e entre o público e o privado. Ou imagina, talvez, que um escritor convidado pelo Estado deve tornar-se automaticamente funcionário do governo.

O discurso do Ruffato lembrou, sem citá-la, a dimensão ética do ato da escrita, ao apontar para o outro lado, o não aparente, o espectro incômodo da realidade, aquilo que deve ser pensado por quem escreve e por quem lê. Tão importante quanto os conteúdos de sua fala – em que todo mundo encontrou convergência e divergência, e um estímulo à boa discussão como raríssimas vezes se vê no país – foi o gesto simbólico do escritor. Em seguida, em outra boa síntese, e em outro tom, a escritora Ana Maria Machado apontou para a importância da literatura brasileira – no conjunto, os dois discursos se complementaram como imagens da nossa dimensão crítica e literária.

Quem realmente confundiu os papéis foi Michel Temer, o vice-presidente do Brasil. Na expressa função de máximo representante do Estado brasileiro, preferiu improvisar sobre suas próprias qualidades poéticas, de tal modo que se tornou, ao vivo e a contragosto, uma espécie de "como queria demonstrar" do discurso de Ruffato sobre a realidade do país. Mas os brasileiros reagiram com humor. Houve desde trocadilhos infames, como o "Te mereço!", até o projeto de uma simpática camiseta, com a cara do Ruffato e os dizeres: "Com Ruffato, nada temos a Temer".

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