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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Com a morte de Wilson Martins (1921-2010), pa­­rece que todo um tempo da crítica literária brasileira desapareceu com ele. Nos seus mais de 60 anos de atividade, Wilson Martins fez um completo e detalhado levantamento da produção literária brasileira, quase que livro a livro, de tudo que apontava para a relevância, que é a tarefa primeira do crítico. Radicalmente independente, de uma erudição enciclopédica e às vezes opiniático e particularíssimo em sua visão, ele foi quase sempre a primeira e mais forte referência de quem quer que tenha enveredado pela ficção e pela poesia no país desde a década de 40.

Sua produção foi também a marca de um tempo em que a literatura contava com um espaço muito maior do que hoje, quando tem de competir com uma pletora de manifestações da cultura – em particular do cinema e da televisão –, concorrência que não havia nos 30 anos em que marcou época e presença no clássico Suplemento Literário do jornal "O Estado de S. Paulo". Quem lê Wilson Mar­­tins percebe a distância quilométrica que vai entre a atividade do crítico e a do resenhista; en­­quanto a resenha basicamente apresenta um livro ao leitor, pressupondo liames de interesse momentâneo submetidos ao conceito de divulgação cultural, o crítico interpreta o que lê dentro de um quadro maior de produção da literatura; e na crítica o juízo de valor é aspecto central. Para um país culturalmente propenso à mediação dos panos quentes, o crítico nem sempre é uma figura simpática.

No caso de Wilson Martins, essa interpretação marcante nunca perdeu de vista o leitor. Como crítico, foi herdeiro de uma escola imbuída do espírito jornalístico de combate, e não dos gabinetes universitários e da abstração teórica que passariam a dominar o nosso discurso literário da década de 1960 em diante, quando a crítica vai se refugiar na Universidade, em parte pelas limitações da imprensa durante a ditadura militar. So­­litário, Wilson Martins virou o século 20 à margem dessa mu­­dança de rumo editorial, fiel a ele mesmo, enquanto a atividade crítica foi paulatinamente se deslocando dos grandes nomes e personalidades para se centrar no eventual tirocínio de editores de suplementos e cadernos, ainda incertos do que os turbulentos anos 2000 reservarão à literatura.

A atividade crítica cotidiana é a mais visível quando lembramos Wilson Martins – mas é pre­­ciso não esquecer o lastro realmente monumental que dava consistência ao seu texto, sempre com o toque da ironia e do fino estilista que foi. Basta citar os sete volumes da História da Inteli­­gência Brasileira e sua vasta obra historiográfica. E tenho especial afeição por um livro que considero absolutamente insubstituível para entender traços profundos do Paraná e de sua formação, que leio e releio sempre com prazer –Um Brasil diferente. Wilson Mar­­tins foi, ele mesmo, um Brasil diferente – e melhor. Sen­­ti­­remos sua falta.

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